• Nenhum resultado encontrado

2 FORMAS DE DESMOBILIZAÇÃO DO MST

2.2 Política do Governo Lula e institucionalização do MST

2.2.2 Transformação do processo de institucionalização e burocratização

2.2.2.2 Trabalho burocrático do MST

No presente item, tratamos do trabalho da militância do MST e sua relação com o Governo Lula, tendo como base a categoria denominada tempo de trabalho político da militância. E, em seguida, discutiremos a desvalorização do trabalho político.

2.2.2.2.1 Tempo de trabalho político da militância

Na relação entre o Governo Lula e o MST, o governo é o detentor das políticas públicas e o MST é o possuidor do trabalho político de seus militantes. Para compreender o trabalho da militância na relação com o governo, utilizamos a categoria tempo de trabalho político da militância do MST, conforme já citamos. Essa categoria está composta de tempo de trabalho orgânico e tempo de Trabalho Burocrático, expresso pela seguinte fórmula:

onde:

Tr Mil - Tempo Total de Trabalho Político da Militância Tr Org - Tempo de Trabalho Orgânico do Militante Tr Bur - Tempo de Trabalho Burocrático do Militante

O tempo total de trabalho político da militância representa o somatório do tempo de trabalho orgânico do militante, acrescido do tempo de Trabalho Burocrático do militante e, também, envolve o tempo gasto com todas as atividades políticas de militância do MST. O tempo de trabalho orgânico, por sua vez, é o tempo de trabalho da militância, que é disponibilizado para as atividades de formação e ação político-ideológico dos trabalhadores. O tempo de trabalho orgânico está constituído dos seguintes elementos: atividades de trabalho de base voltadas para a formação continuada e para a formação de

59

alianças políticas; práticas de enfrentamento das forças antagônicas ao MST, tais como: governos, grande capital agrário e outros representantes do capital.

O tempo de Trabalho Burocrático do militante envolve, basicamente, dois tipos de atividades: aquelas que são inerentes aos postos de trabalho do governo (que foram assumidos pelos militantes) e as atividades vinculadas aos projetos de desenvolvimento, implementados pelo governo, nos assentamentos de reforma agrária. Além disso, outras atividades de projetos foram executadas nas cidades. Em geral, o Trabalho Burocrático, que é exigido por tais projetos, decorre de editais públicos, que são divulgados a partir de um mecanismo institucional, denominado de chamada pública60. A burocracia do Estado (inerente aos editais de projetos) exige o preenchimento de diversas planilhas, inúmeros levantamentos de dados e elaboração de um grande volume de relatórios, que são utilizados pelo governo, como instrumentos de avaliação. Tais atividades burocráticas, que seriam de responsabilidade exclusiva do INCRA, agora, são assumidas, em parte, pelos militantes, o que traz prejuízos para o desempenho de seus genuínos papéis. Podemos, então, afirmar que tais atividades burocráticas consomem, praticamente, o tempo do trabalho orgânico, que era realizado pelos seus técnicos- militantes61. Tudo isso funcionou como instrumento de Desmobilização do MST pelo Governo Lula, conforme depoimento, que se segue:

[a ATES] ela tira o tempo de convivência do agricultor com o técnico [...] grande parte do que estamos fazendo seria uma tarefa de um articulador do INCRA. [...] e de fato a gente fica engessado [impedido de movimento] porque é uma questão de tempo, porque você hoje tem que cumprir metas [...] Não tem espaço para você discutir o social [...] não tem o espaço para participar da formação política, não tem o espaço de conviver com a militância e acima de tudo, ele busca todo dia fazer uma divisão (InMST6).

O avanço do tempo de Trabalho Burocrático sobre o tempo de trabalho orgânico atingiu a atuação dos militantes, em seus aspectos quantitativos e qualitativos.

60

Chamada Pública – Constituída para atender aos editais, que têm, como objeto, a seleção de entidades executoras de assistência técnica e extensão rural para prestar serviços de Assessoria Técnica, Social e Ambiental (ATES); elaboração de Planos de Desenvolvimento do Assentamento (PDA); e Planos de Recuperação do Assentamento (PRA). Todas essas ações são planejadas e executadas, no contexto da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (PNATER) e do Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária (PRONATER), sob a jurisdição do INCRA/MDA.

61

Profissionais vinculados à assistência técnica do MST, em outros momentos de sua história, desempenhavam, simultaneamente ao trabalho técnico, forte trabalho de militância junto aos assentados da reforma agrária.

Diversas atividades interferiram nos aspectos quantitativos, tais como: uso do tempo dos militantes no desenvolvimento de atividades dos projetos de governo; e participação dos militantes na burocracia do Estado. Em relação aos aspectos qualitativos, citamos alguns fatos, que prejudicaram na atuação política dos militantes: a partir da implementação desses projetos, houve uma mudança cultural na militância, sobretudo, na assistência técnica, que é prestada aos assentamentos de reforma agrária; surgiu uma nova configuração nos processos de trabalho técnico e de formação dos trabalhadores; ocorreu uma acentuada diminuição do tempo destinado ao trabalho político, que é fundamental para o fortalecimento das lutas do MST diante dos governos.

Reafirmamos que o aumento de Trabalho Burocrático exigiu da militância maior dedicação às atividades inerentes aos instrumentos burocráticos de controle governamental, o que diminuiu o tempo de trabalho total nos assentamentos. Quando os militantes aumentaram suas participações no trabalho de natureza governamental, o trabalho orgânico de militância foi sacrificado, o que trouxe prejuízo para a atuação política do MST. Houve, simultaneamente, a conformação da militância diante das políticas de inclusão do Governo Lula e um enfraquecimento da luta pelas políticas estruturais de reforma agrária. Com essa ação, o Governo Lula conseguiu reconfigurar o trabalho da militância do MST.

Nós estamos nos matando para fazer a educação das escolas do campo [...] Não está sobrando tempo para ser militante. Nós a fazendo o mesmo papel do Estado. [...] Então, nós temos que colocar quadros militantes para coordenar esse trabalho [...] nós tiramos alguém que estava fazendo trabalho de formação para ir coordenar o trabalho de assistência técnica, não é um, são vários. [...] O tempo que nós estamos desperdiçando para brigar com a SEDUC62 é grande demais, porque o Estado não cumpre a função dele (InMST8).

Podemos observar que, no tempo total de trabalho político da militância, há uma relação de soma e, também, uma relação inversa entre Trabalho Burocrático (TrBur) e Trabalho Orgânico, (TrOrg). Expressamos tal inversão na seguinte fórmula:

62

ou seja, na medida em que os militantes se envolvem com as atividades burocráticas do Estado, o tempo para desenvolver o trabalho orgânico vai diminuindo e vice-versa. E, em paralelo, há uma relação direta entre o Tempo de Trabalho Burocrático e a Acomodação do MST, diante das políticas do Governo Lula. Expressamos essa relação na seguinte fórmula:

Essa função demonstra que o maior acesso à cultura burocrática do Estado leva à diminuição da intensidade da luta do Movimento diante do Governo Lula. Percebemos que, a partir da burocratização do trabalho realizado pelo militante, o processo de Acomodação do MST na relação com o Governo Lula se dinamiza e se reproduz. Houve mudanças na própria lógica de trabalho do Movimento, conforme depoimento a seguir: "[...] muita gente do MST passou a assumir cargos nos ministérios, no governo, ou representações em que eles estavam lado a lado com pessoas do governo, e eles acabam cedendo em muitas coisas e aí mudaram até a lógica do trabalho deles" (ExMST3).

Reafirmamos que, nesta tese, o tempo de trabalho militante e seus dois

componentes (Trabalho Orgânico e Trabalho Burocrático) representam conceitos

fundamentais. Na totalidade do tempo de trabalho do militante, na medida em que o trabalho orgânico diminui, aumenta o Trabalho Burocrático, reciprocamente. Há, portanto, uma diminuição na intensidade (desvalorização) do trabalho orgânico (político) do MST, conforme enfocaremos no próximo item.

2.2.2.2.2 Desvalorização do trabalho político

Onde está a perda para os trabalhadores, quando o MST sofre mudanças na lógica de trabalho? Na perspectiva marxiana, quando o operário realiza um trabalho, na produção de mercadorias em uma empresa no sistema capitalista, uma parte de seu trabalho total é trabalho necessário e a outra parte é mais-valia, que é a grandeza da força de trabalho explorada. Examinando o nosso objeto de estudo, sob essa perspectiva marxiana, constatamos os seguintes fatos: o trabalhador militante deixou de fazer e/ou diminuiu a intensidade de sua luta política (o trabalho orgânico), o que enfraqueceu o trabalho militante do Movimento de enfrentamento ao Governo Lula; o militante ficou vulnerável à exploração do governo, que se expressava pela negação das políticas

estruturais e priorização das políticas de inclusão. Diante disso, reafirmamos que, durante a pesquisa empírica, constatamos a existência da exploração do trabalhador, que pode ser classificada como - a exploração do trabalho político -. Enfatizamos que a exploração do trabalhador ocorreu não pelo sobretrabalho, mas pela ausência e/ou diminuição do trabalho político, do tipo orgânico, que gerou a desvalorização política do MST na relação com o Governo Lula. O Trabalho Burocrático é a fonte fundamental da desvalorização política.

A desvalorização do trabalho político do MST é resultante da institucionalização e da burocratização do trabalho da militância, o que levou à Diminuição da Força Político-Organizativa63 do MST, por meio do enfraquecimento do trabalho de base e da Redução da Radicalidade da militância do Movimento.

Quanto maior for a desvalorização do trabalho político do MST (perda de trabalho político-orgânico) maior será sua vulnerabilidade à desmobilização pelo Governo Lula e pelo capital. Tal desvalorização política refletiu, negativamente, na luta por mudanças na estrutura fundiária no Brasil.