• Nenhum resultado encontrado

Fonte: Márcio Douglas B. Amaral, março de 2005.

Nota: O trapiche é um modelo de construção tipicamente ribeirinha, existindo ao longo de toda a orla fluvial de Belém desde os primórdios. No Ver-o-Rio, ele foi adaptado para que a população possa, além de poder contemplar o rio, pescar, namorar, conversar.

Outro elemento apontado por Souza (2002) como importante na definição da

perspectiva de gestão e planejamento urbanos é o escopo. Este, nas intervenções realizadas pela Prefeitura de Belém, denota uma tendência ao modelo não estritamente físico- territorial, na medida em que as obras produzidas primam pela requalificação física e social dos ambientes. Nas palavras de Edmilson Rodrigues:

De modo que, esse objetivo estratégico de abrir a orla de Belém como parte digamos assim, de um objetivo maior que é o desenvolvimento da cidade numa perspectiva não só econômica, mas social, cultural, isso acabou enfrentando dificuldades (Edmilson Rodrigues, ex-prefeito do município de em Belém, 23/03/2005).

No Ver-o-Rio, por exemplo, buscou-se resgatar a dimensão social, através de uma política de geração de trabalho e renda para famílias que os filhos recebiam a bolsa escola; e a dimensão cultural, por meio da produção do memorial dos povos indígenas, que além de

afirmar o papel histórico dos mesmos na cidade e na Amazônia, funciona como espaço para expressão das suas manifestações culturais.

Quanto ao Ver-o-Peso, pode-se dizer que a intervenção foi bastante similar a do Ver- o-Rio. Buscou-se considerar além da dimensão física do espaço, como já se afirmou neste

trabalho, através da reforma da feira, do mercado de peixe, da praça do relógio, do calçamento da av. Portugal e da doca do ver-o-peso, dos quiosques e da feira do Açaí, a dimensão social do espaço, por meio de investimentos em cursos de capacitação para os feirantes, a exemplo dos cursos de relações inter-pessoais, de marketing e de língua

estrangeira, na criação da cooperativa de trabalhadores do estacionamento da praça do Pescador (BELÉM, 2004).

Esse escopo de caráter não estritamente físico-territorial identificado nas intervenções urbanas realizadas pela Prefeitura de Belém demarca uma preocupação dessa esfera de

governo em adotar mecanismos de gestão e planejamento mais avançados e preocupados com a dimensão não apenas física, mas também social dos empreendimentos. Dessa forma, pode-se dizer que o escopo adotado pela Prefeitura de Belém apresenta, explicitamente, várias semelhanças com o modelo de planejamento e gestão participativa analisado por

Souza (2002), isto é, de natureza social abrangente e não restrito à dimensão física das intervenções.

Essa preocupação maior da gestão e do planejamento urbano com modelos que não se

relacionado à formação de equipes técnicas interdisciplinares e, portanto, mais sensíveis às questões sociais, culturais, políticas, econômicas e estéticas. Dessa forma, é que o grau de

interdisciplinaridade torna-se elemento fundamental nos modelos mais avançados de

gestão e planejamento urbanos da atualidade.

O que se pôde observar a partir das experiências do Ver-o-Rio e do Ver-o-Peso, foi a presença de profissionais ligados, essencialmente, a arquitetura, ao urbanismo e a engenharia civil. Ainda que no plano da concepção exista uma preocupação em formar equipes de caráter interdisciplinar, isto somente ocorreu de fato em experiências pontuais

como, por exemplo, a da Bacia do Tucunduba, que além de arquitetos e urbanistas teve a presença de profissionais da área sócio-econômica, como se pode observar na fala de Edmilson Rodrigues:

Todos os projetos que foram estruturantes na cidade tiveram, eu posso falar no termo parceira, realmente. Você pega, vou dar alguns exemplos, os projeto de Icoaraci e Mosqueiro foram poucos realizados por equipes técnicas, digamos assim, mais ligados à prefeitura, mas o Ver-o-Peso já envolveu técnicos do IPHAN, posto que é tombado pelo patrimônio nacional não é, no seu entorno tem vários monumentos tombados, então foi inevitável que o IPHAN participasse. Tentamos a participação dos órgãos do Estado, foi difícil pela relação tensa em termos políticos, mas a Universidade Federal teve um papel, tanto para debater economia solidária, como projetos de arquitetura propriamente dito, o escritório de arquitetura da Universidade teve papel importante. Os vários departamentos na área do sócio-econômico teve (sic) um papel importante em vários projetos não é, vou te dá um exemplo de Projeto Tucunduba para dá um exemplo, que é um rio urbano né, houve a necessidade de estudos geofísicos, nós tivemos, por exemplo, o Júlio Alencar que é do departamento, do curso de Engenharia da UFPA, cumprindo um papel importante né, tivemos também o Imbiriba desenvolvendo o projeto em si de drenagem do rio, tanto lá quanto no projeto de esgotamento sanitário de Mosqueiro teve vários técnicos da universidade participando (Edmilson Rodrigues, ex-prefeito do município de em Belém, 23/03/2005).

O Ver-o-Rio foi um projeto desenvolvido pelos técnicos da própria Prefeitura Municipal de Belém, através da SEURB. Trata-se, portanto, de um projeto elaborado, fundamentalmente, por arquitetos e urbanistas, mesmo que tenha existido uma consulta à sociedade nas assembléias do Congresso da Cidade e que algumas modificações tenham

decorrido da mesma, conforme se verifica na fala de Edmilson Rodrigues:

Outros projetos foram feitos por equipes internas da prefeitura, é o caso do Ver-o-Rio, por muitos arquitetos, inclusive eu, e sempre reunindo com a comunidade, buscando ouvir a comunidade, mas não só ouvir, buscando realmente incentivar a comunidade a atuar como protagonistas nos projetos. (Edmilson Rodrigues, ex-prefeito do município de em Belém, 23/03/2005).

O Ver-o-Peso, apesar de ter sido uma obra de autoria de um escritório de engenharia e arquitetura do Rio de Janeiro, do arquiteto Flávio Ferreira, teve em sua execução a

participação de equipes interdisciplinares, tais como, da secretaria de urbanismo (SEURB), da secretaria de economia (SECON), da secretaria de turismo (BELEMTUR), da secretaria de saneamento (SESAN), da companhia de transporte (CTBEL), da fundação de cultura (FUMBEL) e da fundação de áreas verdes (FUNVERDE).

Ainda sobre o grau de interdisciplinaridade dos projetos desenvolvidos pela Prefeitura, assim se posiciona a arquiteta e técnica do PRÓ-BELÉM e da SEURB:

Basicamente são técnicos da PMB, a maioria são arquitetos até por uma demanda dos órgãos, quando a gente chama pra uma coisa ligada a cidade, a urbanismo, então direcionam pra formar a equipe arquitetos, engenheiros, economistas, tem geógrafo também, e tem pessoas também de vários órgãos mas são todos arquitetos, tem do SESAN, SEURB (Alice da Silva Rodrigues Rosas, arquitetae técnica do PRÓ-BELÉM e da SEURB, 14/02/2004).

Como se pode observar, na fala da arquiteta Alice da Silva Rodrigues Rosas, existe uma ênfase na profissão do arquiteto/urbanista, pois sua presença é muito grande, em secretarias, fundações e companhias da Prefeitura de Belém, o que denota a idéia de que a capacidade de interpretar e intervir na realidade urbana seja uma especificidade desse

profissional, o que acaba contribuindo para formação de equipes técnicas com baixo grau de interdisciplinaridade.

Essa postura do governo municipal de não investir tanto em equipes interdisciplinares acaba se apresentando como um paradoxo dentro da sua gestão que se pretende, pelo menos

ao nível do discurso, progressista (participativa). Ora, o que se tem observado na conjuntura atual em termos de planejamento e gestão urbana avançada ou progressista é uma tendência a formação de equipes com alto grau de interdisciplinaridade. Souza (2002) chega a dizer que uma postura, realmente, radical em termos de planejamento e gestão urbana deveria

ousar assumir uma perspectiva transdisciplinar ou mesmo adisciplinar como pretende a proposta autonomista.

A permeabilidade em face da realidade é outro critério que Souza (2002) propõe para identificar a gestão e o planejamento urbanos. O que se verificou a partir da análise da

metodologia utilizada nas intervenções realizadas na orla, foi que existe uma intencionalidade do poder público em promover um diálogo constante entre a teoria e a realidade empírica. No caso do Ver-o-Peso, essa dialética torna-se explícita quando se observa que o projeto vencedor do concurso não pôde ser implementado de forma

autoritária, isto é, sem antes interagir com feirantes, taxistas, lojistas, balanceiros de peixe, no sentido de conhecer às suas demandas e, assim, promover uma intervenção mais comprometida com o cotidiano desses grupos sociais.

Como se pode verificar, por exemplo, na descrição da metodologia adotada para restauração dos monumentos metálicos do Ver-o-Peso, houve vários momentos de pesquisa científica, antes de promover qualquer intervenção: 1) levantamento de dados e uma pesquisa de campo, no sentido de identificar a época de construção, as características

construtivas, as possibilidades de erros, os materiais utilizados, os usos e as intervenções anteriores; 2) levantamento cadastral para saber com precisão o estado atual dos imóveis; 3) análise das condições ambientais em que a obra se encontra, pluviosidade, umidade do ar, proximidade do rio, temperatura, presença de material biológico, tipo de uso; 4) amostra

dos materiais utilizados na construção para identificar a composição e os tipos de oxidações nos metais; 5) testes de laboratório para identificar a composição química dos materiais; 6) diagnóstico da realidade:

De posse dos dados acima, passamos à etapa de diagnóstico onde se faz o cruzamento dos dados qualitativos e quantitativos, a finalidade dessas etapas é determinar a origem dos processos de degradação. Deve-se atacar primeiramente a causa geradora, cessada a fonte do problema pode-se então executar a abra de conservação (BELÉM, 1998, p. 08).

Antes de discutir a permeabilidade em face da realidade, a partir do Ver-o-Rio é preciso considerar o Plano de Reestruturação da Orla de Belém, o PRÓ-BELÉM, pois foi a

partir dele que se elaborou um diagnóstico global e se pensou diretrizes e propostas de intervenção na orla de Belém. O PRÓ-BELÉM é um documento que visa promover intervenções pontuais ao longo de toda a orla, no sentido de resgatar espaços de caráter coletivos a exemplo do programa “Urbanização Ver-o-Rio” (BELÉM, 2000).

O projeto Ver-o-Rio não surgiu, então, sem um prévio estudo sobre a área e sua caracterização sócio-espacial. Assim, pode-se dizer que o Ver-o-Rio faz parte do setor 05

Documentos relacionados