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O TRABALHO NA BASE DA PIRÂMIDE SOCIAL

No documento marinademagalhaessouza (páginas 50-56)

2 NOVA CLASSE MÉDIA E SUAS SIGNIFICAÇÕES

2.3 O TRABALHO NA BASE DA PIRÂMIDE SOCIAL

O pesquisador e ex-presidente do IPEA, Pochmann (2012) não acredita em nova classe média, mas na transformação da base da pirâmide social que a partir dos anos 2000 passa a ser ocupada pelos trabalhadores de salário base, faixa de renda ampliada pelo trabalho precário dos autônomos, domésticos, terceirizados e temporários.

Diante da combinação da recuperação do valor real do salário mínimo nacional com a ampliação das políticas de transferência sociais, nota- se que a recente expansão das vagas de salário de base tem permitido absorver enormes parcelas dos trabalhadores na base da pirâmide social, o que favorece a redução sensível da taxa de pobreza em todo o país (2012, p.22).

Apesar disto, Pochmann (2012) afirma que esta nova realidade não é capaz de alterar o segmento intermediário da estratificação social, mas que é crescente a polarização entre os dois extremos sociais. De um lado, os trabalhadores na base da

pirâmide social e de outro uma grande parcela de detentores de renda derivada da propriedade (lucro, juros, renda da terra e aluguéis).

Para Pochmann (2012) ocorreu no país uma recuperação da participação do rendimento do trabalho na renda nacional, com consequente melhoria na situação geral dos trabalhadores, com crescimento da taxa de ocupação, formalização dos empregos e queda da pobreza absoluta, reduzindo as desigualdades sociais.

Isto pode ser observado através da análise dos três momentos econômicos no país. O primeiro entre os anos 1960 e 1980 que se caracterizaram pelo aumento da renda

per capita, com crescimento anual médio de 4,4%. Mesmo com esta melhora a

participação do rendimento do trabalho na renda nacional caiu 11,7%, enquanto o grau de desigualdade da distribuição pessoal da renda do trabalho aumentou quase 21,9% entre 1960 e 1980, conforme relata Pochmann (2012). O crescimento econômico neste período de regime autoritário não favoreceu as classes populares que continuaram sem acesso aos bens materiais.

O segundo momento da economia se dá de 1981 a 2003. Apesar da redemocratização do país, o período foi de estagnação do rendimento do trabalho, com aumento anual de apenas 0,2%. O desemprego se elevou, o trabalho de baixa remuneração proliferou e o trabalho informal cresceu. O rendimento do trabalho na renda nacional caiu 23% e a desigualdade na distribuição da renda do trabalho permaneceu inalterada.

Mas foi de 2004 a 2010 que ocorreram as grandes mudanças sociais. A renda per

capita dos brasileiros cresceu a uma média anual de 3,3%, a participação do rendimento

do trabalho na renda nacional cresceu 14,8% e o grau de desigualdade na distribuição da renda reduziu 10,7%.

Até a década de 1980 o principal motor das mudanças sociais foi a expansão da indústria. O setor secundário (indústria e construção civil) cresceu, sendo que o setor primário (agropecuária) perdeu importância e o setor terciário (serviço e comércio) se manteve estável. O peso do setor secundário passou de 20,5% do PIB, para 38,6%, um aumento de 88,3%, no período de 1950 a 1980. Já o setor primário foi reduzido de 29,4% para 10,7% do PIB, uma queda de 63,6%. O setor terciário se manteve estável com participação inferior a 51% do PIB.

Já no início do século XXI somente o setor terciário tem registrado aumento com relação à participação no PIB. Entre 1980 e 2008, o setor terciário aumentou seu peso em 30,6%, respondendo por dois terços de toda a produção nacional, enquanto os setores primários e secundários perderam 44,9% e 27,7%, respectivamente.

Com isto, a composição da força de trabalho é alterada. No período industrial o setor primário representava quase 61% da força de trabalho, em 1950, passando agora para menos de um terço dos postos de trabalho. Enquanto isto os setores secundário e terciário aumentaram suas posições pulando de 17% e 22,5%, para 23% e 43%, em 1980.

Desde a década de 1980, somente o setor terciário tem aumentado seu peso na ocupação. Durante a década de 2000 o setor terciário gerou 2,3 vezes mais emprego que o setor secundário. No setor primário, a diminuição dos postos de trabalho no primeiro decênio do século XXI é de nove vezes maiores que o verificado na década de 1970. Portanto, o setor de serviços é hoje o maior empregador do país. E a maior expansão de ocupação aconteceu nos primeiros 10 anos do século, com saldo de 44% ao verificado no período de 1980 e 1990 e 22% superior à década de 1970.

Na sua maioria os postos de trabalho gerados estão na base da pirâmide social, uma vez que 95% das vagas abertas possuem remuneração mensal de até 1,5 salários mínimo, representando cerca de 2 milhões de vagas por ano, para os trabalhadores de salário de base. De 1970 a 2000 havia a tendência de redução desta faixa de até 1,5 salários mínimos, que passou de 77% para 45,8% dos postos de trabalho, enquanto a faixa de mais de 3 salários subiu de 9% para 28,7%. Mas na primeira década de 2000 a faixa mais baixa voltou a crescer chegando a 59% dos postos de trabalho.

Assim, além de rendimento melhor e trabalho formal esta nova estratificação social incorpora outros benefícios como maior escolaridade e posse de moradia e outros bens de consumo.

Portanto, para Pochmann

uma parcela considerável da força de trabalho conseguiu superar a condição de pobreza, transitando para o nível inferior da estrutura ocupacional de baixa remuneração; embora não seja pobre, tampouco pode ser considerada classe média (2012, p.20).

Mas, mesmo com o progresso material alcançado pela expansão econômica, a maior parte dos trabalhadores permanece com salários baixos. Uma condição histórica para Pochmann (2012), uma herança da economia colonial, do trabalho escravo e do capitalismo tardio no país. O ingresso dos trabalhadores imigrantes também favoreceu a mão de obra ociosa, logo no início da formação do mercado livre no país. Mesmo com o trabalho livre, o Brasil ainda manteve atividades de natureza servil como criadagem, capangas e empregados domésticos. Estes só recentemente reconhecidos como trabalhadores através de uma emenda constitucional estendendo os direitos em vigor há 70 anos para as demais categorias.

Durante o período de industrialização do país (1930 a 1980) apesar do avanço do trabalhador assalariado, o mercado não conseguiu absorver a grande demanda por emprego, inclusive vinda das zonas rurais, dando origem a uma forte corrente do trabalho informal, ocupações por conta própria, pequenos negócios autônomos. Com o crescimento do desemprego e ocupações precárias, a concentração de renda e riqueza se ampliou, favorecendo o trabalho barato de prestação de serviços às famílias. Não somente o doméstico, mas também de motoristas, pilotos, estética, personal trainer,

personal stylist e de administração da própria riqueza.

A década de 2000 apresentou uma alteração importante no padrão de trabalho no país, com relação à ocupação e ao salário. Foram criados 21 milhões de postos de trabalho na primeira década, sendo que 94,6% com rendimento de até 1,5 salários mínimo. Na faixa de cinco salários mínimos mensais a queda foi de 4,3 milhões de postos de trabalho. Isto significa que os trabalhadores de baixa renda passaram a constituir a base da pirâmide social brasileira.

Estes trabalhadores de salário de base representam a metade de todas as ocupações no Brasil. E destes 75% são assalariados e dois de cada três possuem carteira assinada.

ILUSTRAÇÃO 3 EVOLUÇÃO DAS OCUPAÇÕES DE TRABALHADORES DE SALÁRIO BASE (%)

Fonte: IBGE/PNAD/POCHMANN (2012) - elaboração própria

Este contingente de trabalhadores para Pochmann (2012) não pode ser associado ao conceito de classe média, mas se aproxima mais do entendimento internacional de

working poor (trabalhadores pobres), que estão na faixa de rendimento de um salário

mínimo oficial. Os trabalhadores se transformaram em importante fator na mudança da estrutura social, com elevação de salário, capaz de alterar a mobilidade social e promover a inclusão no mundo dos bens e do consumo antes inacessíveis.

Na faixa de salário de até 1,5 mínimos as ocupações com maior expansão na década de 2000 foram as de serviços (6,1 milhões de postos de trabalho, ou 31% das ocupações), comércio (2,1 milhões), construção civil (2 milhões), escriturários (1,6 milhão), indústria têxtil e de vestuário (1,3 milhão) e atendimento ao público (1,3 milhão). Estas profissões correspondem a 72,4% de todas as ocupações nesta faixa de salário. Destaque para a contratação de mulheres que correspondeu a 60% do total.

Apesar de representarem 45% dos ocupados, os trabalhadores de baixa renda ainda permanecem excluídos de proteção social e trabalhista. Somente a carteira de trabalho assinada não garante um trabalho digno, com remuneração e condições

39 40,2 37,1 43,9 33,7 34,5 34 31,4 25,8 23,9 27,5 23,5 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 1979 1989 1999 2009

compatíveis com a ocupação e assistência social, além dos serviços de saúde, educação e lazer de qualidade.

Também a taxa de sindicalização permanece baixa, atingindo um terço dos trabalhadores com carteira assinada, mas caindo para 13% considerando todos os trabalhadores. A taxa de sindicalização dos que possuem carteira assinada caiu de 32,9% em 1990, para 29,7% em 2000. Em alguns setores a queda foi ainda maior como os trabalhadores em energia, de 36,7% para 10,3%. Esta queda acentuada também pode ser explicada pelo esvaziamento de trabalhadores do setor público, com a terceirização dos serviços, enfraquecendo assim as filiações a sindicatos. O mesmo ocorreu nos setores de papel e papelão, joalheiros e vidreiros e trabalhadores de nível médio. Alguns setores tiveram alta na sindicalização como alimentos, siderúrgica, material de construção e exploração agrícola.

Na década de 2000, quase 95% das vagas abertas foram ocupadas por trabalhadores com escolaridade igual ao ensino médio, contra 68,3%, nos anos 1990, demonstrando uma clara tendência de melhoria na escolaridade dos trabalhadores. Em 2009, 43% dos ocupados possuíam mais de 9 anos de escolaridade, em comparação com apenas 9% em 1979, 15,1% e, 1989 e 23,2% em 1999.

Pochmann (2012) destaca ainda a participação de alguns grupos de trabalho que contribuem para a base da pirâmide, com predominância da faixa salarial de até 1,5 salários mínimos. Estes grupos são dos trabalhadores domésticos (23 milhões), autônomos (22 milhões), do setor primário, terceirizados e temporários, que possuem como característica a precariedade do trabalho, com baixa remuneração e proteção trabalhista.

No caso do trabalhador doméstico o setor ainda guarda traços históricos do trabalho escravo e serviçal, sendo que somente 27,9% possuem carteira assinada e 32,9% recebem de 1 a 1,5 salários mínimos.

As maiores transformações no setor trabalhista, entretanto, ocorreram com a introdução do trabalho terceirizado e temporário, além do crescimento do trabalho autônomo, este representa um quarto de todos os postos de trabalho. Já o trabalho terceirizado cresceu 13% de 1996 a 2010, assumindo no Brasil utilidade diferente dos outros países onde este tipo de trabalho foi adotado para melhorar a produtividade e

qualidade. No Brasil, o trabalho terceirizado tem como objetivo a redução de custos. O trabalho temporário, com contratos de até 3 meses, atinge 4,3 milhões de pessoas, sendo que 47% deles estão nas micro e pequenas empresas.

No documento marinademagalhaessouza (páginas 50-56)