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5 “A Tranqüilidade” nas fronteiras

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CAPÍTULO II: Rio Grande de São Pedro: A fronteira muito além do Império

II. 5 “A Tranqüilidade” nas fronteiras

É de suma importância perceber a miúdos as preocupações do governo da província, que iam, desde a colonização da fronteira até a estabilidade política, que garantiam a tranqüilidade pública. Essa questão foi recorrente nos relatórios provinciais entre 1848 e 1858.

Em 1849, pouco antes da guerra, que envolveu o Império Brasileiro e os governos das Repúblicas Argentina e do Uruguai, a chamada Guerra Grande, a situação na região de fronteira era descrita pelo presidente da província como sendo de calmaria tanto em relação aos nossos vizinhos no Prata, que com raras atuações de salteadores uruguaios mantêm total controle sobre o povoamento dois dos lados da fronteira.298.

Nesse momento, são traçadas de forma breve questões essenciais ao equilíbrio na região. O primeiro é o que questiona o trânsito de uruguaios na fronteira e a hostilidade uruguaia contra cidadãos brasileiros, o que não é percebido na antemão da responsabilidade de entendimento. Ainda assim, a paz e tranqüilidade na região transmitem uma aspiração internacional, visto que no interior da província essa paz era mantida sem conflitos.

No relatório ministerial de 1850 o conflito na fronteira e a movimentação de uruguaios foram apresentados de forma mais abrupta, sendo enfatizadas ações estrangeiras contra cidadãos brasileiros que viviam em solo internacional na região platina. A riqueza dos cidadãos Brasileiros, e consequentemente a Nacional, sofriam

297 Relatório da Secretaria de Governo, 1853, p.22

298 A discussão sobre a ocupação nas fronteiras foi discutida no relatório da Secretaria de Governo, 1849, p. 4.

uma considerável perda de milhares de contos com o roubo as propriedades de brasileiros e excursões sobre o território quando eram saqueadas as estâncias.

Ainda em 1850, o presidente da província, Pedro Ferreira de Oliveira299,

informava a instabilidade da província, o que de fato se explica pelos momentos anteriores à guerra.

Tendo, em cumprimento das ordens do governo imperial, de dar conta a V. Ex. do estado desta província, principiarei pela parte mais importante no estado actual de cousas, que é a Tranquilidade Publica, hoje tão alterada; passando depois a outros objectos: mas, bem que eu não fosse completamente surprehendido, como V. Ex. esperava, segundo me disse, é comtudo tão pouco o tempo que tenho para desempenhar este dever, que nem poderei ser minucioso em muitas cousas, nem me será possível recorrer aos archivos da secretaria ou pedir esclarecimentos ás repartições: e assim exporei quase tudo de pura memória300.

Essa instabilidade apesar de disfarçada nos relatórios ministeriais, estava presente, desde a Revolução Farroupilha, uma vez que mesmo após o seu término, em 1845301, ainda havia preocupação pelo destino, o equilíbrio e a segurança pública da

província. Após a pacificação do conflito no interior da província havia interesse de se conseguir restabelecer os bens de brasileiros no Uruguai. Nesses relatórios não se apresentam argumentos ou questionamentos sobre as propriedades uruguaias no Rio Grande, o que dificulta nossa apreensão sobre as dificuldades orientais em solo brasileiro302.

O relatório provincial de 1850 nos remete a questões importantes, criticadas pelo governo provincial: a guerra seria um conflito desnecessário e provocado por um grupo de agitadores, lideres de bandos organizados que atacaram o Estado Oriental. Tanto a historiografia brasileira quanto a Uruguaia não revelam o descontentamento rio- grandense com o conflito; em sua maioria, justificam o apoio dado pelos estancieiros para garantir suas propriedades. É evidente que não negamos esses interesses, mas é importante oferecer novas interpretações. Uma guerra na região provocaria mais conflitos e maior desgaste, o que dificultaria os projetos políticos de ocupação e fixação das fronteiras.

299 Assumiu o governo da província em 1850 n lugar de Pimenta Bueno. 300 Relatório da Secretaria de Governo, 1850, p.5.

301 É importante mencionar os estudos de Cesar Guazzelli sobre a relação de brasileiros e uruguaios na fronteira. A analise parte da premissa de uma relação estreita entre os farapos e os povos platinos. Guazzelli defende a concepção de que o Rio Grande do Sul constituía-se numa “região província”. Ou seja, semelhante com o que se passava nas províncias rio-platenses, havia no Rio Grande uma forte autonomia local, numa época em que o Estado-nação brasileiro era ainda inexistente. No contexto platino, as províncias eram soberanas e independentes, sendo estas as aspirações dos farroupilhas.

302A dificuldade sofrida pelos uruguaios não eram mencionadas nesses relatórios, mas o que chama atenção é a supervalorização do presidente da província em garantir que havia total segurança dos proprietários uruguaios, o que não acontecia em solo uruguaio. Relatório da Secretaria de Governo, 1850, p.4.

Desta louca pretensão se gerou outra pior ainda, e por cabeça mais elevadas, de obrigar o governo a subjeitar-se á vontade de alguns agitadores, acompanhando a sanha dos bandos desordeiros que fizerão organisar para aggredirem o Estado Oriental pelo ataque das forças empregadas a guarda de sua fronteira; e para arrebanharem quanto gado possão, seu ou alheio, afim de o passarem á quem da linha”303.

Uma das passagens, além da linha demarcatória foi mencionada no relatório de 1850 é a que diz respeito à entrada do Barão de Jacuí em território uruguaio. Esse ato foi criticado como uma ação que rompia o equilíbrio na região, apesar de ter sido razoavelmente justificável, pelo presidente, que reconhecia a incursão do Barão como uma reação ao saque da propriedade de sua família teria sido por indivíduos passados da província de Correntes.

O presidente da província304 tentava ainda impedir a empreitada de Jacuí com o

envio de uma carta que lhe pedia o retrocesso de sua ação militar pela província de Corrientes. Apesar do pedido e do envio dessa carta, sabemos que o proprietário de terras entrou em território uruguaio, que é interpretado pela historiografia brasileira305

como uma ação a favor dos proprietários brasileiros; já a historiografia do Uruguai306

nessa ação uma interferência política que deflagrou o conflito.

Quando o conflito teve inicio a vila de Bagé se tornou local de trânsito para as tropas, já que se localizava junto a fronteira com o Uruguai. O Barão de Jacuí dirigiu cautelosamente a marcha de pequenas partidas de maneira que se reuniram em Quarahim aglutinando trezentos homens, com que passou o rio. O barão foi atacado no dia 5 em Gatalan, pelas forças de Lamas307, foi batido e derrotado.

Em 1851, a fixação das tropas na região era vista como garantia para impedir a expansão das tropas inimigas, que saqueavam as propriedades locais. Uma das fronteiras que mais preocupavam era a seguia de Bagé até o Chuí, que segundo o presidente da pronvincia estavam pacificadas. Na fronteira de Bagé ficaram situadas as tropas de Osório, que enfrentaram dificuldades com a prisão de dois desertores. Além disso, havia dificuldades em alistar pessoas para o conflito. O recrutamento forçado era a opção vista como viável para o aumento do contingente militar, que receberia apoio a partir dos quartéis que seriam montados na região.

Em Bagé e nas demais cidades aonde se aglutinaram as tropas havia dificuldades para se estabelecerem quartéis. Os presidentes de província deviam comprar terrenos ou fortalecer os quartéis já existentes a fim de garantir o estabelecimento das tropas, que defenderiam a fronteira e atuariam em solo uruguaio e posteriormente argentino. Os militares que participavam da guerra recebiam homenagens pela condução de ações militares, o que era de práxis acontecia nas forças armadas.

303 Relatório da Secretaria de Governo, 1850, p.2

304 O presidente da província era João Antônio Pimenta Bueno.

305 Citamos Pandia Calógeras, Jose Honório Rodrigues e Maurílio de Gouveia como representantes dessa interpretação historiográfica. Tal discussão sobre a Guerra Grande foi apresentada no capítulo 1.

306 Os trabalhos de Fernando Assunção, Juan Zorrila de San Martín e Benjamin Nahum discutidos no capítulo 1 apresentam seus posicionamentos sobre as razões que levaram a Guerra Grande.

A guerra estourou em 1851 e os reflexos sobre a província eram claros. Mesmo nesse ano é interessante notar que o relatório da secretaria de governo afirmava haver tranqüilidade na província. Sendo um período sem hostilidade ou conseqüência a paz social. As impressões do relatório refletem um momento de calmaria, sem conflitos ou qualquer crime, o que de fato é contraditório, visto que ocorreu um aumento de 32% das queixas policiais realizadas nas cidades da fronteira.

O discurso político sobre a guerra diferenciou-se muito nesses dois anos. Apesar de ser elaborado dentro de uma perspectiva oficial, a diferenciação entre o ano que antecedeu o conflito e o que o fez emergir é conflitante. No segundo, a guerra é justificada e entendida como uma opção possível de restaurar a paz regional. Vale ressaltar que o relatório anterior afirmava não existir conflitos na região. A decisão do imperador em agir seria não só justificada, mas compreendida como necessária frente as hostilidades apresentadas.“A Provincia conserva-se tranqüila: apenas se nota essa agitação, esse movimento, que as épocas de guerra imprimem nos espíritos, mas que nada tem de offensivo, e hostil á paz publica”308.

Em 1852, o relatório novamente trazia o discurso de aceitação e de necessidade do conflito. A província só estaria pacificada após a guerra que retirou do poder os diatadores da Argentina e do Uruguai que não respeitavam os direitos de propriedade de proprietários brasileiros. Após guerra a segurança individual voltou a ser garantida. Os tratados de 1851 eram a garantia para a paz, por mais que agitações no Uruguai ainda fossem relatadas e alguns abusos contra proprietários. Apesar de o conflito estar ocorrendo na região sul, esta era apresentada como mais calma e segura do que as províncias do norte do Império.

. Os crimes na fronteira aparecem como prejuízo à integridade de cidadãos brasileiros, o que não podia ser visto no relatório de 1850, quando nenhum crime foi relatado nem por motivação de guerra, ou por outras razões. Desse modo, percebem-se mudanças dentro do discurso político. Antes do conflito os pronunciamentos visavam evitar ou até mesmo atenuar motivações que levassem a guerra, que depois de iniciada passou a ser justificada e aceita.

O quadro da segurança individual não é tão assustador como em algumas Provincias do Norte. Todavia ainda são freqüentes os attentados contra a vida dos cidadãos, particularmente nos municípios da Fronteira, em que a facilidade de auge para os Estados visinhos augmenta a audácia dos criminosos. Com a lei geral de 2 de Julho do anno passado é de crer, que elles diminuão, por isso que sua punição se torna mais certa, encarregada á juízes mais esclarecidos, imparciaes, e responsáveis. Mas só o tempo, a educação, e os progressos da industria é que virão a completar o pensamento da Lei, vencendo as causas de taes males309.

Mesmo vivenciando um conflito armado havia menor criminalidade na província do Rio Grande do que em outras do Império, sendo ainda inferior a alguns países. A garantia do equilíbrio e da menor criminalidade seria conseguida com a ação do corpo policial da província, que se encontrava organizada no período, mas que ainda 308 Relatório da Secretaria de Governo, 1851, p.4.

recebia auxílios para sua manutenção contínua e para contratação de um maior contingente em outros distritos. Ao término da guerra a província teria voltado à ordem e os custos começaram a ser calculados. O presidente da província informava os prejuízos provocados pelos conflitos aos rio-grandenses e o quanto essas guerras dificultavam o crescimento rio-grandense.

A segurança individual era um dos objetivos para a garantia da tranqüilidade pública. A menor criminalidade poderia ser alcançada a partir do enfrentamento de questões comuns as demais províncias e de outras peculiares ao Rio Grande. Essa singularidade estava na forma de ocupação que permitiu a fixação de povos dos países vizinhos que transformavam a fronteira não só num espaço de integração que unia a disputa e a vivencia comum. O imaginário sobre os povos vizinhos muitas vezes circulava pela percepção da criminalidade, da guerra civil, da anarquia política e na queda dos partidos políticos.

Após o conflito ocorreu um aumento da criminalidade na província. As razões apresentadas para seu crescimento estavam atreladas ao desemprego e a falta de compromisso de fazendeiros que acobertavam os desordeiros. A paz retornaria com novos investimentos que motivassem o emprego na agricultura e na indústria que livraria os rio-grandenses dos crimes e do ócio. 310.

II. 6 - As vias de acesso para a ocupação das fronteiras

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