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4.2 DOS RELATOS AOS SENTIDOS: UNIDADES DE ANÁLISE

4.2.1 Trajetória familiar e escolar

Ao ouvirmos as acadêmicas, ficou patente em suas vozes a relação com o campo, o lugar que ocupam, seja por vivências ou experiências ligadas à luta pela terra, seja na condição de sujeito único, seja ainda no sentimento de pertença a um grupo e suas concepções.

Nesse sentido, compreendemos que são sujeitos de luta e oriundos da terra, revelando que o social e a vida pessoal estão articulados ao espaço onde o sujeito vive a sua história, conforme depreendemos de seus dizeres: “Eu nasci no município de Água Clara, meus pais na época moravam em fazendas de latifúndios, minha vida e infância sempre foi em fazendas de latifundiários mesmo.” (Acadêmica L5).“Eu vivi a infância com meus pais, eles trabalhavam muito no campo, na roça, colhia algodão, trabalhava carpindo, essas coisas. Sempre a gente foi junta com eles para roça, a gente ia junto trabalhar com eles, tirávamos

Trajetória Familiar e Escolar Ensino Superior e Alternância Formação

leite, mexia com queijo”. (Acadêmica L3). Minha família, meus pais muito pobre, mas pessoas muitos honestos e honrados. O sonho deles era de ver a formação dos filhos. [...] Estudei numa escola de bairro perto de casa de madeira muito simples, mas um estudo muito gostoso, com professoras muito capacitadas. (Acadêmica L 6).

Eu sou de origem do campo, meus pais eram camponeses, sempre foram né, eu nasci no campo, meus pais tinham uma pequena propriedade, então a gente foi criada no chamado serviço da “roça”, meu pai plantava arroz, feijão e amendoim. Tudo que se produzia num pequena propriedade. (Acadêmica L2)

Meus pais, eles conseguiram um lote no Assentamento Pana, antes disso ficaram assentados por dois anos, depois que conseguiram esse lote vivem lá, além do trabalho no campo meu pai trabalha na usina de lá (Usina instalada no Assentamento Pana de Álcool, para complementar a renda familiar e com isso, minha mãe que praticamente que cuida das coisas do sítio como: tirar leite, tratar dos animais e etc. (Acadêmica L4)

O contexto social desses sujeitos e suas famílias, suas condições de trabalho e cultura, evidenciam aspectos de “um lugar, de uma cultura, um modo de vida singular em especificidades, mas de caráter universal, de um sujeito social, que apresenta uma história individual, porém que se une ao coletivo”. (PIATTI; URT, 2014, p. 469)

Diante dessas reflexões, reconhecemos a necessidade de analisar e compreender as experiências vividas que marcaram a vida das entrevistadas, articuladas em lembranças passadas que trazem para o presente. O desafio a ser enfrentado é articular essa rememorização do passado à situação atual, ou seja: ler os depoimentos como presentificação de determinados momentos vividos, sabendo que o sujeito que narra no presente passou por transformações durante as vivências e enfrentamentos em suas relações no grupo de que faz parte e fora dele.

Constatamos que as entrevistadas autoidentificam-se como sujeitos do campo singulares, mas que representam o grupo, a sociedade e o universal de sua formação. As entrevistadas relatam que a fase escolar na Educação Básica foi toda numa escola no campo e duas delas põem em destaque, entre outros, um aspecto significativo dessa experiência, como L5 –“[...] estudei sempre em escola rural, em salas multisseriadas, até o ensino médio”– e L6 – “[...] professora morava na escola, ela era a merendeira naquela época, era uma sala multisseriada”.

A sala multisseriada27 é uma organização necessária no meio rural; um modelo que se destina às comunidades com pequeno número de habitantes, onde nem sempre há número suficiente de crianças (numa lógica quantitativa que engloba custo/aluno) para formar uma sala seriada e, assim, oferecer educação aos filhos dos trabalhadores dessa região (HAGE, 2004).

Considera-se que essa organização do ensino é muito desafiadora para o trabalho do professor, uma vez que sua formação não a contempla. Acrescentamos que essa configuração de sala de aula não representa a melhor alternativa metodológica para o ensino e a aprendizagem, porém é implantada, o que pode demonstrar a precariedade das políticas públicas e a falta de recursos públicos para manter salas seriadas nas escolas do campo.

Ainda no que diz respeito à trajetória escolar, a maioria das entrevistadas estudou em escolas situadas no campo, como é o caso de L4 e L3: “[...] Iniciei no Pré-escolar até terminar o Ensino Médio na escola rural Rosalvo da Rocha Rodrigues, no Assentamento Pana. Terminei os estudos, tive a oportunidade de cursar, de fazer a Licenciatura em Educação do Campo, na UFMS” (Acadêmica L4). “A gente morou em um distrito chamado Lagoa Bonita, a gente estudava lá, estudei até a sétima série. Casei-me e parei de estudar. Depois de alguns anos voltei a estudar já em outro assentamento, eu fiz EJA (ensino fundamental e ensino médio)” (Acadêmica L3).

A acadêmica L2 destacou que, mesmo morando no campo, teve de continuar os estudos em escola da cidade, em decorrência de algumas limitações de oferta de ensino para o campo: “[...] no campo, a gente só tinha oportunidade de estudar até as séries iniciais lá mesmo, já o ensino fundamental II e o ensino médio já teve fato de estudar na cidade, a gente morando no campo e estudava na cidade, íamos de ônibus” (Acadêmica L2).

Na fala da acadêmica L2, pode-se inferir que, na escola na cidade, a realidade do campo se perde, pois o sujeito, ao viver as condições do mundo urbano, distancia-se de seu meio e modos de vida, necessários à formação de sua identidade como sujeito do campo. A escola “da cidade” não lhe permite compreender a singularidade do espaço do campo, nem valorizar os grupos que vivem nesse espaço, suas expressões culturais e valores, representados por meio de seus símbolos e signos, em que se inscreve a produção de novas culturas, a luta pela terra, pela escola e educação, pela vida e pela dignidade de trabalhadores e trabalhadoras do campo.

Apesar de significativos avanços, a educação do/no campo ainda é um assunto que precisa ser mais discutido e alvo de políticas públicas no cenário brasileiro, pois o campo ainda é pensado apenas como espaço de produção, onde as pessoas são vistas como recursos humanos. Como apontam Caldart e Fernandes (2000, p. 11), “a Educação do Campo é criada pelos povos do campo” e, por isso, deve refletir sobre “o campo e sua gente, seu modo de vida, de organização do trabalho e política e de suas identidades culturais”.

Ao perguntarmos para as acadêmicas se antes de cursarem a licenciatura em Educação do Campo tiveram outra graduação ou se a iniciaram, mesmo que não a tivessem concluído, obtivemos respostas diversas, distribuídas no quadro abaixo.

Quadro 11 - Formação das entrevistadas

Acadêmicas Primeira graduação Segunda graduação Iniciou outro curso e não concluiu

L1 Licenciatura em Educação do Campo– Leducampo Ciências Humanas L2 História Licenciatura em Educação do Campo – Leducampo L3 Licenciatura em Educação do Campo– Leducampo Pedagogia L4 Licenciatura em Educação do Campo– Leducampo L5 Licenciatura em Educação do Campo– Leducampo Matemática L6 Pedagogia Licenciatura em Educação do Campo – Leducampo

Fonte: Organizado pela pesquisadora, 2020.

Verificamos que apenas as acadêmicas L2 e L6 possuem outra graduação e já são professoras atuantes, além de que, conforme dados de autoidentificação, têm experiência de vida maior que as demais, sobretudo L6. Durante as entrevistas, L1, L3 e L5 relataram que iniciaram outra graduação, mas não concluíram por questões financeiras e pela dificuldade para se manterem no curso presencial todos os dias; já L4 teve a oportunidade de terminar o ensino médio e conseguir ingressar na licenciatura em Educação do Campo da UFMS.

Ao perguntarmos às entrevistadas como ficaram sabendo da Licenciatura em Educação do Campo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, responderam que foi por folder recebido nas escolas em que trabalhavam ou estudavam; apenas L2 relatou que, por estar cursando a Especialização em Educação do Campo, já tinha conhecimento de que, na

UFMS, esse curso seria implantado, iniciando o curso na turma de 2014. As acadêmicas L2 e L6 têm atuação no Movimento Sindical dos Trabalhadores em Educação dos respectivos municípios em que atuam como professoras; as demais não têm participação, seja em movimento social ou causas sindicais.