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3. ILUMINURAS FOTOGRÁFICAS

3.1 Transcriação I

FIGURA 2 – Poema O Fotógrafo I

Fonte: Manoel de Barros, Livro Ensaios Fotográficos (2000, p.11).

FIGURA 3 – Poema O Fotógrafo II

Fonte: Manoel de Barros, Livro Ensaios Fotográficos (2000, p.12).

FOTOGRAFIA 1 – Revelográficos

Fonte: Julliana Barra (2022).

3.1.1 Nota sobre a fotografia

No poema “O Fotógrafo”, primeiro poema do livro Ensaios Fotográficos, Manoel de Barros já demostra sua intenção com esta obra, entrar no mundo das imagens através da poesia.

Aqui, prenuncia-se o diálogo entre imagem verbal e imagem visual. Nesse sentido, como afirma Rossoni (2007, p.24), “o poeta age pelo jogo no/entre códigos. Percebe-se também fotógrafo e confere vida ao sentido mais íntimo e vital do poema”. O poeta então, com sua câmera em mãos, sai a capturar imagens poéticas, que de antemão a própria fotografia não conseguiria captar. As imagens vão se desenrolando ao longo do poema ao ponto que o narrador/poeta vai as descrevendo

em sequência de acontecimentos. A primeira cena a ser capturada é a do silêncio que carregava um bêbado na rua, e assim o poeta decidi fotografar o carregador do bêbado, o silêncio. Como fotografar algo que não se vê então? O que seria o silêncio para a imagem fotográfica? Na segunda cena a ser clicada pelo fotógrafo/poeta, Barros fotografa o perfume, o cheiro, o odor do jasmim no beiral de uma casa. Mais uma vez temos uma imagem poética de algo que a imagem visual não conseguiria captar. Em sequência, o poeta fotografa a existência de uma lesma, um sentimento como o perdão, o sobre, e por fim a Nuvem de calça do poema de Maiakovski, e assim a foto pega delírio por ter saído legal. A câmera revestida pelo olhar do poeta materializa, dessa forma, através da palavra, o que na fotografia não se materializaria.

Na fotografia, como transcriação poética, buscamos materializar esses signos expostos pelo poeta na forma de imagem poética visual. Temos assim uma sequência de cenas/cliques materializados no negativo que foi revelado no papel fotográfico. O negativo tem algo do silêncio da imagem, imagem que ainda está no silêncio, que ainda não foi revelada. Nesse sentido, como o silêncio pode ser a ausência da voz, da palavra, temos na fotografia o espaço vazio entre as fotos, a parte do negativo superexposta na hora da revelação a fim de captar a ausência da imagem. Como o perfume, temos a captura da fumaça do café recém passado, uma imagem sinestésica que ativa a memória olfativa através da vivência de cada intérprete em relação ao objeto fotografado. Como existência, temos a sombra refletida na água, a sombra da própria fotógrafa, refletindo e reafirmando a sua existência no ato fotográfico através do jogo de luz e sombra. Como o perdão, temos o registro de um momento entre um avô e suas filhas, já como signo do sobre, temos os musgos encrustados na casca de uma árvore. E por fim, temos a fotografia do manuscrito do poema Auto-retato aos 80, do próprio poeta Manoel de Barros. Em um trecho do manuscrito o poeta relata, “o amanhecer em mim é germinal: me renasce. Experimento o gozo de criar. Experimento o gozo de Deus”. Assim como no trecho, através da transcriação buscamos esse gozo de criar imagens fotográficas, ao ponto de pegar delírio, e a foto “sair legal”.

3.2 Transcriação II

FIGURA 4 – Poema Gorjeios

Fonte: Manoel de Barros, Livro Ensaios Fotográficos (2000, p.13).

FOTOGRAFIA 2 – Gorzeância

Fonte: Julliana Barra, 2022.

3.2.1 Nota sobre a fotografia

Gorjeios é o segundo ensaio do livro Ensaios Fotográficos. Barros nesse poema traz (en)cantações através do exercício do signo seduzido, signos que comprometem os sentidos a novas experiências. O exercício fotográfico aqui se deu em tentar capturar esse signo seduzido, sensualidades e sensibilidades pela quase sinestesia. A árvore é escolhida para um concerto à céu aberto, para o exercício da sedução através do gorjeio, onde pega delírio. Para Rossoni, a sedução pela quase-sinestesia é o centro do poema:

O que manifesta intensidade ao termo “gorjeio” é o impregnar-se de algo a mais que o similar, “canto”. Dele emanam cercanias anagramáticas desconcertantes e fecundas da ordem do gozo, gotejo, gomoso, orgia (ROSSONI, 2007, p.28).

As árvores, através do signo seduzido, enlouquecem e deliram. Gozam e são gorjeadas, através da sagração copular da natureza. O elemento árvore então sofre processo de humanização, de elemento de maior teor estático, torna-se um elemento dinâmico, o elemento que não só sofre o efeito, mas atua. Ao passo que moça e pássara passam a ser elementos estáticos, reduzidas a fatos. Não é a moça ou a pássara que delira, são as árvores. A gota de gozo, de suor, que escorre pela textura da árvore então é fruto desse delirar enlouquecido da árvore. A moça deitada entre as flores na parte debaixo da foto representa esse elemento de quietação, estático, assim como o passarinho pousado num galho, esses dois elementos se encontram então de forma estática e em segundo plano na fotografia. O tronco e a gota assumem aqui contextura de soberania, são os elementos de mais textura e centralizados na foto. O poema ainda traz signos de suspiros, coração em alvoroço, cores e tonalidades que turvam aos olhos, como um alvorecer úmido, com céu pintado por mistura de cores e tonalidades como o laranja e amarelo. Assim como Manoel de Barros quebra as “regras” e padrões de norma da escrita através da sua poesia, aqui intencionou-se quebrar e fugir da composição fotográfica harmoniosa onde o elemento principal é posto sob um dos pontos de junção da regra dos terços. Aqui o elemento principal encontra-se centralizado e em primeiro plano na foto, o que acaba por causar certa estranheza ao olhá-la já que quebra o ritmo do olhar, forçando os elementos pássaro e menina a ficarem mais estáticos em segundo plano. Através das tonalidades, desfoques, nuances de cores, elementos em diferentes planos e textura, procura-se aqui sugerir paisagem “prenhe de libidinosa sublimações”, como afirma Rossoni (2007, p. 28), sobre o poema.

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