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O Trabalho como categoria social da investigação: a dialética e a historicidade em questão

CONTINGÊNCIAS E HISTORICIDADES

4.1 O Trabalho como categoria social da investigação: a dialética e a historicidade em questão

O “trabalho” possui peculiaridades significativas por estar permeado pela trama histórica e dialética, tornando-o uma atividade exclusivamente humana, em razão de suas intencionalidades e condições materiais. É abordado o método dialético para buscar sentidos para as determinações da vida social.

O contexto de análise de Marx é a Europa do século XIX repleta de conflitos institucionais, sociais e, em decorrência, teóricos. Entre os momentos históricos que marcaram seus escritos estão as revoltas antimonárquicas de 1848 na Itália, na França, na Alemanha e na Áustria e, também, a Comuna de Paris (MARX, 2011). Em seu livro “A Guerra Civil na França”, Marx (2011) reforça a presença de um então “novo sujeito histórico” que é o trabalhador, que se organiza como classe na resistência ao poder dominante.

Com isso, desde sua vida até a contemporaneidade, os conhecimentos de Marx têm se disseminado, com destaque para a classe trabalhadora no contexto do capitalismo. O elemento fundante de sua teoria situou-se em um período determinado, porém os conhecimentos por ele produzidos têm sido constantemente divulgados nos âmbitos acadêmicos, políticos, sociais, culturais e educativos. Então, o conjunto de sua obra permanece relevante, pois conseguiu descrever e, até mesmo, antecipar a expansão do capitalismo, ainda no início da industrialização na Europa. Antecipou o cuidado com o trabalho, que, em suas argumentações, se tornaria a principal fonte de riqueza do capital, porém, na medida em que se expande o capital, degenera-se o trabalho.

Bensaïd (1999), em “Marx, O intempestivo”, analisa a pertinência do marxismo na contemporaneidade. Construiu sua trajetória no movimento socialista

europeu e vitalizou o aporte teórico de Marx em diversas obras. Segundo Bensaïd (1999, p.12): “Enquanto o capital continuar dominando as relações sociais, a teoria de Marx permanecerá atual, e sua novidade recomeçada constituirá o reverso e a negação de um fetichismo mercantil universal”. Seu valor é garantido porque não se define como uma doutrina fechada, e considera, em sua análise, as incertezas e necessidades que constituem as lutas de classes nos distintos momentos da história. Com esse feito, torna-se um marco para uma “nova representação da história, organização conceitual do tempo como relação social: ciclos e rotações, ritmos e crises, momentos e contratempos estratégicos” (BENSAÏD, 1999, p.13). A teoria avança por discutir o desenvolvimento da sociedade através do trabalho, não por normatizações, mas por acompanhar a dinâmica do social e como se encontram em seu interior os mais variados antagonismos.

O trabalho é um “processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza” (MARX, 2013, p.211). Sendo assim é ontológico, envolve forças naturais, apropria-se de forças da natureza, modificando a natureza externa e a sua própria. A relação do ser humano com a natureza, na sua organização a partir das próprias leis define o metabolismo social que aparece em diversos momentos do processo de produção do capital e retrata as diversas metamorfoses do trabalho decorrentes da interação do sujeito com a natureza.

O “metabolismo” aparece como sinônimo de “circulação”, caracterizando “a circulação social das coisas” (MARX, 2013, p.131). Essa referência relaciona-se ao meio de circulação das mercadorias e das suas consequentes metamorfoses. A mercadoria se encontra no cerne de “O Capital”, definida como “objeto externo que por suas propriedades, satisfaz a necessidade humana, diretamente como meio de subsistência, objeto de consumo, ou indiretamente, como meio de produção (p.51). A relação entre mercadoria, trabalho e natureza humana apoia-se no fato de que “o homem ao produzir, só pode atuar como a própria natureza, isto é, mudando as formas da matéria” (p.65). Essa definição de Marx (2013), presente no trecho de “O Capital” relacionado ao “Duplo caráter do trabalho materializado na mercadoria”, indica que a mercadoria42 compõe-se pela natureza e pelo trabalho. Por um lado, é o símbolo da reduzida materialização do trabalho na sociedade capitalista, que possui

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A mercadoria será sistematizada em uma seção posterior da investigação; porém cabe citá-la desde o início da elaboração teórica, pois permeia as questões referentes ao trabalho.

mecanismos de controle das ações coletivas de destinação dessas atividades; por outro, representa o caráter cooperativo e social do trabalho como alternativa do resgate essencial das necessidades humanas. Essas necessidades são extensivas à natureza, pois através dela a humanidade toma consciência de si.

O argumento de Konder (2012) sistematiza a transformação do trabalho como atividade humana em suas condições essenciais e requer unidade e coesão. Somente por meio desses elementos a produção histórica pode ser consciente. E, como reitera Konder (2012, p.77), sozinho o indivíduo possui forças limitadas para fazer história. Sendo “o indivíduo um ser social, é tão intrinsecamente social que somente ao longo da história em sociedade é que o homem depois de muitos séculos chegou a se individualizar”. Logo, supõe-se que a história é um dos principais elementos propulsores da construção do coletivo, que dialeticamente se organiza e se reconhece.

Esse conceito também estrutura os elementos componentes do processo do trabalho que Marx (2013) descreve como “1) a atividade adequada a um fim, isto é, o próprio trabalho; 2) a matéria a que se aplica o trabalho, o objeto de trabalho; 3) os meios de trabalho, o instrumental de trabalho” (p.212). As relações inseridas entre o trabalhador e o objeto de trabalho constituem o “meio de trabalho”. Quanto a esses meios, Marx (2013) comenta que “a distinção entre diferentes períodos econômicos não é o que se faz, mas como, com que meios o trabalho se faz” (p.214).

O trabalho caracteriza-se por ser condição “ineliminável” para a existência humana, uma vez que é por ele que os bens socialmente úteis são produzidos, e que ocorre a produção da historicidade (MARX, 2013). As referidas perspectivas ressignificam o trabalho material, que ultrapassa o campo da abstração, tornando-se possível a compreensão dos seus limites e as possibilidades proporcionadas pela emancipação proveniente do processo social e histórico.

Não é possível compreender o trabalho fora da sua totalidade que é a sociedade capitalista. Em “Trabalho e Dialética”, quando busca a relação entre Hegel e Marx, e suas possibilidades teóricas, Ranieri (2011, p.127) reforça que a concepção de Marx “parte da ideia de seres humanos que vivem e se formam socialmente”. A condição fundamental da categoria “trabalho” pressupõe que a vida humana não poderia se configurar como tal se “a própria humanidade não tivesse se apropriado de forças exteriores e internalizado os elementos necessários à consolidação dessas forças” (RANIERI, 2011, p.127). Então, o trabalho está imerso

em uma totalidade, compreendida como categoria dialética que é a sociedade, a qual, sendo materialista e histórica, é definida como uma sociedade de classes capitalista.

As lutas entre duas classes foram expressivamente debatidas em Marx e retornarão constantemente ao debate proposto neste estudo. No Manifesto do Partido Comunista43, há um resgate histórico do conceito, o qual exprime que as classes foram presença constante na história da humanidade, assumindo, na “moderna sociedade burguesa”44

do século XIX, novos contornos, com novas particularidades, condições de opressão e de luta. Bukharin45 (2014) também oferece aporte para a conceituação. “A Teoria do Materialismo Histórico”, ao reportar-se às classes e lutas de classes, identifica a classe social como:

[...] um conjunto de pessoas desempenhando um papel análogo na produção, tendo no processo de produção, relações idênticas com outras pessoas, sendo essas relações expressas também nas coisas (meios de trabalho). Daí decorre que, no processo de repartição dos produtos, cada classe é unida pela identidade de sua fonte de rendimentos, pois as relações de repartição dos produtos são determinadas pela relação de sua produção. (BUKHARIN, 2014, p.01).

Percebe-se que, a partir da “moderna sociedade burguesa”, acentuou-se a divisão resultante das relações de produção e, como declarado por Marx; Engels (2008), passou-se a cindir em duas grandes classes sociais que se enfrentam diretamente: burguesia46 e proletariado 47. Enquanto a burguesia submete a sociedade às condições do seu proveito, o proletariado, descrito no Manifesto Comunista, “só vive quando encontra trabalho e só encontra trabalho, se o seu trabalho aumenta o capital” (MARX; ENGELS, 2008, p. 54). E salientam que, apesar dos contrapontos do contexto capitalista, “o proletariado se sobressai como classe revolucionária” (p.58).

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No Prefácio da edição alemã da obra (1872), Marx comenta que o Manifesto publicado em 1848, foi organizado com a Liga dos Comunistas, uma associação operária internacional, composta por comunistas de diferentes nacionalidades.

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Cf autores.

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Sociólogo russo que expõe o materialismo histórico-dialético e as ciências sociais em uma perspectiva materialista.

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Durante a Idade Média, no Norte e Leste da Europa, estas designações aplicavam-se aos moradores de um espaço compreendido entre os muros do castelo e uma paliçada circundante. Eram geralmente mercadores. Mediante o pagamento de imposto e obrigações de participação na defesa, recebiam também proteção da cidade (MARX; ENGELS, 2008).

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No entanto, sobre o trabalho, conforme apresentado na obra a “A Dialética do Trabalho” de Antunes (2003, p.08), “a sociedade capitalista o transforma em trabalho assalariado, alienado, fetichizado”. A obra que apresenta o caráter essencial do trabalho também discute outras facetas, entre elas a transformação do trabalho em mercadoria, fenômeno que encaminha a sua estranheza. Conforme Antunes (2003, p.09), “por um lado, o trabalho é atividade central da história”. Porém, o capitalismo promoveu “uma transformação essencial, que alterou e tornou complexo o trabalho humano” (ANTUNES, 2003, p.09). Nesse enfoque, situa-se a “dialética do trabalho” com suas complexidades, ações e reações.

As Dialéticas do Feminino se integram neste capítulo pelas articulações que surgem entre a referida categoria, o trabalho como centralidade da obra marxiana e as políticas educacionais. A condição feminina possui particularidades que necessitam de reflexão nos debates sobre trabalho e educação. A compreensão do trabalho das mulheres está atrelada às concepções sociais nas quais perpassam a dupla relação classe e gênero. Segundo Souza-Lobo (1991) a relação de exploração homogeneíza os trabalhadores e se torna significativamente excludente ao se associar às relações de produção capitalista. A interpretação pragmática da dupla inserção da mulher na sociedade, sem considerar sua existência social, aumenta as desigualdades, torna o trabalho estranho às mulheres que mesmo nas lutas, têm dificuldade em perceber os avanços das especificidades da condição feminina.

A dialética materialista de Marx permite “a articulação sintética como sendo aquele momento do aparecer do concreto” (RANIERI, 2011, p.153). É uma transposição do pensamento que transita do abstrato para o concreto, e expõe um processo que se caracteriza pela produção do real. É, portanto, “a manifestação da razão que se realiza sob a força da efetividade material” (RANIERI, 2011, p.153). Assim, constitui-se o trabalho como uma materialização do pensamento, uma produção concreta do real, que, por meio de um processo histórico e social, ressignifica a humanidade, a qual manifesta suas intencionalidades e constrói sua historicidade. Marx, ao descrever a organização econômica da sociedade capitalista e salientar o potencial da classe trabalhadora, o proletariado, destaca o potencial revolucionário dos trabalhadores.

4.2 As políticas educacionais e o trabal ho das professoras de