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Transcrição de um trecho da aula observada no dia 23/10/2012, na turma

Universidade Federal de Uberlândia Faculdade de Educação

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TRANSCRIÇÃO DE UM TRECHO DA AULA OBSERVADA NO DIA 23/10/2012, NA TURMA DO PRIMEIRO ANO

Célia organiza as carteiras enfileiradas neste dia57. À medida em que as crianças chegam à sala, como

de costume, deixam o caderno vermelho (atividades de casa) em cima da mesa da professora, ao lado depositam a agenda e perguntam onde devem sentar58. Enquanto recebe os cadernos, folheia a atividade de casa e, neste dia, percebeu que Mayara não fez a atividade; perguntou em voz alta: ―Mayara, por quê você não fez a tarefa? Atividade de casa é exercício da mente!‖. A aluna responde que não deu tempo, teve que sair com a mãe.

Célia espera a maioria dos alunos chegarem, em seguida levanta, fica na frente dos alunos e informa o que farão nesse dia59: ―Atenção, gente, hoje nós vamos primeiro descer pro ―tanque e ducha‖, vamos ficar lá um pouquinho, depois, vamos subir pra fazer algumas atividades da letra R, antes de terminar nossa aula. Hoje a gente vai primeiro descer porque parece que vai chover, então vocês vão trocar de roupa pra gente ir lá pro ―tanque e ducha‖, mas eu quero todo mundo descendo organizado, sem fazer barulho, tá certo?

Os alunos ficam eufóricos e rapidamente trocam a roupa, a maioria já está com maiô, sunga ou biquíni embaixo do uniforme, então apenas tiram a roupa na própria sala, alguns vão até o banheiro e Célia espera todos se aprontarem para organizar a fila na porta da sala.

Neste dia, o espaço do ―tanque e ducha‖ ficou agitado, porque estavam três turmas juntas (provavelmente por causa da possível chuva). Como de costume, os alunos se subdividem em dois grupos: um fica na ducha para tomar banho e brincar na água, os demais vão para o parquinho na areia, que fica ao lado. Célia fica em um banco bem na frente da ducha, com visão total dos alunos que estão tomando banho e visão parcial dos que estão brincando no tanque de areia e parquinho.

Célia comenta comigo que é muito difícil observar os alunos quando tem todas as turmas juntas, porque fia muito agitado, é muita criança junta em um espaço pequeno. Um dos alunos de Célia, José, escorrega na área molhada e cai próximo à professora e eu. Ela o pega, verifica se houve machucado grave e, constatando que bateu a cabeça mas não sangrou, foi buscar gelo para passar no machucado e trouxe o aluno para junto de si enquanto fazia o procedimento. Pouco depois, ele pediu para retornar à ducha e ela permitiu, avisando para ter mais cuidado, pois o chão está mais liso do que o Curso Normal. Ele concorda e ela o libera.

Logo em seguida, a aluna Ariela chega chorando porque escorregou no tanque de areia; Célia observou o machucado, passou gelo também nela e, pouco depois liberou a aluna para brincar, com as mesmas recomendações feitas a José. Célia permanece atenta aos alunos, sempre que percebe alguns alunos correndo ou discutindo com outro, intervém e dialoga para que voltem a brincar sem riscos.

Enquanto observa os alunos, Célia e eu conversamos sobre formação e docência. Ela me fala de sua admiração por Paulo Freire e comenta que utilizou muito os ensinamentos dele quando teve que fazer o Trabalho de Conclusão de Curso na sua Graduação em Pedagogia, que foi na verdade um memorial, que relatava toda a

57 Célia afirma que só organiza as carteiras de forma tradicional em algumas aulas, geralmente em dias que fica

pouco tempo com as crianças, prefere em duplas, trios ou círculos. Essa diversidade de organização foi constatada no decorrer do período de observação, prevalecendo a arrumação não tradicional.

58 Célia indica a cada aluno a carteira em que deve sentar, posição que muda diariamente. Segundo Célia, essa

arrumação lhe permite integrar os alunos entre si e deixar sempre alguém que está mais desenvolvido ao lado de outro que está em processo de aprendizagem, especialmente em relação à leitura e escrita.

59 Este dia foge da rotina da professora, pois ela fica pouco tempo com os alunos na sala, pois antes do lanche

precisa levá-los para o ―tanque e ducha‖ e, após o lanche, deixa os alunos aos cuidados do professor Paulo e depois eles ficam até a saída com a professora Adriana.

sua trajetória escolar e acadêmica, buscando fundamentações teóricas e uma justificativa para o curso que escolheu.

Também me relatou o drama que passou ao longo de sua vida escola com a disciplina Matemática, por causa de um trauma com uma professora quando cursava a 4ª série (hoje correspondente ao 5º ano), que lhe marcou de forma muito intensa e negativa e permanece até o momento atual.

De acordo com Célia, sua professora de 4ª série era muito rígida e ela, tímida, tinha muita vergonha de perguntar; sua mãe era professora e, percebendo sua dificuldade foi falar com a professora que expôs a situação na frente da turma e ridicularizando-a. Célia fala que a partir daí a situação piorou, pois a forma com o a professora a tratava era terrível e ela só conseguiu passar de ano porque sua mãe lhe dava aulas em casa.

Daí em diante, segundo Célia, seu trauma foi aumentando e a disciplina se tornou um tormento, não conseguiu superar suas dificuldades, chegou a reprovar duas vezes por causa dessa matéria. Perguntei então, se isso não atrapalhou na decisão de ser professora, pois tem que dar aulas de Matemática.

Célia respondeu que não, porque sempre quis ser professora, como sua mãe e outras pessoas da família, desde pequena era fascinada por dar aula, mas sente muitas dificuldades e tenta superar estudando e procurando não ser como aquela professora. Por isso também, sempre que pode, associa o lúdico na aprendizagem da Matemática por seus alunos, um de seus medos é provocar neles o mesmo trauma que sofreu. Mas Célia assume que ainda não teve coragem suficiente de lidar com turmas de 5º ano, correspondente à de seu trauma, que está se preparando porque acha que precisa passar por isso e um dia vai trabalhar com essa turma, mas espera que seja bem mais tarde.

Quanto às turmas que trabalhou, Célia fala que a maioria das turmas que trabalhou eram do 3º ano, então ela já lida bem com os conteúdos dessa série, no primeiro ano é a primeira vez que trabalha, sua preocupação é não ser muito conteudista, usar muito o lúdico e ter cuidado com a linguagem, principalmente quando vai chamar a atenção dos alunos, pois são muito sensíveis. Fala que sempre lembra de Paulo Freire em suas aulas, especialmente nesse aspecto, em que procura não ser ―nem doce demais nem amarga‖ no tratamento com as crianças.

Finalizado o tempo do ―tanque e ducha‖ sem outras ocorrências de acidentes, Célia chama os alunos que se organizam em duas filas, uma de meninos e outra de meninas, dirige-se à sala de aula para prosseguir com as atividades.

Ao chegar à sala, encaminha e acompanha alguns alunos para o banheiro para fazer as trocas de roupa, enquanto parte da turma fica na sala já vestindo o uniforme por cima do traje de banho mesmo. Ao retornar para a sala com os alunos arrumados e em seus lugares, percebe que Ariela e Luan, dois pequeninos que sempre sentam na frente, não estão bem localizados e troca-os de lugar, os colegas não reclamam da troca.

Célia então distribui os cadernos de atividade da sala para todos, já aberto na página da atividade que farão60 e que já foi colada por ela. Avisa que neste dia os alunos vão precisar da ficha com o nome e eles levantam para pegar no fichário que fica pendurado na parede da frente da sala61. Em seguida, avisa que eles

devem escrever seus nomes no início da atividade, com auxílio da ficha.

Enquanto os alunos escrevem seus nomes, Célia passa de carteira em carteira para ver o que estão fazendo e faz alguns comentários em voz alta: ―Olha, eu estou vendo cada letra bonita aí nessa folhinha!‖ ―Nossa, mas tem uns alunos caprichando na letra cursiva, hein? Precisamos fazer mais exercícios para trabalhar a letra cursiva‖.

Um dos alunos, Luís, chama Célia até sua carteira e fala baixinho que já leu a 2ª questão. Célia, demonstrando surpresa e alegria, comenta em voz alta: ―Você leu sozinho? Conta pra mim‖. E, aproximando-se de Luís espera sua leitura; ao final, aplaude e comenta que ele leu muito bem, que ela ficou muito feliz.

60 Célia cola a atividade do dia no caderno antes de realizar com os alunos, geralmente faz essa tarefa pela manhã

ou no início da aula, enquanto recolhe as tarefas de casa e organiza a sala.

61 Na ficha está escrito o alfabeto em letras bastão e cursiva e no verso, os nomes dos alunos também em letras

bastão e cursiva, além de um cabeçalho nas duas formas de escrita; serve para orientá-los na escrita de algumas atividades ou quando precisam escrever o nome completo.

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