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3 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ESCOLAR: REFLETIR

3.2 TRABALHO INDUSTRIAL X TRABALHO DOCENTE: COMPARAR

Tardif (2014) referenda que o trabalho humano é um processo constituído de muitos componentes. Neste sentido, o autor compara a natureza do trabalho dos professores com o trabalho industrial, distinguindo os fins e o objeto do trabalho, incluindo as relações do trabalhador com o objeto do seu trabalho e de seus resultados, como podemos observar no quadro abaixo:

Quadro 2 – Comparação entre o trabalho industrial e o trabalho docente no que diz respeito aos objetivos, ao objeto e ao produto do trabalho.

Características Trabalho na indústria com objetos materiais

Trabalho na escola com seres humanos Objetivos do trabalho  Precisos  Operatórios e delimitados  Coerentes  A curto prazo  Ambíguos  Gerais e ambiciosos  Heterogêneos  A longo prazo Natureza do objeto do trabalho  Material  Seriado  Homogêneo  Passivo  Determinado

 Simples (pode ser analisado e reduzido aos seus componentes funcionais)

 Humano

 Individual e social  Heterogêneo

 Ativo e capaz de oferecer resistência

 Comporta uma parcela de indeterminação e

autodeterminação (liberdade)  Complexo (não pode ser

analisado nem reduzido aos seus componentes funcionais) Natureza e componentes típicos da relação do trabalhador com o objeto

 Relação técnica com o objeto: manipulação, controle, produção  O trabalhador controla diretamente

o objeto

 O trabalhador controla totalmente o objeto

 Relação multidimensional com o objeto: profissional, pessoal, intersubjetiva, jurídica, emocional, normativa, etc.

 O trabalhador precisa da colaboração do objeto  O trabalhador nunca pode

controlar totalmente o objeto.

Produto do trabalho

 O produto do trabalho é material e pode, assim, ser observado, medido, avaliado

 O consumo do produto do trabalho é totalmente separável da

atividade do trabalhador  Independente do trabalhador

 O produto do trabalho é intangível e imaterial; pode dificilmente ser observado, medido

 O consumo do produto do trabalho pode dificilmente ser separado da atividade do trabalhador e do espaço de trabalho

 Dependente do trabalhador Fonte: TARDIF, 2014 (p.124-125).

Tendo em vista essas configurações, o autor aborda que o trabalho docente, diferentemente do trabalho industrial, depende da colaboração do seu objeto de trabalho, além de ter interferências externas, imprevisíveis e que independem de sua vontade para serem controladas, evidenciando as especificidades do trabalho docente.

Uma das principais características do trabalho do professor, segundo Tardif (2014), é que os objetivos do ensino exigem a ação coletiva de muitos professores e sua ação se dá sobre uma grande massa de alunos, durante muitos anos; no entanto, seus resultados são incertos e remotos e na grande maioria das vezes o professor não verá seus objetivos atingidos totalmente, tampouco terá como avaliar seus próprios progressos.

Da mesma forma, o autor referenda que o professor acaba por ter de se adaptar às circunstâncias particulares do seu trabalho, ressaltando que estes trabalham a partir de orientações imprecisas, tendo frequentemente que fazer escolhas e tomar decisões quanto à maneira de realizar e compreender seus objetivos.

O mesmo autor salienta que os inúmeros objetivos de ensino, que muitas vezes não são alcançados, acabam por sobrecarregar a atividade do professor, exigindo que se concentre em variados objetivos ao mesmo tempo. Chama a atenção também para o fato de que esses objetivos são muito pouco hierarquizados, dificultando ainda mais a ação do professor, além de ter que ajustar constantemente seus objetivos, de acordo com as circunstâncias e limitações temporais, sociais e materiais.

Além disso, outra característica importante do trabalho do professor, que o difere do trabalhador industrial, se encontra na dimensão afetiva, utilizada pelo professor ao exercer seu trabalho docente e que precisa desenvolver para poder entre outras coisas, ―negociar‖ com os alunos, por exemplo, a disciplina em sala de aula e despertar o interesse dos mesmos, para que os objetivos do ensino sejam alcançados.

Dessa forma, ficam evidentes os contrastes entre o trabalho na indústria e na escola, pois um diz respeito ao que pode ser previsível e controlável ao passo que o outro, por depender de outras pessoas e de fatores variados, como situações imprevisíveis que se dão cotidianamente no contexto da escola, nem sempre trará

os resultados esperados, levando os professores constantemente à frustração e ao mal-estar.

Parafraseando Tardif (2014); os professores ao trabalhar com seres humanos, têm no seu trabalho docente uma complexidade de situações que devem gerir, pois ao mesmo tempo em que atendem grupos de alunos devem dar atenção individual aos mesmos, mobilizando para isso, sua experiência, suas crenças, convicções, conhecimentos, gerindo constantemente suas relações sociais com os alunos. Segundo ele:

Os professores utilizam em suas atividades cotidianas, conhecimentos práticos provenientes do mundo vivido, dos saberes do senso comum, das competências sociais. Suas técnicas não se apoiam nas ciências ditas positivas, mas, sobretudo nos saberes cotidianos, em conhecimentos comuns sociais, baseados na linguagem natural (TARDIF, 2014, p. 136).

Segundo o autor, para os professores atingirem seus objetivos nas atividades com os alunos, eles se utilizam das chamadas tecnologias da interação, destacando três principais: a coerção, a autoridade e a persuasão, as quais dão condições aos professores de efetuarem seu programa de ação.

A coerção consiste em comportamentos punitivos reais e simbólicos empregados pelos professores sobre os alunos, muitas vezes improvisados em plena ação, como olhar ameaçador, trejeitos, insultos, ironia, sarcasmo, resignação, negligência, apontar com o dedo entre outros. Ao se referir aos procedimentos adotados pelas instituições escolares para controlar as clientelas destaca a exclusão, estigmatização, isolamento, seleção, transferência, etc.

A autoridade consiste em assumir a condição de ―mestre‖ conferida pela escola ao professor; o carisma: capacidades subjetivas do professor em conseguir adesão dos alunos; além do respeito que o professor é capaz de impor aos alunos sem correção.

A persuasão por sua vez, baseia-se na capacidade de convencer o outro a acreditar ou a fazer algo. Utiliza recursos retóricos da língua falada como promessas, convicções, dramatizações. Baseada em conjuntos linguísticos através dos quais os professores levam os alunos a partilhar significados relativos à ordem física e simbólica da sala de aula e da escola.

A partir destes aspectos, pode-se perceber que o trabalho docente exige do professor além de formação adequada que subsidie sua prática, condições para

desenvolver habilidades pessoais, que não se encontram em cursos de graduação, mas dependem de investimento, tanto no aspecto afetivo como cognitivo, para poder atuar com os alunos.

Nóvoa (1995) levanta outro aspecto importante quando se refere às escolas e aos professores. Ele destaca:

Não basta mudar o profissional; é preciso mudar também os contextos em que ele intervém [...]. As escolas não podem mudar sem o empenho dos professores; e estes não podem mudar sem uma transformação das instituições em que trabalham (NÓVOA, 1995, p.28).

Dessa forma, fica evidenciado que os contextos interferem no alcance dos objetivos do trabalho do professor, bem como o reflexo do trabalho do professor na escola, visto sua inter-relação, resultando muitas vezes em frustração, em mal-estar, devido às contradições em que o trabalho docente se efetua. Se por um lado o professor tem que alcançar os objetivos impostos pelo sistema e pela escola, por outro lado, não encontra, muitas vezes, as condições necessárias para exercer sua profissão com dignidade. Convergindo para isso, Esteve (1991) salienta que:

A chave do mal-estar docente está na desvalorização do trabalho do professor, evidente no nosso contexto social, e nas deficientes condições de trabalho do professor na sala de aula, que o obrigam a uma atuação medíocre, pela qual acaba sempre por ser considerado responsável (ESTEVE, 1991, p.120).

O autor destaca também que, para enfrentar o mal-estar docente é imperativo refletir e atuar sobre as condições do trabalho do professor, apoiando-o. Além disso, destacamos que é preciso criar um contexto favorável para exercer a docência, repensando estratégias que favoreçam o resgate do sentido de grupo, mobilizando os docentes para que, coletivamente a escola possa ser pensada como espaço prazeroso de trabalho, primando pela qualidade e bem-estar.

3.3 TRABALHO DOCENTE E MAL-ESTAR DOS PROFESSORES: UMA RELAÇÃO