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3. A CATEGORIA TRABALHO

3.1 O trabalho

Com o intuito de traçar algumas considerações acerca da conceituação do trabalho, partimos da teoria marxiana, que concebe o trabalho como processo no qual participam homem e natureza, onde a ação do homem sobre a natureza resulta mudanças nele próprio. O trabalho, segundo Marx (1980: 202), “[...] é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a Natureza”, pressupondo que o trabalho pertence exclusivamente ao homem. Acrescenta ainda: “Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza”. (ibid, p.202). Esse processo visa transformar objetos naturais em valores de uso81, sendo o resultado final um produto social e não natural. Marx, em O Capital (1980), postula que:

O processo de trabalho [...] é atividade dirigida com o fim de criar valores-de- uso, de apropriar os elementos naturais às necessidades humanas; é condição necessária eterna do intercâmbio material entre o homem e a natureza; é condição natural eterna da vida humana, sem depender, portanto, de qualquer forma dessa vida, sendo antes comum a todas as suas formas sociais (p. 208)82.

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Segundo Lukács (2007: 04) “o valor de uso nada mais designa do que um produto que o homem pode usar apropriadamente para a reprodução da sua própria existência”.

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Vid. MARX, Karl. Capítulo V: Processo de Trabalho e Processo de Produzir Mais-valia. In: O Capital. V. l I, 5ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980, p. 201-223.

A partir desse pressuposto, Lukács (2007: 03) destaca o caráter ontológico-fundante do trabalho e sua centralidade social:

“Somente o trabalho tem, como sua essência ontológica, um claro caráter intermediário: ele é, essencialmente, uma inter-relação entre homem (sociedade) e natureza, tanto inorgânica (utensílio, matéria-prima, objeto do trabalho, etc.) como orgânica, inter-relação que pode até estar situada em pontos determinados da série a que nos referimos, mas antes de mais nada assinala a passagem, no homem que trabalha, do ser meramente biológico ao ser social. [...] No trabalho estão gravadas in nuce todas as determinações que, como veremos, constituem a essência de tudo que é novo no ser social. Desse modo, o trabalho pode ser considerado o fenômeno originário, o modelo do ser social”83.

Nessa perspectiva afirma Antunes (2005: 136) “O trabalho, portanto, pode ser visto como um fenômeno originário, como modelo, protoforma do ser social” (grifos do autor). O autor cita Lukács quanto à relevância da categoria trabalho, que concebe “enquanto fonte originária, primária de realização social, protoforma da atividade humana, fundamento ontológico básico da omnilateralidade humana” (ANTUNES, 1996: 99)84.

Desta forma, segundo Antunes (2005), Meszáros ressalta as mediações de primeira ordem, cujo objetivo principal é a preservação da reprodução individual e societal, as quais possuem as seguintes características principais:

1) os seres humanos são parte da natureza, devendo realizar suas necessidades elementares por meio do constante intercâmbio com a própria natureza.

2) eles são constituídos de tal modo que não podem sobreviver como indivíduos da espécie à qual pertencem [...] baseados em um intercâmbio sem mediações com a natureza (como fazem os animais), regulados por um comportamento instintivo determinado diretamente pela natureza, por mais complexo que esse comportamento instintivo possa ser (ibid, p.20).

Com base nessas determinações ontológicas, os seres humanos reproduzem sua existência através das funções primárias de mediações, que se estabelecem entre eles e no

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Segundo Lukács (2007: 03) “é mérito de Engels ter colocado o trabalho no centro da humanização do homem”. Vid LUKÁCS, Georg. 1885 - 1971. O Trabalho / In: Georg Lukács: Cap.I, V. II da Ontologia do Ser Social. [tradução Ivo Tonet]. Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. A ser publicado. Campinas, 2007. 84

Antunes ressalta que “Lukács não está se referindo ao trabalho assalariado, fetichizado e estranhado (labour), mas ao trabalho como criador de valores de uso, o trabalho na sua dimensão concreta, enquanto atividade virtual (work)” e citando as palavras de Marx “como necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio entre o homem e a natureza” (ibid, p. 99).

intercâmbio e na interação com a natureza, e que segundo Antunes (2005: 20), são “dadas pela ontologia singularmente humana do trabalho, pelo qual a autoprodução e reprodução societal se desenvolvem” (grifos do autor).

Cumpre recordar Marx e Engels (1998), em A ideologia alemã, admitem que o ser humano deu um passo a frente dos animais ao produzir seus meios de existência, produzindo sua própria vida material através do trabalho. A partir da existência real dos indivíduos, da maneira como trabalham e produzem materialmente, isto é, “do modo como atuam em bases, condições e limites materiais determinados e independentes de sua vontade” (ibid, p.18), nascem a estrutura social e o Estado, as idéias, as representações, a ideologia, a produção intelectual, que se expressa por meio da política, das leis, da religião, etc.

Vale ressaltar, entretanto, que a localização do trabalho como categoria central para o desenvolvimento da vida humana sobre a Terra, pode nos conduzir a uma concepção equivocada quanto à compreensão da própria categoria “trabalho”, ao fornecer-lhe uma natureza eterna e divina. Podendo o trabalho ser compreendido equivocadamente como uma abstração responsável pela construção da história, desconsiderando a ação humana. Nesse sentido, cumpre destacar que as categorias abstratas, isto é, o Estado, a política, as leis, o trabalho, as religiões, entre outras, ao invés de se constituírem somente “emanações da bondade Divina”, são resultados das relações sociais estabelecidas pelos seres humanos, conforme o seu modo de produção material.

Assim sendo, essas categorias abstratas, frutos das relações sociais, segundo as palavras de Marx (1966: 251), “tem, portanto, tão pouco de eternas quanto as relações a que servem de expressão. São produtos históricos e transitórios”. Do contrário, quando vistas separadas da ação humana, acabam tomando vida própria e sendo responsáveis pela história, substituindo os próprios seres humanos e conseqüentemente, tornando-se imortais e imutáveis. Neste prisma, Marx (1980) ressalta a idealização humana, isto é, a capacidade do ser humano imaginar, construir mentalmente “a priori” suas ações futuras e de antever os seus respectivos resultados. Para o autor, “o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transforma-la em realidade”. Assim “No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador” (ibid, p. 202).

O processo de trabalho, segundo Marx (ibidem), é composto por três elementos: o trabalho propriamente dito (ação humana), o objeto de trabalho (matéria prima) e os meios de trabalho (instrumentos, condições materiais necessárias).

Cumpre salientar, ainda, que o trabalho foi entendido na Antiguidade como atividade daqueles que haviam perdido a liberdade, cujo significado era confundido com sofrimento ou infortúnio. Segundo Menegasso (2000), ao executar o trabalho, o homem sofre ao vacilar sob um fardo, o qual pode ser invisível, isto é, o fardo social da falta de independência e liberdade. Segundo a autora, na tradição judaico-cristã, o trabalho também se associa a noção de punição, maldição, conforme o Antigo Testamento (punição do pecado original). A Bíblia apresenta o trabalho como uma necessidade que leva a fadiga e é resultado de uma maldição “Comerás o pão com o suor de teu rosto” (Gn. 3,19). A partir desse princípio bíblico decorre o sentido de obrigação, dever e responsabilidade. Para a autora, esse significado de sofrimento e punição perpassou a história da civilização, estando relacionada diretamente ao sentido do termo latino, o qual deu origem à palavra trabalho85.

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