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Diretores/Período no cargo de 1974 a

3 DO TRABALHO AO TRABALHO PEDAGÓGICO: PRODUÇÃO DE SENTIDOS A PARTIR DAS RELAÇÕES SOCIAIS NA SOCIEDADE CAPITALISTA

3.1 O TRABALHO: CONDIÇÃO DE AUTOPRODUÇÃO HUMANA E PRODUTOR DE RELAÇÕES SOCIAIS

Na concepção de Karl Marx (1818-1893), o trabalho é a condição natural da existência humana. É a partir dele que o ser humano apropria-se da natureza e a modifica, a fim de criar e de satisfazer suas necessidades de sobrevivência. O trabalho constitui-se em um processo que envolve ser humano e natureza e através do qual o sujeito humano transforma a natureza e se transforma a si mesmo. Marx dedicou-se em sua obra e, em especial, em O Capital (Livro I, Vol. I), a demonstrar que o trabalho não pode ser eliminado da sociedade, pois é uma dimensão essencial do ser humano e argumenta que

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O trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo – braços, penas, cabeça e mãos -, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza (MARX, 2013, p. 211).

Os seres humanos, ao trabalharem, ao fazerem uso de instrumentos e fazerem uso de si mesmos, através da força de trabalho, estabelecem mediações entre a sociedade e a natureza, ou seja, estabelecem relações entre a sociedade e natureza. Essas “relações sociais passam pela posse dos instrumentos, por hierarquias sociais” (HUNGARO, 2014, p. 56).

O trabalho é essencial à existência do ser humano, é atividade natural, que garante a vida humana. No processo de trabalho humano, há uma necessidade que precisa ser satisfeita e, para isso, anteriormente, elabora-se um projeto, que sustentará a atenção e dará direção e foco à atividade do trabalhador. Frigotto (2005, p. 63) contribui com essa discussão, ao defender que “o trabalho humano, enquanto atividade consciente, não é de caráter casual, mas teleológico, produzido nas relações de força e de poder entre os seres humanos. Engendra, por isso, opção, escolha e liberdade”. Essas escolhas realizadas pelo ser humano não são, porém, isoladas, mas são histórica e socialmente construídas. O mundo do trabalho está ligado às necessidades humanas. Isso significa que “a centralidade do trabalho tem uma dimensão ontológica, fundamental, criadora de vida, de cultura, conhecimento, e uma dimensão histórica em tensão permanente na vida social” (CIAVATTA, 2005, p. 121). É através do trabalho que o ser humano diferencia-se dos demais animais. De acordo com Marx (2007, p. 87), os indivíduos “começam a se distinguir dos animais tão logo começam a produzir seus meios de vida. Ao produzir seus meios de vida, os homens produzem, indiretamente, sua própria vida material. O que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção”. Nos humanizamos e somos como somos a partir do trabalho, a partir da produção dos meios de vida, da relação entre ser humano e natureza e da relação entre os seres humanos.

No entanto, quando o produto do trabalho humano é apropriado por outro ser humano, o trabalho deixa de ser atividade vital e começa a trazer sofrimento ao trabalhador. Sobre esse processo, Karl Marx, nos Manuscritos econômico-filosóficos

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de 184426, ao analisar o trabalho a partir dos pressupostos da economia nacional,

argumenta que

Enquanto a divisão do trabalho eleva a força produtiva do trabalho, a riqueza e o aprimoramento da sociedade, ela empobrece o trabalhador até a condição de máquina. Enquanto o trabalho suscita o acúmulo de capitais e, com isso, o progressivo bem-estar da sociedade, a divisão do trabalho mantem o trabalhador sempre mais dependente do capitalista, leva-o a maior concorrência, impele-o à caça da sobreprodução, que é seguida por uma correspondente queda de intensidade (MARX, 2004, p. 29).

Entendo que a divisão do trabalho e a propriedade privada criaram um estranhamento entre o trabalhador e o trabalho, pois o produto do trabalho não pertence mais ao trabalhador e sim ao proprietário dos meios de produção. Essas questões vão transformando o trabalho essencialmente humano em trabalho alienado, distanciado do trabalhador, pois o ser humano não se reconhece em sua própria atividade. Nesse processo, há uma relação entre riqueza e pobreza, mundo das coisas e mundo dos homens, como propõe Marx (2004)

O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadoria cria. Com a valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. O trabalho não produz somente mercadoria; ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na medida em que produz, de fato, mercadorias em geral (MARX, 2004, p. 80).

Na sociedade capitalista, o trabalhador se torna assalariado e a sua força de trabalho passa à condição de mercadoria. Para Marx, “o salário é determinado mediante o confronto hostil entre capitalista e trabalhador. A necessidade da vitória do capitalismo” (MARX, 2004, p. 23). Ele ainda retoma a discussão do salário, reforçando a relação entre salário e propriedade privada, ao defender que “salário é uma consequência imediata do trabalho estranhado, e o trabalho estranhado é a causa imediata da propriedade privada. Consequentemente, com um dos lados tem também de cair o outro” (MARX, 2004, p. 88). A partir dessa análise, ressalta-se que a oferta de trabalhadores regula a procura e o seu salário, transformando a força de

26A partir desta obra, Karl Marx iniciava a construção de sua crítica ao capitalismo e refletia sobre a

alienação como um processo econômico e como um produto de uma construção de sociedade. Estes manuscritos foram publicados apenas em 1932 (quase cinquenta anos após a morte de Marx) e significaram uma revolução nos estudos de sua obra.

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trabalho, desse modo, em mera mercadoria. Quanto mais trabalhadores disponíveis, menor seu salário e maior a miserabilidade do trabalhador e maior riqueza para o capitalista.

Além disso, essa situação faz com que os trabalhadores se submetam às exigências do capitalista, para não passarem fome. Nesse contexto, as leis do mercado capitalista destroem, pelo dinheiro, os valores humanos. Tudo vira mercadoria, todas as coisas podem ser compradas ou vendidas por um determinado preço, inclusive o trabalhador e sua força de trabalho. O trabalhador não se satisfaz no trabalho, pois ele traz privações e é apenas um meio para satisfazer a necessidade de manutenção da existência física. Através do trabalho, o ser humano produz riquezas para o capitalista, mas infelicidade e sofrimento para si. Marx (1985) considera que

Dia após dia, torna-se assim mais claro que as relações de produção nas quais a burguesia se move não tem um caráter uno, simples, mas um caráter dúplice; que, nas mesmas relações em que se produz a riqueza também se produz a miséria; que nas relações em que há desenvolvimento das forças produtivas, há uma força produtora de repressão; que essas relações só produzem a riqueza burguesa, ou seja: a riqueza da classe burguesa, destruindo continuamente a riqueza dos membros integrantes dessa classe e produzindo um proletariado sempre crescente (MARX, 1985, p. 139). Nos estudos realizados e defendidos por Karl Marx, essa situação apenas será transformada com o fim da propriedade privada dos meios de produção. No entanto, essa concepção burguesa de trabalho ainda é a concepção dominante na sociedade contemporânea orientada pelo capital.

Frigotto (2012) defende que a predominância dessa concepção produz nos seres humanos uma “representação de trabalho que se iguala à ocupação, emprego, função, tarefa, dentro de um mercado (de trabalho)” (FRIGOTTO, 2012, p. 21). Essa concepção inculca nos trabalhadores valores e objetivos próprios da burguesia, tornando esses valores senso comum, naturalizados como se fossem oriundos da classe trabalhadora. Não há, na maioria das vezes, um posicionamento reflexivo e crítico dos trabalhadores em relação a essa concepção burguesa. Nesse contexto, Frigotto ressalta que se perde a compreensão, por um lado, de que o trabalho é

[...] uma relação social e que esta relação, na sociedade capitalista, é uma relação de força, de poder e de violência; e, de outro, de que o trabalho é a relação social fundamental que define o modo humano de existência, e que, enquanto tal, não se reduz à atividade de produção material para responder à reprodução físico-biológica (mundo da necessidade), mas envolve as

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dimensões sociais, estéticas, culturais, artísticas e de lazer etc. (mundo da liberdade)” (FRIGOTTO, 2012, p. 21).

Com isso, o capitalismo procura excluir da vida dos trabalhadores o mundo da liberdade e as demais dimensões dos seres humanos, construindo uma concepção moralizante, prática27e utilitarista de trabalho. Este possui, para a economia burguesa,

apenas uma dimensão econômica, pois, nesse contexto, trabalhar é produzir mercadorias. Não se reconhece, assim, o trabalho como o modo de ser das pessoas no mundo, que envolve as questões sociais, políticas, culturais, artísticas e que constitui a subjetividade dos seres humanos.

Além disso, os produtos de seu próprio trabalho são vistos como algo estranho, o seu trabalho é considerado externo, o que gera sofrimento no trabalhador. Vásquez (2007, p. 123), ao ressaltar a práxis produtiva como trabalho alienado, destaca que “a atividade produtiva produz um mundo de objetos nos quais o homem não se reconhece e que, inclusive, se voltam contra ele. Nesse sentido, é alienante”. O autor destaca ainda que a alienação acontece na relação sujeito e objeto, mas também na relação entre operário e outros seres humanos. O trabalho produz, além de “objetos nos quais o homem não se reconhece, um tipo peculiar de relações entre os homens, em que estes se situam hostilmente em virtude de sua oposição no processo de produção” (VÁSQUEZ, 2007, p. 123). A produção cria objetos, mas cria também relações humanas, sociais, que possuem um caráter alienante.