• Nenhum resultado encontrado

Meio de transporte: relatos de experiência sentindo sentidos e significando o sentido da viagem

Entre as possibilidades de novos olhares para a realidade, diferentes da tradição metafísica, a fenomenologia coloca em cena “um ponto de tensão para o discurso tradicional metafísico relativo ao conhecimentos: o problema da perspectiva”(CRITELLI, 1996, grifos da autora), já que invoca o caráter de provisoriedade e relatividade da verdade. Assim, o conhecimento é permitido exatamente na aceitação da insegurança do existir, do desalojamento humano, no e pelo contato entre o homem e o mundo, isto é, entre o homem e a experiência que têm de seu mundo. Assim, o olhar fenomenológico possibilita o talhamento de um olhar (CRITELLI, 1996), moldando-o e despindo-o, possibilitando uma aproximação entre o sujeito moderno e sua experiência.

Para BENJAMIN, a pesquisa se mantém e se detém no estudo do fenômeno, não para dele dar uma descrição ingenuamente positivista, mas, pelo contrário, para lhe restituir sua dimensão de objeto “bruto”, único e irredutível. (GAGNEBIN, 1989) O tema da possibilidade de conhecimento a partir da formulação de sentidos sobre a prática, se coloca de maneira

muito clara em BENJAMIN (1933, 1936, 1985). Para este autor, é a narrativa, como forma artesanal de comunicação na qual a matéria prima trabalhada são as vivências, que é capaz de dar significado e contextualização ao vivido. A narrativa se apresenta como registro da experiência, sendo por excelência a forma de sua construção e da construção da memória.

Ela se desenvolve num tempo prolongado e é objeto de um duplo processo continuado de sedimentação e reconstrução. Neste contexto, vários autores fazem a crítica ao modelo teórico-técnico, apresentando a narrativa ou o relato de experiência como possibilidade de aprendizagem significativa. A narrativa desvenda a memória, possibilitando a constituição da experiência. Assim, a narrativa se apresenta como método de compreensão da realidade, já que "Somente de posse da própria experiência é que o indivíduo adquiriria uma imagem de si mesmo, ao mesmo tempo que de sua época." (BRANCO, 1997).

Assim, objetivando clarificar as experiências que possibilitaram uma aprendizagem que é compreendida pelo sujeito através da prática e da reflexão sobre ela, própria do relatar, esta pesquisa é baseada na concepção de Benjamim acerca da narrativa, através da tomada de depoimentos, que possibilitou, através da narrativa dos participantes, o resgate do sentido da prática para aquele que narra. Considerando que “a palavra experiente pode surgir no depoimento como momento de elaboração e transmissão da experiência” (SCHIMIDT,1990), a revisitação da experiência através da narrativa relatada via depoimentos mostrou-se como metodologia adequada para estudar como se mostra a apreensão e a compreensão, pelos alunos estagiantes, de modos de ação e reflexão clínica, e a possibilitação de suas reconfigurações, dependendo da solicitação dada pelo contexto, nas práticas psicológicas em instituições.

5. 1 O espaço no qual se dá a viagem: instrumentos para compreender – abarcar e entender – dando luz e sombra

1. Depoentes:

Os depoentes da pesquisa foram os estagiários e psicólogos que ingressaram nos projetos de extensão universitária de práticas cínicas em instituições, desenvolvidos no Laboratório de Estudos e Prática em Psicologia Fenomenológica e Existencial (LEFE), e que participaram de pelo menos dois projetos em diferentes instituições, do referido laboratório.

Este critério foi utilizado para abarcar sujeitos que tiveram a possibilidade de ressignificar suas experiências em diferentes contextos, mas que ainda estão em fase de aprendizagem na área de práticas clínicas em instituições, possibilitando a tomada de narrativas quando estão compreendendo o sentido de sua prática, e portanto o relato de uma experiência que os sujeitos estão vivenciando, atualizando “a experiência do passado, ao mesmo tempo em que se enriquecem com aquela do presente” (SCHIMIDT, 1990) .

Estes participantes também foram estagiários participantes de uma mesma modalidade de práticas clínicas em instituições, o Plantão Psicológico, e alunos da mesma instituição universitária, a Universidade de São Paulo. Esta delimitação ocorreu com o objetivo de constituir um retrato de vivências em torno de uma mesma prática que se coloca a históricos de formação em psicologia semelhantes, possibilitando resgatar experiências em torno de um mesmo contexto.

2. Colhendo experiências:

A pesquisa adotou como instrumentos depoimentos dos alunos a partir de uma pergunta disparadora: "Que caminho você fez para ir compreendendo a Atenção Psicológica a partir do Plantão?". A escolha desta pergunta disparadora remonta à possibilitação, pelos sujeitos, da elaboração de uma experiência, articulando-a através das possibilidade de uma compreensão de sua origem. A origem, para BENJAMIN, é uma noção histórico-estrutural, na qual o tempo

histórico se constitui em termos de intensidade, não de cronologia; a origem seria, assim, os saltos e recortes inovadores que estilhaçam a cronologia tranqüila da história oficial, interrupções que querem parar o tempo para permitir ao passado esquecido ou recalcado surgir de novo, e ser assim retomado e resgatado no atual (GAGNEBIN, op. cit.) Assim, procurar-se- á circunscrever a narrativa no âmbito do tema estudado, porém possibilitando a livre expressão dos sujeitos, de forma a constituir uma imagem fidedigna da vivência e da elaboração de suas experiências no âmbito destas práticas e ilustrar os sentidos encontrados para a experiência de uma aprendizagem ocorrida através de estágio em uma prática universitária de ensino- pesquisa-extensão que visa construir possibilidades de uma atuação clínica mais contextualizada. . Outras perguntas foram realizadas apenas para estimular os sujeitos a prosseguir a narrativa, tais como “Explique melhor”, “fale mais sobre esse aspecto”, etc.

3. Caminhos trilhados:

Primeiramente foram tomados dois depoimentos, colhidos individualmente. Foi solicitada aos sujeitos autorização por escrito para participar da pesquisa e para registrar os depoimentos por meio de gravador. Em seguida estes foram transcritos e foram verificados os aspectos do depoimento que ainda necessitavam de esclarecimentos para uma melhor compreensão. A partir desta verificação, foi realizada uma segunda entrevista, com o objetivo de clarear tais aspectos. Os depoimentos foram então devolvidos aos depoentes para discussão e seleção do material que poderia ser utilizado na pesquisa. Essa discussão da análise feita dos depoimentos foi também registrada. Para a análise do material, foi escolhido um dos depoimentos, que ilustrava com maior aprofundamento e pertinência a questão da aprendizagem aqui investigada, sendo que o outro foi utilizado para ilustrar os temas abordados. Além disso, a ordem de apresentação da fala foi, na medida do possível, obedecida, buscando acompanhar o

percurso de construção de sentido pelos trilhado pelos depoentes, na realização de um diálogo com os relatos (CRITELLI, 1996).

6. Diário de bordo: Relato de experiência construindo questões e significando o sentido