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Mapa 2 – Pernambuco

2 BASES CONCEITUAIS SOBRE EDUCAÇÃO DO CAMPO,

2.1 Trajetória: em busca de uma compreensão conceitual

Compreende-se que, para entender as particularidades de cada sujeito é preciso fazer uma análise de sua trajetória6, nesse sentido, apoiando-se em uma concepção sociológica de trajetória. À luz dos conceitos de habitus de Pierre Bourdieu (1983), que apresenta em seus escritos uma proposta de estudo de trajetórias individuais e de grupo, entende-se que as trajetórias são as mudanças que vão acontecendo na vida dos sujeitos dentro de seu campo social, são as relações que estes passam a estabelecer no espaço (BOURDIEU, 1998).

Para Bourdieu (1998),as trajetórias seriam, assim, o resultado construído de um sistema dos traços pertinentes de uma biografia individual ou de um grupo, dentro dos campos sociais. É dentro desses campos que o sentido das trajetórias começa a ser ressignificado e compreendido. Ao falar de trajetória, pensamos nas práticas individuais e nos condicionamentos sociais, que são observados à medida que os sujeitos começam a incorporar novos habitus, definido por Bourdieu como:

6 “A sucessão dos acontecimentos que fizeram parte da existência de algo ou alguém; carreira”. Disponível em: https://www.dicio.com.br/trajetoria/. Acesso: 20 fev. 2020.

[...] um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas [...] (BOURDIEU, 1983. p. 65).

Nas palavras de Bourdieu, o habitus tem muito a ver com a cultura desses povos, como se comportam em cada etapa de sua vivência na sociedade. Essa compreensão advém de seus estudos sobre cultura e sobre a compreensão dos processos culturais presentes na família e na escola. O habitus “permite examinar a coerência das características mais diversas de indivíduos dispostos às mesmas condições de existência.” (SETTON, 2002, p. 62-63).

Para entender a produção da realidade social, Bourdieu realizou muitas mediações entre o agente e a sociedade, e nessas relações foi compreendendo os comportamentos dos sujeitos diante da trajetória social que eram submetidos. Desse modo, vamos entendendo que, para Bourdieu, o habitus é um sistema de disposições adquiridas durante a trajetória das pessoas que funcionam como estruturas geradoras de novas práticas.

Assim, entendemos que:

habitus surge então como um conceito capaz de conciliar a oposição aparente entre realidade exterior e as realidades individuais. Capaz de expressar o diálogo, a troca constante e recíproca entre o mundo objetivo e o mundo subjetivo das individualidades. (SETTON, 2002, p. 63).

Nesse sentido, segundo Bourdieu (1992), o habitus, sendo um produto da história, é um sistema de disposição aberto, que é incessantemente confrontado por experiências novas e, assim, é afetado por elas. O habitus vai, portanto, se ajustando diante das necessidades que vão surgindo dentro dos diversos espaços. Desse modo, “Podemos acompanhar as mudanças sucessivas pelas quais um agente social passa durante seu movimento na sociedade e que acabam por sedimentar um habitus relacionado à história do indivíduo.” (MONTAGNER, 2007, p. 252).

Diante dessas reflexões, o conceito de trajetória reside, portanto, na concepção de mudanças e transformações que acontecem na vida dos sujeitos a partir dos diferentes habitus, que vão configurando a sua existência nos espaços sociais. Para entender as trajetórias dos estudantes oriundos do campo para estudar o ensino médio na cidade, apresentamos alguns elementos que vão caracterizando essa trajetória, ou seja, o deslocamento dos sujeitos, os preconceitos enfrentados, as dificuldades de adaptabilidade em espaços outros, dificuldade das estradas, a mudança do ambiente geográfico e as mudanças no nível de ensino.

A palavra trajetória passa a ser compreendida por nós enquanto as experiências que os sujeitos vivenciam durante a sua vida, seja ela pessoal ou escolar. No entanto, aqui iremos nos debruçar sobre a trajetória escolar dos estudantes vindos do campo para estudarem o ensino médio na cidade. Assim, “entendemos como trajetórias escolares os percursos percorridos pelos indivíduos ao longo da sua vida escolar.” (BITTAR, 2015, p. 49).

A maneira como a trajetória desses/as estudantes tem contribuído ou não com seu percurso formativo e identitário muito nos interessa. Desse modo, nossos estudos vêm destacando, como veremos adiante no capítulo das análises, o emaranhado de percursos individuais desses estudantes que representam sua trajetória.

Assim, vamos nos aproximando de um conceito que nos ajuda a compreender a trajetória escolar em relação às condições concretas de existência. A trajetória dos estudantes está permeada por novas configurações sociais às quais os mesmos vão se adaptando ou não ao longo do seu percurso. A partir do conceito de trajetória, podemos então perceber que há possibilidades de se fazer uma análise de uma realidade estudada levando em consideração os fatores sociais que perpassam no universo do indivíduo e sociedade, buscando compreender os modos de ser, pensar e agir desses sujeitos diante dos diferentes habitus que vão adquirindo.

A discussão apoiada na categoria habitus de Bordieu que propomos nesses referenciais alarga nossa compreensão sobre o ponto de chegada dos estudantes do campo e os percursos percorridos por estes ao longo de sua trajetória escolar, mostrando os processos que possibilitam as transformações na história de cada um deles.

Para Bittar (2015), as trajetórias são dinâmicas e vão se transformando na medida em que cada indivíduo vivencia suas experiências. Nesse sentido, investigar as trajetórias escolares dos estudantes significa percorrer um trajeto em busca dos contextos relacionados à vivência desses dentro e fora de seu território; compreende entender como se deu a sua escolarização desde a sua infância, de que maneira essa foi vivenciada; significa ainda, compreender o processo de interação em diferentes tempos e espaços em que estejam inseridos na sociedade.

Desse modo,

a partir disso, a construção de trajetórias implica aprofundar a análise sobre as condições de existência em que se desenvolve o permanente processo de socialização e aculturação dos agentes sociais, e, no fundo, a sua própria produção enquanto agentes. (MARINHO, 2017, p. 29).

A partir das ideias aqui colocadas, pode-se afirmar que os percursos sociais tracejados pelos indivíduos que vão compondo a suas trajetórias exprimem uma variedade de situações, de acordo com cada realidade. Por isso, entender essas trajetórias é crucial para compreender as distintas realidades e o que a essas têm acarretado para a vida desses sujeitos. É nesse sentido que nossos escritos caminham.

A seguir, traremos para nossa discussão os conceitos e o marco legal que regulamenta a Educação do Campo.