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1.5 OUTROS TEMAS DISCUTIDOS NOS ESTUDOS FUNCIONALISTAS

1.5.4 Transitividade e relevância discursiva

Hopper e Thompson (1980 apud PEZATTI, 2004) apontam a alta correlação entre o relevo discursivo e o grau de transitividade da sentença. A partir dos seus objetivos comunicativos e de sua percepção das necessidades do ouvinte, o falante distingue no seu texto o que é central e o que é periférico, ou seja, o que é figura e o que é fundo. Figura remete à parte do texto que traz o conteúdo discursivamente relevante. Diz respeito, portanto, à comunicação central, à seqüência temporal de eventos concluídos. Fundo é a descrição de eventos simultâneos à cadeia da figura. Por exemplo, pode se referir à descrição de estados, localização dos participantes da narrativa e comentários avaliativos. A parte do texto denominada figura, portanto, compreende o esqueleto do texto e o faz progredir, enquanto o fundo tem a função de cobrir essa estrutura básica, sem, portanto, contribuir para a progressão discursiva.

Como destaca Pezatti (2004), as línguas possuem certos recursos morfológicos e sintáticos, que orientam o destinatário na distinção entre figura e fundo.

A transitividade, por sua vez, refere-se, tradicionalmente, a uma propriedade global da oração inteira, de tal modo que se carrega ou se transfere uma atividade de um agente para um paciente. Em geral, orações com alta transitividade são justamente as porções do texto correspondentes à figura; e orações com baixa transitividade correspondem ao fundo do texto. Existe, portanto, como indicaram Hopper e Thompson, uma correlação forte entre a marcação gramatical dos parâmetros da transitividade e a distinção entre figura e fundo.

Pezatti (2004) aponta ainda o ponto de vista e fluxo de atenção, a estrutura argumental preferida e fluxo de informação e o processo de gramaticalização (tema ao qual se dedica um dos capítulos desta pesquisa), como temas relevantes discutidos no âmbito do funcionalismo.

Cumpre relembrar que não se fez neste capítulo uma exposição de todas as vertentes de estudos funcionalistas, e nem tampouco uma consideração exaustiva das

principais correntes de estudos. Pôde-se, contudo, constatar, a variedade de propostas existentes no funcionalismo contemporâneo. A depender da proposta considerada, a brecha entre os estudos formalistas e os estudos funcionalistas ora aumenta, ora diminui. No entanto, a importância atribuída à situação comunicativa é uma característica claramente observada nas vertentes funcionalistas, por mais diferenciadas que sejam. Segundo Cunha et al. (2003), a “necessidade de investigar a sintaxe nos termos da semântica e da pragmática é comum a todas as abordagens funcionalistas atuais”. A estrutura é, portanto, uma variável dependente dos usos que se faz da língua ao longo do tempo.

É nesse cenário bastante heterogêneo que a mudança lingüística tem sido tratada pelos funcionalistas. As teorias da gramaticalização, do localismo e dos protótipos, temas funcionalistas relevantes, fornecem um bom embasamento teórico para o estudo dos processos de mudança, envolvendo as preposições e os prefixos, e a essas teorias serão dedicados os dois próximos capítulos.

2 A TEORIA DA GRAMATICALIZAÇÃO

A teoria da gramaticalização, bastante desenvolvida nas últimas duas décadas4, e que se tornou um dos temas mais discutidos na investigação funcionalista atual, propõe-se a rastrear o percurso de surgimento das palavras gramaticais. O estudo desse tema revigorou os estudos da mudança lingüística no âmbito do funcionalismo. Vários pesquisadores no exterior e no Brasil têm elaborado trabalhos minuciosos sobre o tema.

Schlieben-Lange (1994) aponta para o fato de as pesquisas sobre gramaticalização serem capazes de efetuar generalizações relativamente abrangentes por disporem de uma grande quantidade de dados das mais diversas línguas. E essas pesquisas sobre os processos de gramaticalização comprovam o caráter não-estático da língua. As línguas estão em constante mudança. Conforme observou Cunha, Costa e Cezário (2003, p. 50), há uma “incessante criação de novas expressões e de novos arranjos na ordenação vocabular”.

A gramaticalização compreende a trajetória de regularização de elementos lingüísticos, provocada por pressões de uso. O uso, a repetição freqüente, faz com que o emprego de determinados elementos se converta em norma. Assim, o que era casuístico se regulariza, entrando na gramática. Pode acontecer também que elementos já gramaticais se tornem ainda mais gramaticais. Barreto (2004) observou, no seu estudo sobre as conjunções, que formas mais gramaticais parecem ter maior facilidade em se tornar ainda mais gramaticalizadas, enquanto formas menos gramaticais parecem ser mais resistentes à gramaticalização. Isso explica o fato de a maioria das, usando a terminologia das gramáticas normativas, preposições essenciais ser também usada como prefixo na língua portuguesa, como o corpus desta pesquisa demonstrará. Os dois casos, tanto o de um elemento lexical se tornar gramatical, como o de um elemento gramatical se tornar ainda mais gramatical, podem ser exemplificados em situações de mudança envolvendo as preposições. Alguns elementos, por exemplo, pertenciam à classe dos substantivos. Eram usados, portanto, de uma forma mais casuística, podendo ser empregados de várias maneiras e em diferentes posições na sentença. Contudo, a repetição freqüente fez com que esses elementos adquirissem um caráter mais regular, relacional e, portanto gramatical, levando-os, por fim, a se transformarem em preposições. Posteriormente, essas preposições passaram a ser empregadas em crescente

4 Mas, como esclarece Costa (2004), desde o século X, os chineses já se indagavam sobre as diferenças entre palavras lexicais e gramaticais.

número de situações comunicativas e, novamente, a repetição freqüente atuou no sentido de atribuir a algumas preposições um caráter ainda mais gramatical. Daí, originaram-se os prefixos derivados de preposições.

Costa (2004) explica, adicionalmente, que a gramaticalização se refere a um crescendo funcional e abstratizante, a partir de processos fônicos (justaposições, fusões, reduções, reforços) e de processos semânticos (generalizações metafóricas, contaminações metonímicas). As palavras gramaticais, como as preposições e os prefixos, seriam, portanto, etapas de processos diacrônicos, resultantes de mudanças que afetaram palavras lexicais, nos níveis semântico, sintático, mórfico e fônico.

De acordo com Schlieben-Lange (1994), observa-se freqüentemente a aplicação de princípios cognitivos na pesquisa sobre a gramaticalização. Heine e Reh (1984 apud CASTILHO, 1997) pressupõem, por exemplo, que os tipos de gramaticalização por eles verificados são cognitivamente interpretáveis. Na verdade, a teoria da gramaticalização apresenta uma forte tendência à integração, por exemplo, pela incorporação de reflexões cognitivas e por sua abertura para propostas pragmáticas.

Assim, a atenção dada ao processo de gramaticalização pelos funcionalistas justifica a afirmação de Pezatti (2004, p. 177) de que a “gramaticalização representa um subparadigma teórico no entorno da teoria funcionalista”. Baseando-se, principalmente, em alguns dos artigos de Castilho, examinar-se-á, nos próximos itens, parte da literatura sobre o assunto.