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SESSÃO III – O TRABALHO PEDAGÓGICO DO PROFESSOR COM

3.3 Trabalho Pedagógico do Professor

[...] quem ensina é aquele que disponibiliza signos e estes podem ser palavras, imagens, sabores, odores, enfim, tudo o que, se afetar alguém, poderá fazer dele um aprendiz.

Gilles Deleuze

O trabalho pedagógico do professor demanda análise de diversos elementos responsáveis pelo desenvolvimento do processo educativo. Dentre eles, Tacca (2014) caracteriza o planejamento de ensino, e afirma que é necessário entendê-lo sob três componentes: os objetivos de ensino, os conteúdos e procedimentos pedagógicos. Se essa trilogia fosse devidamente articulada como sendo os objetivos orientadores da escolha dos conteúdos e dos procedimentos pedagógicos, haveria práticas pedagógicas bem desenvolvidas e, consequentemente, a efetivação da aprendizagem e do desenvolvimento. No entanto, é justamente pelo não funcionamento dessa articulação que precisamos nos deter e refletir.

Na opinião da autora, os objetivos, embora possam estar bem elaborados e explicitados tecnicamente ficam comprometidos quando se voltam apenas para os conteúdos em detrimento dos sujeitos do processo. Outro engano pedagógico que a autora

denuncia relaciona-se, muitas vezes, ao fato de os profissionais da educação culpabilizarem o fracasso escolar, pelas inadequações dos métodos de ensino e, assim, novos procedimentos e técnicas pedagógicas precisam ser utilizados de acordo com diferentes conteúdos e contextos.

A autora acredita que uma das possíveis saídas para o fracasso escolar esteja no estudo das interações entre estudante e professor e aborda o estudo que realizou com duas professoras enfocando, justamente, essas interações.

Para estudo inicial destaca conceituação de alguns aspectos que identifica como importantes, ao esclarecer sobre estratégia pedagógica

[...] entendo as estratégias pedagógicas acopladas, enraizadas e nitidamente implicadas com as relações sociais estabelecidas. Nesse sentido, elas seriam recursos relacionais que orientam o professor na criação de canais dialógicos, tendo em vista adentrar o pensamento do aluno, suas emoções, conhecendo as interligações impostas pela unidade cognição-afeto (TACCA, 2014, 48).

Nessa concepção, as estratégias pedagógicas se tornam recursos pessoais que precisam do outro, pensar-se com o outro para que, assim, possam ser geradas as significações da aprendizagem. A construção do conhecimento, tanto por parte do professor, como por parte do estudante, precisa de disponibilidade constante de ambas as partes. A colaboração constante do outro auxilia na construção do conhecimento e recorre ao conceito de Área de Desenvolvimento Potencial afirmando que estratégia pedagógica não pode ser simplesmente um recurso externo, pois se orienta para a relação social que passa a ser condição para a aprendizagem porque fornece possibilidade de conhecer o pensar do outro e interferir nele.

Nesse aspecto, ressalta que as estratégias pedagógicas devem ser dirigidas ao sujeito que aprende e não ao conteúdo a ser aprendido. Nessa perspectiva ao receber uma resposta do estudante, o professor irá dialogar com ele a fim de compreender o processo de significação percorrido e, se necessário, esclarecer, apoiar, refletir com o estudante, para que ele retome, reelabore sua aprendizagem.

Somente quando a estratégia pedagógica enfoca o pensamento do aluno, que se sustenta em suas emoções, ela pode criar zonas de possibilidades de novas aprendizagens. Estratégia pedagógica seria, assim, o processo pelo qual os alunos e o professor entram em sintonia de pensamento, tendo em vista compreender as relações entre as coisas (TACCA 2014, p. 49).

A autora destaca o debate, a discussão entre duas partes como sendo um desafio para o pensamento e a conquista da aprendizagem.

Uma aprendizagem só se realiza quando se compreende que um conceito implica relacionar outros conceitos e que existem princípios que podem ser generalizados. Isso significa ganhar autonomia no processo de estabelecer relações e gerar conclusões (TACCA 2014, p.49).

Nesse enfoque, as estratégias pedagógicas são procedimentos cujo objetivo principal é captar a motivação, as emoções do estudante, para, a partir de então, colocar o pensamento em conexão com novas aprendizagens.

No estudo das práticas das duas professoras, a autora detectou que as “estratégias pedagógicas” utilizadas por elas pouco se diferenciavam no que dizia respeito aos materiais, exercícios e técnicas. A grande diferença entre as duas professoras estava naquilo que, implicitamente, comandava a relação que estabeleciam com os estudantes e seus pressupostos, crenças e valores sobre como deveriam proceder, para encaminhá-los rumo aos objetivos de aprendizagem selecionados. Uma das professoras percebia que os processos de significação estavam ligados a formas de pensar e aprender o objeto de conhecimento trabalhando significações que iam ampliando o foco da atividade. Fazia negociação constante na construção dos significados e eram incorporados vários elementos não verbais como gestos, entonação de voz, vibração, como recursos da atividade, compondo a negociação do processo de ensino e aprendizagem.

Nesse contexto, segundo a autora, transparecia a unidade cognição-afeto comandando o processo, evidenciando situações bem criativas.

A outra professora, com sua forma rígida de interagir com as crianças e a mínima flexibilidade na busca da diferença e no uso das estratégias interativas, fazia com que o momento de conhecimento se dispersasse em relação aos objetivos a serem alcançados, o processo de significação ficava também disperso dificultando, assim, a possibilidade de relacionamento dos processos de significação, com as estruturas conceituais necessárias e com os objetivos da atividade.

A autora concluiu que as relações sociais repousam em concepções, crenças, histórias de vida e, a outros aspectos que emergem das relações, e geram escolhas e opções a serem feitas,

[...] por exemplo, as concepções do professor sobre educação, sobre quem são e como pensam os alunos e quais suas possibilidades é, sem dúvida, um grande balizador da forma como as relações são constituídas com eles e de como e por que objetivos, conteúdos e métodos são

selecionados. Compreender isso ajuda-nos a tecer outras explicações, pois o eixo do processo ensino-aprendizagem passa a ser pensado a partir de significações e entrelaçamentos que o professor faz entre o seu conhecimento sobre o aluno, sobre si mesmo e sobre o próprio conhecimento a ser explorado, incluindo também o contexto vivido por ele (TACCA, 2014, p. 47).

Para Martinez Mitjáns (2014), o pensamento criativo e inovado é um processo complexo da subjetividade humana e se expressa na produção de algo “novo” e “valioso” em um campo da ação humana. A autora ainda afirma que a

[...] a expressão da criatividade no trabalho pedagógico como formas de realização deste, representam algum tipo de novidade e que resultam em valiosas, de alguma forma para a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos (MARTÍNEZ MITJÁNS, 2014, p. 70). Existe forte tendência de os professores acreditarem na necessidade de produzirem coisas novas, em sala de aula sem que se preocupem com o impacto, dessa criação na aprendizagem e no desenvolvimento dos estudantes. Dentro dessa ideia, a autora afirma “[...] criatividade e novidade não são sinônimos. A criatividade implica a novidade; porém, a novidade não é suficiente para considerar um processo como criativo” (MARTÍNEZ MITJÁNS, 2014, p. 71).

O trabalho pedagógico do professor não se reduz à mera aplicação de métodos e técnicas de ensino, vai muito além disso. A novidade expressada em todos os momentos do processo do trabalho pedagógico é de extrema importância desde que permita, ao estudante, o avanço na aprendizagem e desenvolvimento.

Martinez Mitjáns (2014) aborda como fundamentação para a realização do trabalho pedagógico docente criativo conforme formulou, em 1997, denominando-o como Sistema didático integral para contribui ao desenvolvimento da criatividade. Esse trabalho teve como foco a aprendizagem do estudante, e apresentou “novas” formas de realizar o trabalho pedagógico como potenciais de criatividade para execução do trabalho docente.

Visando a possibilidade de introduzir modificações, Martínez Mitjáns (2014, p. 72) ressaltou os seguintes aspectos:

a) A forma de

trabalhar com os estudantes, a formulação e a seleção dos objetivos de aprendizagem;

b) A seleção e a

organização dos conteúdos de ensino e das habilidades e competências a serem desenvolvidas;

c) As estratégias e os métodos de ensino;

d) A organização

do processo docente;

e) A natureza das

tarefas a serem realizadas em classe ou extraclasse e as orientações para sua realização;

f) A natureza da

bibliografia e do material didático e as orientações para sua leitura;

g) O sistema de

avaliação e autoavaliação da aprendizagem;

h) As relações

professor-aluno e o clima comunicativo-emocional que caracteriza a sala de aula e a instituição escolar no seu conjunto.

O trabalho pedagógico, para ser bem desenvolvido e cumprir adequadamente seus propósitos e objetivos em todas as etapas, demanda do professor, de forma criativa, para introduzir ideias, crenças, valores, enfim, colocar-se de forma ampla e total no processo. A autora frisa que “a criatividade se expressa em diferentes graus e níveis, não necessariamente em dois extremos: existe criatividade ou não existe criatividade” (MARTÍNEZ MITJÁNS, 2014, p. 72). Dentro dessa perspectiva, de uma certa forma, todos os professores são criativos, basta estarem atentos a isso e utilizarem da melhor forma possível.

A complexidade e a singularidade humana dos processos de aprendizagem e desenvolvimento demandam ações diversificadas e criativas. Martinez Mitjáns (2014) faz uma ressalva para a particular importância da criatividade no trabalho pedagógico, no cenário da educação inclusiva,

[...] a concepção de inclusão escolar supõe, precisamente, a mudança da escola para oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento a todos os alunos com independência de classe social, raça, características individuais e outras diferenças (MARTINEZ MITJÁNS, 2014, p.73).

Dentro desse princípio, é no trabalho pedagógico que a inclusão se efetiva e consolida, ou exclui e segrega. Tudo dependerá do nível e grau de criatividade utilizada pelo professor, em suas práticas educativas.

Os professores se queixam muito ao receberem um estudante com deficiência em sua sala, alegando não estarem preparados para tal prática. Alegam despreparo na aplicação das técnicas, desconhecimento das deficiências, como fazer ou quais atitudes assumirem perante determinadas situações e problemas. Essa preparação é importante, mas, o fundamental, no trabalho pedagógico com esse público, está na preparação para a mudança de postura sobre as representações do que é educar, para quem educar, os

valores em relação ao outro, as possibilidades e habilidades do outro, os recursos pessoais de cada, com vias ao trabalho pedagógico criativo.

A autora também destaca que a criatividade no trabalho pedagógico não é somente importante para o objetivo central da aprendizagem e desenvolvimento do aluno, mas para o próprio professor, para o bem-estar emocional e o desenvolvimento integral.

As configurações subjetivas do professor, na sua condição de sujeito, aquele que tece configurações subjetivas no espaço escolar e em outros espaços sociais, produzem a criatividade no trabalho pedagógico.

Martínez Mitjáns (2014, p. 76) elenca alguns elementos comuns às configurações criativas de pessoas com alto nível de criatividade no seu trabalho profissional, entre eles, professores:

- Alto grau de desenvolvimento da motivação para a profissão – a profissão é uma tendência orientadora da personalidade;

- Clara orientação de futuro na esfera profissional;

- Força da individualidade – a autovalorização como importante elemento dinâmico da expressão criativa;

-Orientação muito ativa para a superação profissional; -Orientação consciente para a criação

É importante ressaltar, ao mesmo tempo, aquele professor que contribui com configurações subjetivas e ações na constituição da subjetividade social da escola é também constituído pela subjetividade escolar. Esse fenômeno se confirma na medida que alguns dos significados e sentidos que constituem a subjetividade escolar são assumidos ou rejeitados pelo professor.

Martínez Mitjáns (2014) estabelece relação entre a criatividade na aprendizagem e a criatividade no trabalho pedagógico e levanta alguns indicadores que podem ser considerados, pelos professores, ao desenvolverem o trabalho pedagógico em relação à abordagem das diferentes disciplinas escolares, às atividades e aos diferentes campos de conhecimentos. São eles:

-Realização de perguntas interessantes e originais; -Questionamento e problematização da informação; -Percepção de contradições e lacunas no conhecimento; -Estabelecimento de relações remotas e pertinentes;

-Proposição de várias alternativas e hipóteses ante os problemas a resolver;

-Solução inovadora de problemas;

-Elaboração personalizada de respostas e proposições;

- Procura de informações e realização de atividades que vão além do solicitado pelo professor (MARTÍNEZ MITJÁNS, 2014, p. 85)

No mesmo período, especificou elementos da subjetividade que poderiam se constituir em indicadores indiretos das possibilidades criativas do estudante. São eles:

-Motivação pelo estudo;

- Capacidades cognitivas diversas implicadas na aprendizagem escolar; -Autodeterminação, independência;

-Autovalorização adequada, segurança;

- Questionamento, reflexão e elaboração personalizados; - Capacidade para estruturar o campo de ação e tomar decisões; - Capacidade se propor metas e projetos;

- Capacidade volitiva para a orientação intencional do comportamento; - Flexibilidade;

- Audácia (MARTÍNEZ MITJÁNS, 2014, p. 86)

Enfim, são inúmeras as formas de expressão da criatividade no processo de aprender, as estratégias e os processos que a caracterizam, produções científicas, como, por exemplo, as produções na área da Psicologia da Criatividade que contribuem para a compreensão da aprendizagem criativa como forma de aprender por estratégias específicas, em que a novidade e a pertinência no processo são indicadores essenciais.

A criatividade, no processo de aprendizagem e desenvolvimento, tem estreitas relações com a criatividade no trabalho pedagógico, entretanto, porém, essas relações não são causais nem lineares. Existem professores que desenvolvem práticas criativas e obtêm resultados satisfatórios na aprendizagem e no desenvolvimento dos estudantes, porém, sem significativos avanços no processo criativo na aprendizagem. Compreender a complexidade da criatividade é fundamental para o trabalho pedagógico, pois, as configurações subjetivas dos elementos da criatividade na aprendizagem são altamente individualizadas e exigem um olhar personalizado para incentivar-lhes a expressão. Esta entendida como

[...] possibilidade de expressão da criatividade no trabalho pedagógico radica na mudança de representação do que é uma sala de aula: a capacidade de enxergá-la como integrada por sujeitos diferentes com configurações subjetivas diferentes que exercem o processo de aprender de forma também diferente. O conceito de “turma”, sem pretender subtrair a importância dos processos grupais que podem favorecer significativamente os processos de aprendizagem e desenvolvimento, tem que coexistir com a visão da diversidade das individualidades, passo inicial para procurar estratégias de aprendizagem e desenvolvimento efetivos (MARTÍNEZ MITJÁNS 2014, p. 92).

Diante do exposto anteriormente, torna-se necessário, aprofundar e estabelecer relações desses conceitos, pressupostos e concepções como foco de estudo, o trabalho pedagógico do professor com alunos com deficiência intelectual.

3.4 O Trabalho Pedagógico do Professor com a Deficiência Intelectual