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ASPECTOS HISTÓRICOS DAS TRADIÇÕES AYAHUASQUEIRAS

1.3 A trajetória de Mestre Irineu e a constituição da comunidade do Alto Santo

1.3.1 A trajetória de Mestre Irineu

Após mudar-se para Rio Branco e incorporar-se à Guarda Territorial50, Mestre Irineu inicia seus trabalhos espirituais na Vila Ivonete. Na narrativa de Percília Matos:

Nos dias de folga, ele saía e ia fazer daime pro mundo! Carregava aquelas panelinhas, umas latinhas pequenininhas, e ia pro mato fazer. Fazer aquele pouquinho, bem pouquinho, né? Ele vinha sozinho. O Seu Germano começou a notar que ele tinha aquela viagem pra mata. Todas as folgas dele, ele só ia pra mata! Ia um pra aqui, outro pra acolá, e ele ia era pra mata! Aí ele disse, ele chamava o Mestre de maninho: ‗Maninho quando tu for pra mata, tu me chama que eu quero ir também!‘ Ele disse: ‗Você quer ir? Então embora!‘ E ele foi! (MATOS DA SILVA, 1990, p.11).

Conta ainda que, outra pessoa, também acompanhava Mestre Irineu nas ―idas pra mata‖ nesse período inicial. Trata-se de José das Neves, vizinho de Mestre Irineu e padeiro, ―o primeiro discípulo dele‖51

. Consagrado como o primeiro seguidor de Mestre Irineu, ele nos fala sobre sua história de vida e seu conhecimento com Mestre Irineu:

São 81 anos que eu tenho vivido nessa vida boa daqui do Acre. Ele chegou eu tinha quatro anos de idade. Lá vem o preto Irineu, ele trabalhando e eu era um moleque correndo no terreiro [...] e ele feito uma onça trabalhando, num pique trabalhando, aí ele veio de lá, veio de lá e coisa e tal. Depois ele desabou pro rumo de Brasiléia. Eu, como diz a história, aquele menino que vai crescendo e que vai se instruindo. Eu sabia que ele existia não sei aonde, quando eu ouvia falar, eu digo, eu conheço esse homem, com sete anos minha mãe faleceu, ela tava com uma febre, comeu manga [...] ficou só meu pai [...] com onze anos meu pai morreu, lá vem oficial de justiça, etc e tal, arrumou um tutor para nós. Eu digo, eu não quero nada. O Lourival disse, você vai pra polícia. Pode mandar que eu vou, mas no outro dia eu fujo, por uma brecha que tiver eu vou e me embrenho lá no meio daquelas florestas pra lá. Vou pra lá, lá tem mamão, tem fruta, tem tudo que eu conheço, eu como, fico pra lá e me crio pra lá, sou indígena. Eu sou um caboclo indígena. Ah! não faça isso. Eu vou fazer [...] caso me perseguirem, eu vou fazer. Ele disse (subtende-se o Mestre): Eu arrumo um outro jeito pra ti, isto

50 Ao término da Comissão Brasileiro-Peruana de Demarcação de Limites, Mestre Irineu entra para a Guarda Territorial do Acre, por volta de 1928, encontra Germano Guilherme e surge uma grande amizade entre eles. 51

aqui é um salão para quem queira trabalhar. Ele me fez esse favor. Me soltou, porque eu ia fugir (JOSÉ DAS NEVES, 1990).

Na década de 30, Mestre Irineu continuou desenvolvendo seus trabalhos ainda na colônia denominada Alberto Torres. Percília Matos o conheceu quando era uma garotinha de oito anos e conta sobre essa época, quando sua família se mudou para a mesma colônia. De acordo com ela, quando seu pai, Antônio Ribeiro de Matos, conheceu Mestre Irineu, ele ―era juntado com uma senhora de idade, Dona Francisca. Ao cabo de poucos anos, uns dois ou três anos, ela faleceu. No sétimo dia depois que ela faleceu saiu esse hino Dois de Novembro‖. Dona Percília continua a narrativa sobre esse período inicial52:

Quando foi em 45, ele passou-se aqui para esse Alto Santo, não sabe? Mudou-se para cá. Foi quando ele veio para o Alto Santo, foi em 45. Mas, daí já tinha muita gente [...] já tinha os hinários. O primeiro, o primeiro hino do Cruzeiro, é Lua Branca, né? Não sabe? Esse ele recebeu em Sena Madureira. Foi o primeiro hino que ele recebeu, foi lá. Então, quando eu o conheci, já tinha Lua Branca [...] só tinha esse. Daí foi que começou, foi Tuperci, Ripi, e aí continuou, continuou, continuou [...] Até que chegou ao ponto que ficou, né? A nossa farda, nessa época, quando ela passou-se aqui, lá mesmo na Alberto Torres, já a gente tinha um fardamento lá. Os hinos eram muito poucos, né? Mas a gente já cultivava. A farda era uma branca e uma azul. Mas era toda azul. O modelo era diferente desse de hoje em dia. Tinha uma pala, assim, toda plissadinha, aquela pala toda plissadinha. E uma gola marujo. Essas iniciais que tem nesse bolso hoje em dia, era nessa gola, CRF, C. R. em cada ponta da gola e o F era na gravata da roupa. Tanto da azul como na branca. Embaixo tinha aqueles torçal assim. A branca tinha uns torçal azul e a azul tinha os torçal branco. E ainda tinha mais um outro torçal assim. Aí depois que viemos pra cá, pro Alto Santo, aí que mudou a farda. Pra essa que se usa hoje em dia. Mas esses hinário, bem agora já no fim, com os últimos, alguns eu não assisti. Alguns eu não assisti a hora que ele recebeu, né? Mas tudinho eu estava sempre ao lado dele, ali. Sempre ao lado dele! Todos os hinos, sempre eu estava ao lado dele! De formas que, fui muito apegada a ele. Fui, não, eu sou! E Deus me livre de eu me afugentar, né? Eu não posso me afastar. Não posso mesmo me afastar (MATOS DA SILVA, 1990, p.2).

Em 1945, Mestre Irineu estabelece-se no local que ficou conhecido por Alto Santo, onde foi criada a comunidade religiosa pioneira, no quilômetro sete da estrada Custódio Freire, em terras doadas pelo Senador José Guiomard dos Santos53. Segundo Percília Matos, Mestre Irineu ―distribuiu pra muita gente. Todo mundo foi colocado. E o prazer dele era que todo mundo vivesse bem‖. Em 1935, casou-se novamente com Raimunda Marques Feitosa,

52 É nesse período também, por volta de 1936, que é criada a farda e o bailado no ritual. Adália Gomes contou que chegou na doutrina com dez anos e que já existia uma farda, ela viu a doutrina se formando. (GOMES, 2010).

53 Sobre essa questão relativa ao tempo, há outras versões. Na Cartilha Ecumênica, diz-se que Mestre Irineu chegou ao Acre em 1912, trabalhou como seringueiro por dois anos em Xapuri e, por volta de 1914, conheceu os irmãos Costa e passou a fazer parte do Círculo de Regeneração e Fé. Por volta de 1930, assentou-se como agricultor e, em 1945, foi para o Alto Santo (ALVES, et al., 2011, p. 16).

vivendo 20 anos com ela. Segundo Percília, a dona Raimunda ―decidiu que queria acompanhar a mãe dela e foi embora. Ainda hoje ela está em São Paulo! A mãe dela morreu‖. Conta que, isso ocorreu em 1955. Ela continua narrando sobre essa época que já era marcada pela presença de muitos discípulos:

Ah! Já tinha muita gente! Nessa época já tinha muita gente! Já tinha Maria Damião, Antônio Gomes e muitos outros. Uns são falecidos, outros já não moram mais aqui. E outros permanecem. Tem muita gente! Mas esse homem a gente só tem que venerar! Porque esse homem era o exemplo deste Acre. Ele aí, ele era delegado, era juiz, era promotor, era tudo! Dentro desta missão, não sabe? Os homens da lei não se preocupavam com esse povo. Nessa época, ninguém se preocupava. Antes, vinha era governador, era promotor, era secretário de polícia [...] Todo, esse pessoal todo, tudo vinha com ele, tomar opinião com ele. Todos chegava-se a ele! Queria fazer, resolver um negócio, mas tudo vinha com ele primeiro! Era o exemplo do Acre! Foi o exemplo do Acre, esse homem. Um Imortal. [...] Tem muitos primores dentro dessa casa. [...] Muitas coisas para se aprender e pôr em prática também (Ibid., p.4).

Quando Mestre Irineu mudou-se para o Alto Santo, em 1945, já reunia em torno de si um gurpo de pessoas, Percilia cita a chegada de Antônio Roldão e Chico Martins nesse ano. As narrativas em geral ilustram a criação do Alto Santo e as diferentes representações evocadas, assim como a gradual metamorfose da natureza de Mestre Irineu. Elas são indicativas do papel fundamental do campo simbólico no poder religioso advindo de Mestre Irineu como instaurador de um novo campo. Nesse sentido, é notável a narrativa de Luiz Mendes ao descrever a chegada dos companheiros do Mestre, primeira safra, segunda safra e outras:

Mas, meus irmãos, em se tratando do companheirismo, ou bem melhor ainda, daqueles com que o Mestre chegou a contar aqui na sua vivência materializada e até daqueles com que ele não chegou a contar, teve realmente muitos companheiros de valor também integrados na formação, no zelo, para que isso ainda estivesse assim como está, tão bom, tão agradável esse trabalho. Entretanto, se falou na primeira safra, e subentendemos que foram aqueles primeiros com que ele se relacionou: Germano, Antônio Gomes, João Pereira, Maria Damião, José das Neves, etc. etc. Mas aí houve outras safras depois. Por exemplo, já de segunda instância, ainda temos testemunhas vivas lá do Alto Santo, pouquíssimas: a esposa última de Antônio Gomes na pessoa da comadre Maria Gomes, Dª. Preta, Percília Matos, e poucos da terceira safra. E na quarta também fluiu a chegada de muitos companheiros de valor. O Padrinho Sebastião Mota de Melo – por sinal, nós chegamos quase que ao mesmo tempo, havia eu, acho que questão de meses, que estava nessa doutrina quando o Padrinho Sebastião Mota ingressou. Aquele que sem dúvida alguma também teve e tem – a gente diz teve porque também já se desencarnou – uma grande e valorosa missão a ser cumprida aqui na terra, como doutrinador que também foi. Eu tenho conhecimento assim até um pouco de perto da amizade, do respeito e da dedicação que o Mestre Irineu tinha para com o Padrinho Sebastião Mota (NASCIMENTO, 2005).

As pessoas que se tornaram discípulos de Mestre Irineu, chegavam em busca de tratamento, já desenganadas pelos médicos, muitos receberam a cura de suas doenças. Percília Matos fala sobre o trabalho de cura que começou em 1931: ―Os trabalhos de cura são sempre nas quartas-feiras, a não ser caso de urgência, e é só concentração, não se cantam hinos‖. Ela explica algumas particularidades desse ritual e, atualmente, como ficou sem a presença de Mestre Irineu em matéria: ―No trabalho, tem que ter três, cinco, sete, ou nove pessoas. De acordo com o nosso ritual, a cadeira da cabeceira da mesa fica vazia; dentro da concentração, chame o Mestre para aquele lugar.‖ Percília Matos sempre fez questão de ressaltar a atitude dos participantes no ritual de cura, e explica:

O trabalho de cruzes é para quando a pessoa está perturbada, a gente vê que não é ela, é um outro que chegou ali e está perturbando. Então se faz o trabalho com no mínimo três pessoas, incluindo o doente, começando sempre na quarta-feira. É necessário três trabalhos, continua na quinta e na sexta; se o caso for muito pesado, nove. Ou às seis da manhã, ou às seis da tarde, pois o sol é o nosso guia (MATOS DA SILVA, 1989/1994).

Há pessoas que chegaram, não beberam o daime e tiveram a cura por meio das receitas recebidas por Mestre Irineu. Em outros casos de histórias de cura, essas pessoas se tornaram seguidores e companheiros de Mestre Irineu. Antônio Gomes da Silva (nasceu no Ceará, em 30 de abril de 1885, chegou em 1921 no Acre, para trablhar na seringa.), destaca-se por ter recebido uma cura no tempo do Mestre e por ter uma família numerosa dedicada à doutrina. Adália Gomes, sua filha, tomou o Daime pela primeira vez com cinco anos de idade, e contou:

O meu pai tava com uma doença e José de Américo era muito amigo dele, viu ele procurando recurso e não encontrava médico, tudo quanto é trem e não encontrou, né, aí ele foi e falou pra ele que conhecia um senhor, que ele fosse lá com ele, que ele ficava bom, se ele quisesse ir, e era o mestre Irineu. Já ouviu falar? E meu pai disse que nunca ouviu falar. A coisa é boa, você quer ir? Aí ele disse: - Quero! Aí marcou um dia e foi lá com ele, aí mestre Irineu falou que ia fazer um trabalho pra ele, mas numa quarta-feira. então quarta-feira você venha. Quando foi quarta-feira pela primeira vez, ele chegou em casa dizendo que estava bom. Ele não comia, não dormia, ficava em casa andando e nesse dia ele chegou em casa e comeu, dormiu, aí pronto, foi melhorando com os trabalhos, né, e nunca mais saiu (ADÁLIA GOMES, 2010).

Dentre os herdeiros de Mestre Irineu, vamos destacar a presença de alguns de seus seguidores, especialmente os ligados à cura. Maria Damião, falecida antes de Mestre Irineu, recebeu um hinário considerado muito importante e de grande poder, em que deu seu testemunho. Dentre os mais antigos, temos os hinários dos mortos, testemunhos vivos de seus primeiros seguidores (Germano Guilherme dos Santos, Antônio Gomes da Silva, João Pereira, Maria Damião). Vamos destacar brevemente a história de Percília Matos da Silva, tida como a

contraparte espiritual feminina de Juramidã. Ela era a comandante geral da ala feminina e masculina do salão. Sua história de vida é de uma pessoa dedicada à missão de Mestre Irineu.

Em geral, há poucas referências à presença de mulheres consideradas xamãs no contexto mágico-religioso na América Latina. No contexto do daime, no Alto Santo no tempo de Mestre Irineu, as mulheres faziam parte da equipe de cura e assumiam papéis importantes de zeladoras da ordem nos rituais até responsáveis pelas sessões de abertura de mesa e de cura ou puxadoras dos hinários e encarregadas de zelar por estes. Porém, a presença de Percília Matos possui um destaque especial na história da doutrina como zeladora do trabalho de Mestre Irineu em muitos setores. Ela nasceu em Rio Branco, filha de Firmina Maria de Matos e Antônio Ribeiro de Matos, tornou-se professora, funcionária da Secretaria de Educação do município de Rio Branco, possuidora de muitos talentos: cantora, costureira e outras virtudes natas. Foi uma pessoa muito influente no sentido de auxiliar Mestre Irineu nas tarefas materiais e espirituais, muito respeitada e solicitada.

Na entrevista anteriormente citada, Percília narra que conheceu Mestre Irineu quando tinha oito anos. Na época, sofria de fortes dores de cabeça e febre, e, por volta de 1935, teve suas primeiras mirações e recebeu a cura. Ela nos relata que, após a morte do pai, passou a viver ―debaixo da proteção de Mestre Irineu‖, juntamente com sua mãe. Tinha 14 anos. Vivendo junto com Mestre Irineu, foi conhecendo a hierarquia da casa e recebeu a missão de ser a zeladora do hinário O Cruzeiro. Passou a adolescência envolvida com os trabalhos do Mestre, aprendeu a lidar com as ervas, com mesa de cura, assumindo responsabilidades com o ―pronto socorro‖, sendo sempre chamada para ajudá-lo em atendimentos de emergência. Mestre Irineu, ao receber seus próprios hinos, os passava a limpo com ela. Além disso, deu- lhe ordens para cortar os hinos que não estivessem de acordo. Assim como ocorrera com Mestre Irineu, Percília Matos recebeu um hino que apresenta seu nome no astral: ―o meu nome é Taio Cires Midã‖.

No hino nº 75, As Estrelas, Mestre Irineu afirma: ―no mundo se cura tudo‖. Contudo, Percilia faz uma uma ressalva: cura todas as doenças, exceto casos de ―sentença‖, pois existem doenças consideradas necessárias para a purificação dos pecados de pessoas que receberam um desígnio divino através de uma provação. O ―sentenciado‖ não pode alterar seu estado. Segundo Percília, é preciso ter conhecimento para identificar um caso de sentença, uma prova de fé. Em muitos casos de sentença, ocorre para alguns a morte. Outros podem viver um pouco mais carregando aquela doença e, com a ingestão do daime, a pessoa vai recebendo conforto para amenizar o sofrimento. A participação em sessões de cura e os trabalhos de concentração são poderosas formas de a pessoa adquirir mais consciência e

enxergar seu problema no astral para poder receber auxílio a fim de se conformar ou se redimir. Segundo Percília: ―O Santo Daime é um veículo que nós tomamos e através da concentração ele nos ajuda a alcançar. Alcançar as coisas divinas‖ (MATOS DA SILVA, 1990, p.14).

Percília Matos narrou vários casos de pessoas consideradas desenganadas pela medicina oficial. Ela sempre mostra, por meio de exemplos, a eficácia da cura desenvolvida por Mestre Irineu. Segundo ela, é preciso ter fé para vencer o desafio. A doença forma-se de uma ou várias causas espirituais. Ao estabelecer a relação entre sintomas físicos e espirituais, ela identifica uma associação entre o mal do corpo e do espírito, pois para toda enfermidade do corpo existe uma correspondência mental ou espiritual. Em seus relatos, ela menciona diversos remédios obtidos através de ervas medicinais. As recomendações de Mestre Irineu é que a pessoa não bebesse o daime se tiveesse tomando remédios.

Sobre exemplos de causas de doenças espirituais, Percília reconhece problemas gerados por ―encosto‖, uma espécie de enfermidade mental ou de possessão de espíritos. Segundo ela, há importantes seres divinos que buscam restabelecer a ordem espiritual na mente e no corpo do paciente. A consciência espiritual promove a cura. Os trabalhos de abertura de mesa são para fazer o diagnóstico dos enfermos para as sessões de cura ou então dispensá-los. Em algumas sessões participam o enfermo, o responsável pela cura e os demais fardados que auxiliam. Em geral, as sessões são realizadas com nove pessoas, além do necessitado. Todos possuem uma pequena cruz na mão, rezam o terço, ouvem instruções pronunciadas pelo dirigente da sessão. As leituras são de trechos extraídos de livros esotéricos (Rosacruz), do livro de São Cipriano e Cruz de Caravaca.

Na cerimônia, serve-se uma pequena quantidade de daime e todos fazem uma concentração para chamar os curadores. Os participantes se preparam com dietas adequadas, para poder beber o daime, fazer o trabalho de purificação e receber as visitas divinas que trazem a cura. As dietas podem ser de alimentação, mas, principalmente, de não pronunciar más palavras, grosserias, alterações e abster-se de bebidas alcoólicas e de sexo. Ela conta: ―[...] há muitos chamados de cura que não é permitido se chamar, só num ato de necessidade. E nem todas as pessoas sabem‖ (idem,p. 3). Entre os mais conhecidos, para o caso de doenças em geral, alguns espíritos podem ser chamados: Doutor Manacá para diagnóstico, saber se o doente é sentenciado ou não; outros seres, cada qual com sua especialidade, são: Tuperroxim; Arroxim; Amansador; Pacaca-Koxinnowaa; Tambori de Sempre; e chama-se Ensinador quando se trata de pessoas desorientadas. Percília explica, ainda, que outros seres divinos podem ser encontrados nos hinos de O Cruzeiro: Equior e Tucum. Equior tem o

mérito de anunciar ao doente que ele vai desencarnar. No caso de uma pessoa com doenças nervosas e perturbações, ela prefere não abrir mesa de cura, prescreve ―a linha do Tucum‖.

O testemunho de Percília mostra que as manifestações de cura são próprias dos trabalhos de Mestre Irineu e não possuem manifestações de trabalhos de incorporação por parte da equipe de cura. Observamos que não existe nenhuma menção nas narrativas e nos hinos do Mestre e de seus seguidores relacionada a cultos populares afro-brasileiros, como invocações a orixás, incorporação e outros aspectos da umbanda, e nem outras entidades ―de fora do trabalho‖ de Mestre Irineu54.

Destacamos ainda a história de vida de Raimundo Ferreira Loredo, conhecido por sua fama de ser o melhor feitor de daime de Mestre Irineu, possuía uma família numerosa, assim como muitos outros companheiros. Nasceu no seringal em Brasiléia e era filho de portugueses. Alistou-se no Amazonas durante a guerra e esteve embarcado num encouraçado que seguiria para a Itália, onde se juntaria a outros pracinhas que lutavam em Monte Castelo. ―Padrinho Loredo‖, como ficou conhecido, ingressou no grupo dos pioneiros em 1960. O daime feito por ele era consagrado por Mestre Irineu como daime de cura, o que significa dizer que o Mestre lhe deu o prêmio de melhor feitor de daime por obedecer às regras rígidas