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3. INSTITUTOS FEDERAIS: TRABALHO DOCENTE NA VERTICALIZAÇÃO

3.3 Trabalho docente

Na produção da sua existência, o homem busca antes de tudo a sua sobrevivência material, assim a produção de bens materiais se torna cada vez mais elaborada. Essa produção, na qual o homem planejou antecipadamente representando mentalmente os objetivos reais da sua atividade é considerada trabalho material. A “representação inclui o aspecto de conhecimento das propriedades do mundo real (ciência), de valorização (ética) e de simbolização (arte).” (SAVIANI, 1984, p. 1). A produção de conhecimentos, ideias, conceitos, valores, símbolos, atitudes, habilidades são consideradas trabalho não material. Mas o trabalho não material se divide em duas modalidades. Quando o produto se separa do produtor, no caso de um objeto artístico ou livro existe um intervalo entre produção e consumo. Na segunda modalidade o produto não se separa do ato de produção, não existe o intervalho entre o ato de consumir e produzir, pois eles estão imbricados, como é o caso da educação.

Sobre a produção imaterial Marx explica que

A produção imaterial, mesmo quando se dedica apenas à troca, isto é, produz mercadorias, pode ser de duas espécies:

1 Resulta em mercadorias, valores de uso, que possuem uma forma autônoma, distinta dos produtores e consumidores, quer dizer, podem existir e circular no intervalo entre produção e consumo como mercadorias vendáveis, tais como livros, quadros, em suma, todos os produtos artísticos que se distinguem do desempenho do artista executante. A produção capitalista aí só é aplicável de maneira muito restrita [...]

2. A produção é inseparável do ato de produzir, como sucede com todos os artistas executantes, oradores, atores, professores, médicos, padres etc. Também aí o modo de produção capitalista só se verifica em extensão reduzida e, em virtude da natureza dessa atividade, só pode estender-se a algumas esferas. (MARX, 1987, p.405)

A educação, enquanto prestação de um serviço está assim localizada na forma da produção não material, não separando o produto do seu processo de sua produção, como acontece, por exemplo, em uma sala de aula. Essa é uma característica própria do trabalho docente. Os professores de instituições públicas – objeto desta pesquisa – são trabalhadores assalariados, vendem sua força de trabalho para uma instituição educacional estatal – são, portanto, classe que vive do trabalho - prestadores de um serviço, que é a educação pública, dessa forma, realizam trabalho improdutivo e não material.

A ação primordial de um professor, o que caracteriza seu trabalho precípuo é ensinar algo a alguém (ROLDÃO, 2007) e tendo o ensino na base do seu trabalho, o professor que atua no serviço público “vende sua força de trabalho para uma instituição, que passa a determinar seu trabalho em todas as dimensões, retribuindo-o por meio de um salário; nessa situação, o trabalho tende a ser controlado, intensificado, precarizado e, portanto, mais explorado [...]” (KUENZER; CALDAS, 2009, p. 25). Mesmo no serviço público estatal os professores são submetidos a uma lógica de mercado na gestão empresarial da educação, dessa forma, o seu trabalho ainda assim pode ser superexplorado. A autonomia do trabalho docente, nesse contexto, é limitada pelas próprias condições de trabalho, na qual

Então caímos em situação análoga àquela que Marx se refere sobre a dupla liberdade do trabalhador: o professor possui uma dupla autonomia, que se expressa, por um lado, pela autonomia de exercer sua criatividade sem tempo para o planejamento, dada a intensificação de sua jornada, e por outro lado, a autonomia de planejar aulas com sua baixa qualificação, de fato. (MIRANDA, 2006, p. 43).

O fato de o trabalho docente ser não material significa que há mais espaço para a resistência e autonomia do trabalhador. O trabalho docente vive uma contradição entre as condições de sua realização e o prazer e o compromisso com um quadro de políticas públicas onde há redução de investimentos em educação e aumento das exigências sobre o papel da escola. Em todo tipo de trabalho há o dispêndio de “[...] energias físicas, intelectuais e afetivas” (DAL ROSSO, 2014, p. 80), e sendo trabalhadores não materiais existe uma carga extra de sofrimento psíquico ao qual estão submetidos.

Assim, a dialética prazer-sofrimento é um elemento presente no trabalho docente. Conforme Mendes (et. alii, 2006) as fontes de prazer no trabalho docente geralmente estão contidas no processo de amadurecimento do aluno, quando o professor percebe o sucesso de seus discentes anos depois ao saber que parte dessa contribuição foi dele, professor. Ainda de acordo com os autores, as fontes de sofrimento são inúmeras, passando desde o não reconhecimento da profissão, atreladas à instituição e ao processo de gestão burocrática na forma de falta de recursos, lentidão no processo burocrático, obrigações impostas pela escola, incômodos causados no processo de trabalho, incompatibilidade entre a estrutura da instituição e a capacitação dos professores.

Essas questões nos remetem às condições de trabalho, que são entendidas como meios para ocorrer o trabalho de maneira satisfatória. Podemos considerar “[...] meios de trabalho em sentido lato todas as condições materiais seja como for necessárias à realização do processo de trabalho. Elas não participam diretamente do processo, mas este fica sem elas total ou parcialmente impossibilitado de concretizar-se” (MARX, 1989, p. 205). Assim, conforme indicaram as pesquisas analisadas, nem todos os campi dos IFs oferecem aos professores condições materiais de trabalho para cumprir com as determinações que lhes são exigidas. Considerando as condições de trabalho dos professores no Instituto Federal, a verticalização poderia unir o melhor de dois mundos – da Educação Básica e Superior – mas ao mesmo tempo impõe excesso de funções e tarefas aos seus docentes, levando a intensificação desse trabalho.

A intensificação do trabalho “representa uma das formas tangíveis pelas quais os privilégios de trabalho dos trabalhadores educacionais são degradados.” (KUENZER; CALDAS, 2009, p. 35) e as implicações para o trabalho docente são muitas com cada vez mais sobrecarga de atividades para cumprir. A condição de intensificação do trabalho se traduz em mais esforço físico, intelectual e emocional com a finalidade de produzir mais resultados, consideradas constantes a jornada, a força de trabalho e as condições técnicas. O trabalho é intensificado por meio do alongamento das jornadas; ritmo e velocidade; acúmulo de atividades; polivalência, versatilidade e flexibilidade; e, gestão por resultados (DAL ROSSO, 2008).

Codo (1999) chama de carga mental do trabalho a ampliação do tempo de trabalho e a diversificação de tarefas, além da fragmentação do trabalho, preponderante em profissionais que trabalham em mais de um nível de ensino, como é o caso dos IFs verticalizados, o que pressupõe maior esforço de adaptação entre ambientes diferentes e preparação de atividades distintas, podendo gerar exaustão.

Nos IFs é possível perceber características da intensificação do trabalho docente por meio dos cinco meios citados por Dal Rosso e a partir das pesquisas previamente analisadas no estado do conhecimento, a saber: o alongamento das jornadas de trabalho pode ser percebido nas atividades que os professores levam para casa, atitude bastante comum no meio docente como planejamento de aulas, preenchimento de diários e correção de provas. O acúmulo de atividades é constatado no desenvolvimento das atividades de ensino, da pesquisa e da extensão no nível básico e superior, além daqueles docentes que assumem cargos de gestão em seus campi. A polivalência pode ser verificada no que denominamos como polivalência por nível de ensino, ou seja,

professores que assumem o ensino na verticalização dos Institutos Federais, atendendo a uma diversidade de níveis e modalidades que vão do Ensino Médio Integrado ao Ensino Médio Concomitante, cursos FIC, cursos de nível superior tanto na licenciatura, bacharelado quanto tecnólogo, cursos de educação a distância, cursos de pós-graduação, programas como Proeja, entre outras atividades. A versatilidade e a flexibilidade podem ser observadas na trabalho em diferentes cursos e áreas de atuação de um IF, independente da formação ou experiência profissional daqueles docentes. A gestão por resultados vem das cobranças de resultados padronizados para todos os IFs por meio da sua lei de criação, que estabelece os percentuais mínimos que devem ser cumpridos para atingir os objetivos, além das demandas de órgãos de controle e de cada Plano de Desenvolvimento Institucional24 dependendo do estágio de implantação em que o IF se encontra.

O discurso oficial, feito por aqueles que pensam a política, enxerga o professor que irá trabalhar no contexto da verticalização da seguinte forma:

Ora, é evidente que esse modelo curricular exige mudanças no perfil do profissional docente inserido na Rede, pois lidar com o conhecimento de forma integrada e verticalizada exige a superação do “modelo hegemônico disciplinar” e a construção do perfil de um profissional docente capaz de “desenvolver um trabalho reflexivo e criativo e promover transposições didáticas contextualizadas que permitam a construção da autonomia dos educandos” (BRASIL, 2008b, p. 28) (PACHECO; PEREIRA; SOBRINHO, 2010, p. 81).

Parafraseando Cruz e Neto (2012), a retórica eloquente do discurso oficial descreve os predicados da verticalização e responsabiliza o professor dos IFs para que ele seja criativo o suficiente para dar conta de múltiplos currículos desde a educação básica ao ensino superior em uma instituição que se equipara, em alguns aspectos, a uma universidade e, em outros, a uma escola de educação básica, técnica e tecnológica. Mas quais as condições concretas de trabalho nas quais se realizam essa verticalização ou essa docência polivalente? Qual a distância entre a verticalização ideal e a real?

24Trata-se de um documento exigido pelo MEC para o reconhecimento dos cursos superiores que uma

instituição oferta. Também é encarado, no caso do IFB, como uma peça de planejamento institucional e que envolve também os demais cursos da educação básica.