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CAPÍTULO IV – RELAÇOES ENTRE O PORTUGUÊS E AS LÍNGUAS LOCAIS DE

4.2 Perfil linguístico dos professores das três escolas

4.2.1 Traços convergentes e divergentes nos perfis das três professoras

4.2.1.2 Traços divergentes

Paralelamente aos aspectos que as professoras têm em comum, cada uma é portadora de determinadas características pessoais que não se acham em nenhuma das outras professoras. São estas características que trabalham no processo de individuação: a idade, o percurso de formação e as relações com as línguas maternas dos alunos.

Relativamente à idade, as três professoras estão em faixas etárias diferentes. A professora Rosa tem 32 anos de idade e parte da sua vida foi passada no ex-Zaire, actual República Democrática do Congo, onde estava com a família, na condição de refugiada. Segundo contou, não ficou lá muito tempo e teve que voltar primeiro que toda a família para viver em casa de um parente na cidade de Cabinda. Exerce a sua profissão há sete anos de serviço e sempre trabalhou com as crianças da 1ª classe. Nas suas aulas, não faz uso das línguas maternas dos seus alunos, nem se apercebe que, na sua turma, existem alunos que falam o fiote/ibinda, mas a professora gosta de trabalhar com as crianças:

Me alegro muito em trabalhar com as crianças / no ensino médio formei-me como professora do ensino primário / / (Professora Rosa).

Enquanto a professora falava, notava-se um sorriso no rosto dela, como sinal de afeição ao trabalho que faz. Para esta professora, exercer a profissão que aprendeu é fonte de alegria e trabalha em cumprimento do compromisso que assumiu na sua formação.

A professora Joana, da escola de Fortaleza, tem 40 anos de idade, nunca havia se deslocado para fora de Angola e possui o ensino médio da formação de professores, na opção Geografia e História. Até a data do início da nossa pesquisa (2013), já levava sete anos de serviço, a escola de Fortaleza, onde trabalha actualmente, é o seu segundo estabelecimento de ensino e desde sempre trabalhou em escolas do meio rural:

Este é o meu segundo ano nesta escola /... / mas é o sétimo ano que trabalho na zona escolar do Yabi /... / porque esta escola faz parte da zona escolar do Yabi / sempre a trabalhar no campo / pelo menos aqui estou melhor /.../ porque a escola está na via asfaltada /... / enquanto que lá no Yabi SÓ POE::IRA /... /

A fala da professora, cheia de momentos de silêncio – representados por reticências entre colchetes – retratam o seu estado afectivo em relação ao local do trabalho, que não lhe oferece grande motivação. Os reiterados momentos de silêncio nos deixam grande espaço de suposições, visto que “a linguagem estabiliza o movimento dos sentidos. No silêncio, ao contrário, sentido e sujeito se movem largamente (ORLANDI, 2007, p. 27)”. O silêncio oculta sentimentos e pensamentos, que, por força das circunstâncias, as palavras não podem exprimir.

Analisando esta situação, vimos que os momentos de silêncio se ligam aos do discurso indicativos relacionados à primeira escola onde a professora trabalhou. Ao dizer que era o seu segundo ano na escola de Fortaleza, ela se cala, fazendo uma pausa. O que ela queria dizer com isso? Que sentido a professora queria atribuir aos dois anos na escola de Fortaleza? Quando mencionou nome Yabi, também marcou uma pausa. A escola de Fortaleza está na jurisdição da zona escolar de Yabi. Para a professora, a mudança de Yabi para Fortaleza não correspondeu à expectativa, mas se contenta com isso porque livrou-se da estrada empoeirada. As expressões “SÓ POEIRA” e “mais ou menos” são marcas linguísticas que indicam um descontentamento em relação ao primeiro estabelecimento escolar, ouvindo o tom da voz da expressão “só poeira”, e a falta de contentamento com a escola de onde a professora foi transferida mas, também, indica uma atitude de comparação entre as duas escolas.

Quanto à residência, ela não é moradora da aldeia onde trabalha. Todos os dias, ela se desloca de um bairro periférico da cidade de Cabinda para a aldeia de Fortaleza.

Moro no bairro 1º de Maio / é muito distante [...] / todos os dias sou obrigada a gastar dinheiro em transporte/ mesmo com esse salário que não chega para nada / / (Professora Joana, entrevista do dia 1º de Abr. de 2013).

Mas não foi nesse bairro que a professora nasceu; é proveniente de uma vila chamada Lândana, sede do município de Cacongo, sendo o ikotchi a principal variante linguística que o povo, naquela vila, fala. Quando perguntamos à professora se falava muito bem a língua local, na variante iwoyo, falada na aldeia de Fortaleza, disse-nos que não tinha um domínio perfeito por não ser nativa daquela aldeia.

Falo um pouco / eu não sou desta aldeia / sou de Lândana, município de Cacongo. (Professora Joana, entrevista do dia 1º de Abr. de 2013).

Esse pequeno domínio da língua local permite à professora lidar com os alunos que têm dificuldade de comunicação na língua portuguesa. Segundo a professora, em determinados momentos, ela deve usar a língua portuguesa juntamente com o iwoyo, que as crianças mais dominam.

São tímidos porque têm dificuldades de falar o português / sou obrigada a falar por vezes em português e em Ibinda. (Professora Joana, entrevista do dia 1º de Abr. de 2013).

Em suma, a professora Joana tem consciência de que a aprendizagem dos seus alunos se efetuaria melhor com o recurso à língua materna, isto é, o fiote, na sua variante iwoyo, o que ela tem feito quando necessário. No entanto, salienta que essa transição constitui como uma ‘obrigação’ ou uma concessão, o que denota uma falta de espontaneidade nesse uso.

Florbela é uma professora com mais tempo de serviço e com menos idade, em relação às outras duas professoras referidas atrás. Até o momento da pesquisa (2013), a professora já havia completado dez anos de serviço, como professora.

Este é ó meu décimo ano / Esta é a minha primeira escola / / (Professora Florbela, Jun. de 2013).

Ela conta que começou os seus estudos na República Democrática do Congo (RDC), onde fez o 1º ciclo do ensino secundário, na condição de refugiada. Após o seu retorno ao país de origem – Angola –, matriculou-se na escola de formação de professores do futuro, de uma ONG dinamarquesa de Ajuda de Povo Para Povo (ADPP), voltada para a formação de professores para o meio rural, o que lhe facilita o trato com as crianças do meio rural, e a adaptar-se às condições de uma zona campestre.

A minha formação inicial me habilitou para trabalhar neste tipo de ambiente / eu fiz o meu curso médio na escola de formação de professores de futuro / duma organização norueguesa de Ajuda de povo para povo / ADPP / a escola forma professores para o meio rural (Professora Florbela, abr. de 2013).

A escola de Chiela está localizada no território do grupo etnolinguístico balingi, sendo kilingi a variante linguística do fiote falada na aldeia. Florbela é do grupo etnolinguístico bakuakongo, falante nativa de ikuakongo, e, por necessidade, fala o kilingi.

Uma das dificuldades encontrada por ela foi o facto de os seus alunos falarem apenas a língua local. O português é aprendido na escola.

As dificuldades não faltam / quando cheguei / a primeira dificuldade foi em lidar com crianças que só falam o Fiote e com as condições precárias da escola /.../ mas já estou habituada/ como você tem estado a acompanhar / o uso das duas línguas é indispensável / aquilo que os alunos não entendem em português deve ser traduzido em Fiote / se não fizer isso eles não entendem quase nada / eu falo kikuakongo que é também fiote / mas aqui também consigo falar kilingi com os alunos /.../ (Professora Florbela, Abr. de 2013).

Ao longo da conversa, não notamos nenhum indício de descontentamento em relação ao local de trabalho: uma aldeia isolada, sem luz elétrica, nem serviços sociais básicos, para além da escola. A hospitalidade dos aldeões de Chiela ajudou Florbela a se adaptar rapidamente e a se deslocar todos os dias da vila de Lândana para Chiela. Numa aldeia, uma pessoa estranha, que fala a mesma língua dos nativos, pode facilitar uma inserção mais rápida porque a comunicação faz socializar as pessoas. Essa hospitalidade é recordada pela professora Florbela, como algo importante para o seu trabalho na aldeia e no trato diário com os seus alunos.

Do ponto de vista linguístico, a professora Florbela tem o ikuakongo como língua materna, o português como língua de aquisição escolar, mas que hoje se tornou a primeira língua em termos de uso; o francês, também, é, para a professora, uma língua de aquisição escolar, mas que não faz parte do seu dia a dia.

As três professoras são nativas da província de Cabinda. Apesar de serem falantes de variantes de fiote diferentes entre si, falam a mesma língua local: o fiote. Nenhuma das três vive próxima da escola onde trabalham. Todos os dias se deslocam de bairros afastados das suas respectivas escolas. O perfil linguístico das professoras não difere muito do de seus alunos, que, também, apresentam uma diversidade linguística muito grande. Estas características apresentadas refletiram muito nos eventos interactivos observados tanto no recinto escolar – entre encarregados de educação e professores, entre alunos e professores, entre encarregado da educação e educando – como na sala de aula. A discussão destes eventos será o objectivo do próximo item.

A atuação das três professoras diverge quanto ao uso da língua materna dos alunos. A professora da escola de Zôngolo não faz uso do fiote/ibinda na sua actuação docente. Mesmo existindo alunos falantes desta língua, a professora não consegue identificar

o fenómeno de bilinguismo, ou de monolinguismo em língua local de origem africana, presente na sua turma. Cria um ambiente interactivo na sala de aula através da canto com os alunos. A professora da escola de Fortaleza, apesar de ser de uma variante linguística diferente da variante linguística dos seus alunos, se esforça em criar uma ligação entre o português e a língua materna deles. Em determinados momentos, ela usa o iwoyo para facilitar a compreensão dos conteúdos que transmite na sala de aula. O canto é, também, uma forma que a professora usa para criar a interacção. Por último, a professora de Chiela contextualiza a sua actuação docente na realidade sociolinguística dos seus alunos e usa o kilingi como meio para facilitar a ligação entre os alunos e os conteúdos que administra.

4.3 Eventos interactivos que marcam as relações entre o português e as línguas locais de