• Nenhum resultado encontrado

O trabalho escravo no Anteprojeto de reforma ao Código Penal e no Projeto de Lei n.º 236 do Senado Federal

2. A tutela penal da liberdade, o trabalho escravo no Brasil: considerações a partir do princípio da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana.

2.3 O trabalho escravo no Anteprojeto de reforma ao Código Penal e no Projeto de Lei n.º 236 do Senado Federal

O Código Penal Brasileiro atualmente em vigor foi promulgado no ano de 1940 e em que pese tenha sofrido reforma significativa em sua Parte Geral no ano de 1984 e varias outras modificações pontuais posteriormente, mostra-se totalmente inadequado as demandas decorrentes do contexto contemporâneo. Deste modo, com o objetivo de produzir um novo Código Penal foi constituída comissão de juristas que ficou responsável pela produção de um texto, sob a forma de anteprojeto de lei, visando a atualização da legislação penal.

O anteprojeto foi trabalhado por uma comissão de juristas durante sete meses, tendo sido entregue ao presidente do Senado no dia 27 de junho de 2012, e está tramitando sob a denominação de PLS 236/2012. A comissão foi presidida por Gilson Dipp, ministro do Superior Tribunal de Justiça, e relatada por Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, procurador regional da república. A proposta de reforma inclui temas controversos, como o aumento da lista de crimes considerados hediondos, facilidade em comprovar a embriaguez ao volante, ampliação das possibilidades de aborto, descriminalização do uso de drogas e questões sobre os crimes

cibernéticos. Grifo nosso

(https://pt.wikipedia.org/wiki/Novo_C%C3%B3digo_Penal_Brasileiro).

Entrementes, a proteção contra o trabalho escravo se iniciou antes mesmo do anteprojeto de reforma ao Código Penal, a partir do ano de 1957, quando o Estado brasileiro ratificou a Convenção nº 29, sobre Trabalho Forçado ou Obrigatório, e a Convenção 105, sobre a Abolição do Trabalho Forçado, no ano de 1965.

Na mesma toada, com o passar dos anos, houve a criação de planos nacionais, o primeiro deles no ano de 2003, com apresentação de medidas a serem cumpridas por diversos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, com o fim da erradicação do trabalho escravo.

Nesse sentido, no final do ano de 2003 foi aprovada a Lei nº 10.803, que alterou o artigo 149 do Código Penal, o qual dispõe sobre o crime de redução a condição análoga à escravidão. A partir daí, houve a criação do Segundo Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, isto no ano de 2009, versando sobre o trabalho forçado no mundo.

Ainda, várias medidas foram criadas ao longo dos anos, com o fim de conter a exploração do trabalhador, e até mesmo extinguir a prática deste crime, considerado por muitos, de gravidade absurda.

No que tange ao projeto de novo Código Penal, a partir das necessidades antes mencionadas, diversas mudanças estão sendo propostas, com especial atenção a tipificação dos crimes hediondos, cujo rol será ampliado.

O projeto amplia o rol dos crimes hediondos. Os novos crimes hediondos seriam tortura, trabalho escravo, racismo, crimes contra a humanidade e terrorismo. A proposta de tornar a corrupção política crime hediondo não foi aprovada. Conforme o advogado Raul Livino, isso demonstra uma coerência, já que, com o Código Penal de 1940, homicídio qualificado é um crime hediondo, enquanto que terrorismo e crime contra a humanidade não eram considerados crimes hediondos. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Novo_Código_Penal_Brasileiro)

Entrementes, as mudanças iniciam com o aumento de penas para pessoas que utilizarem menores para a prática de delitos, isto nas disposições do artigo 34 do Código Penal Brasileiro

No entanto, o agente que utiliza (ou coage, instiga, induz, determina) o menor de dezoito anos (criança ou adolescente) para a prática de qualquer crime, estará sujeito à pena prevista para este delito (pena base) aumentada de ½ (metade) a 2/3 (dois terços). Por exemplo, em uma sentença de nove anos de prisão, poderá ser imposto ao condenado mais seis anos (parágrafo único, art. 34). (PRUDENTE, 2013, <http://neemiasprudente.jusbrasil.com.br/artigos/121942830/principais- mudancas-e-polemicas-projeto-de-novo-codigo-penal-pls-236-2012>).

No que diz respeito aos índios, o projeto, em seu artigo 36 busca a proteção destes, quando acusados de crime:

Assim, permite-se a isenção da pena (erro justificável) ou a sua redução (erro injustificável) quando o acusado, devido aos referidos costumas, crenças e tradições, não compreende que determinado comportamento é proibido (art. 36). O projeto propõe ainda que o índio, se condenado, responda em regime semiaberto ou mais favorável, e próximo à terra onde vive (§ 2º, art. 36). O projeto também respeita as formas de punição da própria comunidade indígena quando os crimes forem cometidos dentro da aldeia, mas desde que isso não entre em conflito com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos e com o sistema jurídico nacional (§ 3º,

art. 36). (PRUDENTE, 2013,

<http://neemiasprudente.jusbrasil.com.br/artigos/121942830/principais- mudancas-e-polemicas-projeto-de-novo-codigo-penal-pls-236-2012>).

Outrossim, acerca da responsabilidade penal da pessoa jurídica:

Pela proposta, as pessoas jurídicas de direito privado serão responsabilizadas penalmente pelos atos praticados contra a administração pública, a ordem econômica, o sistema financeiro, bem como pelas condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente. A responsabilização poderá ser proposta nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou ainda de seu órgão colegiado, quando a finalidade é a busca de interesse ou benefício para a entidade (art. 41). (PRUDENTE, 2013, <http://neemiasprudente.jusbrasil.com.br/artigos/121942830/principais- mudancas-e-polemicas-projeto-de-novo-codigo-penal-pls-236-2012>).

Ainda, quanto ao sistema progressivo, mediante artigo 47 do projeto, as alterações foram em relação aos percentuais de permanência em cada regime.

No que se refere aos crimes hediondos, é feita uma ampliação de acordo com o projeto:

O projeto amplia o número de crimes que são considerados hediondos. Inclui-se na lista de crimes hediondos a redução à condição análoga à de escravo, a tortura, o terrorismo, o financiamento ao tráfico de drogas, o racismo, o tráfico de pessoas e os crimes contra a humanidade (definidos, segundo o art. 458, como “praticados no contexto de ataque sistemático dirigido contra a população civil, num ambiente de hostilidade ou de conflito generalizado, que corresponda a uma política de Estado ou de uma organização”) (art. 56). (PRUDENTE, 2013, <http://neemiasprudente.jusbrasil.com.br/artigos/121942830/principais- mudancas-e-polemicas-projeto-de-novo-codigo-penal-pls-236-2012>).

Nesse sentido, quanto aos limites das penas, de acordo com Prudente, 2013, “nos casos em que condenados beneficiados pelo teto de 30 anos voltem a cometer crimes, a nova pena será somada a anterior, respeitando o limite de 40 anos para cumprimento (art. 91)”.

Deste modo, também houve uma inovação no projeto, com a inclusão da barganha, uma espécie de transação penal durante o processo, o que está disposto em seu artigo 105.

Ainda, houve a inclusão de um novo tipo penal, o crime de tráfico de pessoas, o qual foi incluído mediante o artigo 469:

O projeto traz um novo tipo penal que é o tráfico de pessoas, nacional ou internacional, para a exploração sexual, para o trabalho forçado ou qualquer trabalho em condições análogas à de escravo e para remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo da pessoa traficada (comercio de órgãos). A pena vai de quatro a doze anos de prisão (art. 469). (PRUDENTE, 2013, <http://neemiasprudente.jusbrasil.com.br/artigos/121942830/principais- mudancas-e-polemicas-projeto-de-novo-codigo-penal-pls-236-2012>).

Assim, também consta como mudança ou inclusão os seguintes crimes:

Imputado colaborador; Eutanásia e Ortotanásia; Aborto; Constrangimento ilegal; Perseguição obsessiva ou insidiosa; Intimidação vexatória; Furto; Roubo; Extorsão mediante sequestro; Dano, apropriação indébita e receptação; Corrupção entre particulares; Estelionato; Violação de direito

autoral; Estupro, molestamento sexual e manipulação e introdução sexual de objetos; Condução de veículo sobre a influência de álcool; Crimes cibernéticos; Drogas para uso pessoal; Terrorismo; Associação criminosa, organização criminosa e miliciana; Perturbação do sossego e jogos de azar e do bicho; Corrupção ativa e passiva; Enriquecimento ilícito; Servidor público; Crimes eleitorais; Crimes contra a ordem tributária e a previdência social; Abandono e maus-tratos de animal; Tortura; Racismo e dos crimes resultantes de preconceito e discriminação; Crimes contra os índios; Crimes contra crianças e adolescentes; (PRUDENTE, 2013, <http://neemiasprudente.jusbrasil.com.br/artigos/121942830/principais- mudancas-e-polemicas-projeto-de-novo-codigo-penal-pls-236-2012>).

Nesse contexto, se faz necessário analisar o crime de redução a condição análoga a escravidão frente ao projeto do novo código penal em seu artigo 56, IX, o qual classifica-se como crime hediondo.

Art. 56. São considerados hediondos os seguintes crimes, consumados ou tentados:

I – homicídio qualificado, salvo quando também privilegiado; II – latrocínio;

III – extorsão qualificada pela morte; IV – extorsão mediante sequestro; V – estupro e estupro de vulnerável; VII – epidemia com resultado morte;

VIII – falsificação de medicamentos e produtos afins;

IX – redução à condição análoga à de escravo;

X – tortura; XI – terrorismo;

XII – tráfico de drogas, salvo se o agente for primário, de bons antecedentes, e não se dedicar a atividades criminosas, nem integrar associação ou organização criminosa de qualquer tipo;

XIII – financiamento ao tráfico de drogas; XIV – racismo;

XV – tráfico de pessoas;

XVI – contra a humanidade.

§ 1º A pena por crime hediondo será cumprida inicialmente em regime fechado.

§ 2º Os crimes hediondos são insuscetíveis de fiança, anistia e graça. (grifo nosso). (Projeto de Lei do Senado nº 236 de 2012, Senado Federal).

A partir do disposto no artigo 56 do projeto, também podemos perceber a inclusão do tráfico de pessoas como crime hediondo, dois crimes antes vistos com menos importância e com penas mais brandas.

Bremer (2009, p. 37) critica a penalização atual do crime de redução a condição análoga à escravidão afirmando que o mesmo deveria “ser inscrito no rol dos crimes hediondos, previsto na Lei 8.072/90. A gravidade da conduta é patente, da mesma forma que o bem tutelado é da essência do ser humano.”

Ainda, Bremer (2009, p. 37), acrescenta dizendo que “deveria, então, existir pena mais severa, capaz de inibir a conduta de possíveis agentes, da mesma forma que deveria haver aplicação cumulativa de multa no total da vantagem obtida pelo trabalho realizado de forma ilegal, a ser apurado pela contadoria judicial.”

Este é o sentido da adequação proposta uma vez que de acordo com o projeto a penalização do crime de redução a condição análoga à escravidão ficará assim disposta:

Art. 150. Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando- o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

Pena – prisão, de quatro a oito anos, além da pena correspondente à violência e ao tráfico de pessoas.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:

I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; ou

III – obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento ou as fornecidas por pessoa determinada, para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida. (Projeto de Lei do Senado nº 236 de 2012, Senado Federal).

Nesse contexto, apenas pelo fato de o crime ter sido classificado como hediondo, já trouxe mais dignidade ao ser humano, pois desse modo se forma uma ideia de reconhecimento e proteção aos direitos da sociedade em geral.

2.4 A dignidade da pessoa humana, o direito de liberdade e o trabalho escravo: