• Nenhum resultado encontrado

A via oral, embora não muito relatada, é considerada um mecanismo de infecção de T.cruzi para o hospedeiro vertebrado. A aquisição da infecção por T. cruzi por via oral tem caráter habitual e freqüente no ciclo silvestre do parasito; mamíferos silvestres podem adquirir a tripanossomíase americana ingerindo triatomíneos e reservatórios infectados. Esta via de transmissão no homem pode ocorrer de maneira acidental e esporádica, seja pela ingestão de alimentos contaminados por triatomíneos ou suas dejeções, seja pela ingestão de carne de caça crua ou mal cozida ou de alimentos contaminados pela urina ou secreção anal de marsupiais infectados (DIAS, 2006).

No campo experimental, inúmeros estudos foram realizados para comprovar este mecanismo de transmissão. Deste modo, Mayer e Rocha Lima, em 1914, realizando experimentos com camundongos, adicionando gotas de sangue infectado na mucosa bucal destes animais, obtiveram positividade para os testes. Em seguida, em 1921, Nattan-Larier utilizando a mesma metodologia observou que camundongos se infectaram após ingerirem sangue contaminado com T. cruzi. (RIBEIRO; GARCIA; BONOMO, 1987).

Dias, em 1933, em um laboratório de pesquisa, observou que um espécime de tatu, após a ingestão de triatomíneo infectado, apresentou o parasita em seu organismo. Este mesmo autor, em meados de 1935, confirmou a transmissão da infecção por ingestão de insetos infectados testando em animal doméstico (gato), obtendo positividade ao realizar o xenodiagnóstico. Posteriormente, em 1952, Vergani fez com que moscas ingerissem sangue contaminado com parasitas e, em seguida estas moscas infectadas serviram de alimentos para cães, os quais apresentaram parasitemia.

O maior número de experiências foi realizada entre as décadas de 1960 e 1980, por Carlos Dias Ungría, da Venezuela, que trabalhou com cães, cobaias e roedores, todos infectados por T. cruzi através da via oral. Jansen e Deane, em 1985, descrevem a infecção de camundongos após estes terem ingerido alimentos contendo secreção anal de gambás contaminados. O histórico de pesquisa laboratorial revela, portanto, que a infecção de T. cruzi pela ingestão de formas infectantes do parasito se tornou um mecanismo de transmissão de ocorrência possível (DIAS, 2006; RIBEIRO; GARCIA; BONOMO, 1987).

O primeiro registro de doença de Chagas humana, adquirido por esta via, foi relatado em meados de 1965, em Teutônia, no estado do Rio Grande do Sul, atingindo 17 pessoas; destas, a princípio sem diagnóstico efetivo, 6 foram a óbito. Foi excluída a possibilidade de transmissão natural pelo vetor, pela inexistência de triatomíneos na área e pela ausência destes nas exaustivas pesquisas que se procederam no local, porém, o encontro de marsupiais naturalmente infectados por T. cruzi tem levado alguns pesquisadores a admitirem que o mecanismo de aquisição da infecção tenha sido pela contaminação de alimentos pela urina destes animais contendo T.cruzi, servida na merenda da Escola Agrícola de Teutônia (DIAS, 1997).

Um outro relato, ocorrido em Belém do Pará, em 1968, considerados os primeiros casos autóctones deste estado, refere-se a uma família constituída por 4 pessoas, todas estas apresentando quadros clínicos característicos da fase aguda da Doença de Chagas. Todos haviam nascidos em Belém e as evidências indicavam que a infecção tinha sido adquirida naquela cidade e na mesma época. Foi descartada a transmissão vetorial pela ausência de triatomíneos na casa e nas cercanias onde foram pesquisados 409 domicílios. Após estas pesquisas, foi sugerido que, provavelmente, a transmissão teria ocorrido pela ingestão de alimentos contaminados com fezes de triatomíneo silvestre que, atraído pela luz, invadiu a casa e acidentalmente contaminou o alimento (DIAS, 1997).

Shikanai-Yasuda et al. (1991) descreveram casos clínicos de um surto epidêmico de doença de Chagas agudo no interior do estado da Paraíba, em Catolé da Rocha. A microepidemia foi detectada em 1986, onde 26 pessoas apresentaram quadros clínicos agudos, característicos da doença e uma dentre as 26 pessoas foi a óbito.

A pesquisa epidemiológica revelou a presença de Triatoma brasiliensis infectados nas cercanias da fazenda, porém não foi encontrado nenhum espécime no interior dos domicílios onde estavam hospedadas estas pessoas; foi, também, observado alto índice de infecção por T. cruzi em marsupiais. Estes dados associados com as informações relativas aos alimentos consumidos sugeriram que a contaminação do caldo de cana tenha se originado de secreções de marsupiais naturalmente infectados ou de triatomíneos infectados que poderiam ter sido esmagados durante o preparo da garapa (SHIKANAI-YASUDA et al., 1991).

Há muito tempo, a Amazônia brasileira vem sendo considerada uma área não endêmica de doença de Chagas humana a despeito da ocorrência do ciclo enzoótico envolvendo mamíferos e triatomíneos silvestres. Entretanto, o ambiente natural vem sendo alterado pelas atividades

humanas de modo que o desequilíbrio vetor-hospedeiro pode estar ocorrendo e, devido a isto, o número de casos humanos da doença de Chagas na Amazônia brasileira está em ascensão.

Em termos de ocorrência, foram observados, em janeiro de 1998, 152 casos, dos quais 121 eram agudos que resultaram em 5 mortes e os 31 restantes, casos crônicos. No Pará, foram notificados 71 (47,9%) casos; no Amapá 51 (34,5%); 14 (9,5%) no Amazonas; 9 (6,1%) no Maranhão e 7 (4,5%) no Acre. Segundo os autores, estes dados se referiam somente às notificações enviadas ao Instituto Evandro Chagas e, que poderiam estar representando uma pequena amostra da real situação. (VALENTE et al., 1999).

Ainda, segundo o estudo realizado, o estado do Pará apresentou o maior número de casos porque em Belém tem-se maior facilidade para se diagnosticar a doença ao contrário dos estados de Roraima e Rondônia nos quais há falta de um sistema de notificação e de pessoal médico qualificado para reconhecer casos agudos da doença de Chagas.

Os dados de transmissão associados com micro-epidemia envolvendo famílias inteiras sugeriam transmissão por ingestão já que havia ausência de triatomíneos dentro dos domicílios. Dos 121 casos agudos relatados, 67 (55,4%) estão relacionados com episódios observados em famílias. Abaixo, na Tabela 3, estão relacionados os surtos de micro-epidemia ocorridos na Região Amazônica, no período de 1968 a 1997. Naquela época a possibilidade de aquisição da infecção por ingestão parecia ser a melhor hipótese para explicar o aumento do número dos episódios. Esta nova proposta de transmissão oral para os 14 episódios foi inicialmente questionada devido à dificuldade de demonstrar este tipo de transmissão (VALENTE et al., 1999).

Esta hipótese foi provada quando, em 1997, Valente et al. notificaram um episódio, no estado do Amapá, envolvendo 17 pessoas que adquiriram a infecção ingerindo suco de uma fruta de palmeira, o açaí. Triatomíneos silvestres atraídos pela luz, possivelmente, caíram na máquina usada para processar a fruta resultando em suco que foi infectado pelo esmagamento dos insetos. (VALENTE et al., 1999).

Tabela 3. Episódios de micro-epidemia familiar da doença de Chagas na Amazônia brasileira, nos anos de 1968 a 1997.

Episódio Origem Ano Nº casos Autores

1 Belém - PA 1968 4 Shaw e cols. 1969

2 Belém - PA 1983 3 Souza e cols.a

3 Macapá - AP 1984 6 Rodrigues e cols. 1888

4 Macapá - AP 1984 2 Rodrigues e cols. 1888

5 Belém - PA 1988 3 Souza e cols. 1989

6 Cametá – PA 1988 5 Souza e cols.a

7 Icoaraci – PA 1991 4 Crescente e cols. 1992

8 Afuá – PA 1992 5 Valente e cols. 1993

9 Rio Branco – AC 1993 3 Viana e cols. 1994

10 Viseu – PA 1996 3 Valente e cols. 1997

11 Belém - PA 1996 4 Valente e cols. 1997

12 Mazagão – AP 1996 17 Valente e cols. 1997

13 Belém – PA 1997 4 Valente e colsa.

14 Santana - AP 1997 4 Valente e cols. 1998

Total de casos 67

Tabela 3: casos não publicados Fonte: Valente et al., 1999.

A ocorrência de casos de doença de Chagas aguda relacionada à ingestão de alimentos contaminados, até o ano de 2004, era pouco relatada e pesquisada, no entanto, o crescimento de números de casos ou de micro-epidemias, principalmente na região amazônica é evidente (MINISTÉRIO DA SAÚDE , 2007).

Merece ser destacado, tendo em vista sua atualidade, bem como a sua repercussão internacional, o açaí fruto típico da Amazônia, muito comercializado internamente em nosso país, consumido praticamente em todos dos estados brasileiros, e exportado na forma de polpa ou sucos, dada às suas características energéticas, rico em proteínas, fibras, lipídeos, vitaminas, minerais e, em especial elevado teor de pigmentos antocianinas, recomendados no controle do colesterol (GARDENAL, 2002).

O suco de açaí é um alimento muito consumido pelas famílias residentes na Região Amazônica; é extraído de uma palmeira, a urucuri, reconhecida por ser um habitat de

triatomíneos silvestres (Rhodnius pictipes e R. robustus). Estes insetos freqüentemente são encontrados infectados por T.cruzi (VALENTE et al., 1999).

Quando o açaí é industrializado recebe o tratamento adequado para seu consumo, isto é, a polpa do açaí obtida passa pelo processo de pasteurização, onde é aquecida numa temperatura que oscila de 80ºC a 90ºC e imediatamente resfriada, eliminando assim qualquer organismo patogênico, inclusive o parasito, T.cruzi. Entretanto, grande parte da coleta do açaí é preparada e consumida pela população residente na zona rural, em regiões onde este tipo de palmeira é encontrado em grandes quantidades constituindo assim, a sua principal fonte de alimento (DIAS, 2007).

Conforme, noticiou a Folha On-line, em maio de 2007, cerca de 25 pessoas foram contaminadas por T.cruzi, em Coari (AM), depois de terem consumido o suco deste fruto, resultado de preparo artesanal. Desde junho de 2006, foram relatados 116 casos agudos de doença de Chagas adquiridos após a ingestão do suco de açaí, triturado com o barbeiro.

Recentemente, em Santa Catarina, no município de Navegantes, próximo às margens da rodovia BR-101, local conhecido como Penha II, em março de 2005, conforme noticiou a Folha On-line, 19 pessoas após ingerirem caldo de cana, contraíram a doença de Chagas, sendo que 3 pessoas foram a óbito.

As pesquisas epidemiológicas indicavam que havia possibilidade da bebida ter sido contaminada com fezes de triatomíneos ou até mesmo de alguns terem sido esmagados com a cana e, ainda mostravam que a cana utilizada para extração do suco simplesmente ficava num barracão, amontoada e exposta ao relento, bem próximo à mata fechada. O proprietário do quiosque, vendedor do caldo de cana bem como de outros artefatos artesanais, dissera que nunca teve problemas com higiene, e nem tampouco, com a vigilância sanitária, porém, não soube responder quando ocorreu a última visita desta.

Em síntese, a Vigilância Sanitária da Secretaria de Saúde, suspeitou que barbeiro infectado abrigou-se nas canas, onde depositou as fezes. No final das investigações epidemiológicas foi descoberto barbeiro junto a estes produtos artesanais (toalhas) e um gambá capturado nas proximidades, onde se constatou, neste animal, a presença de T. cruzi, que poderia então ter realizado as contaminações (REIS, 2005; SANTA CATARINA..., 2005; TORTATO, 2005).

Em contra partida, a Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, dando seguimento ao estudo deste surto, informou que foram investigados, no total, 156 casos suspeitos da doença, dos quais 24 confirmados e 3 evoluíram a óbito (BRASIL, 2005).

Documentos relacionados