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2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.9. Tratamento para a rotura do LCCr

1.9.2. Tratamento cirúrgico

Numerosos procedimentos têm sido descritos para restabelecer a estabilidade articular e minimizar os efeitos degenerativos (Vasseur, 2002). De entre eles, a lavagem articular permite remover as enzimas destrutivas, os produtos de degradação da cartilagem, as células inflamatórias e as citocinas. Juntamente com a remoção de osteófitos, a lavagem ajuda a reduzir a sinovite e osteoartrose (Alvarez, 2011).

Os métodos cirúrgicos que restabelecem a estabilidade de uma articulação com RLCCr incluem: reparação primária do ligamento lesado por situações de avulsão, técnicas intracapsulares ou intra-articulares, técnicas extracapsulares ou extra-articulares, e osteotomias corretivas (Vasseur, 2002; Schulz, 2007). A reparação primária do ligamento é infazível nos pequenos animais, devido à degradação das fibras de colagénio com consequente atrofia do ligamento e às dimensões e localização do ligamento. Nas situações de avulsão o ponto de fixação pode ser reparado através de uma banda de tensão ou com um parafuso de fixação. (Vasseur, 2002).

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Tabela 2 – Principais técnicas cirúrgicas utilizadas no tratamento da RLCCr (adaptado de Guerrero, 2008).

Extracapsulares

Técnica de imbricação

Técnica de reforço do retináculo

 Técnica de imbricação retinacular modificada

 Técnica de três-em-um

Transposição da cabeça do peróneo Técnica de tunelização de Paatsama

Intracapsulares

Substituição do ligamento com fáscia lata e ligamento rotuliano

Técnica Over-the-Top (técnica do tendão rotuliano sobre o côndilo lateral)

Técnica Under-and-Over ou Técnica de Hulse modificada

Osteotomias corretivas ou biomecânicas

Osteotomia em cunha para o nivelamento da meseta tibial (TWO – Tibial Wedge Osteotomy)

Osteotomia de nivelamento da meseta tibial (TPLO – Tibial Plateau Leveling Osteotomy)

Avanço da tuberosidade tibial (TTA – Tibial Tuberosity Advancement)

Osteotomia tripla da tíbia (TTO – Triple Tibial Osteotomy)

Outras técnicas: combinação TPLO-TWO, Osteotomia tibial proximal intra-articular (PTIO – Proximal Tibial Intra-articular Osteotomy) e a Osteotomia em cunha Chevron (CVWO – Chevron Wedge Osteotomy)

Técnicas Extracapsulares ou Extra-articulares

Durante muitos anos, os métodos extracapsulares foram os mais populares não só por serem simples de executar, com pelo reduzido tempo cirúrgico e baixos custos. Consistem na colocação de suturas, exteriormente à articulação, ou na mudança de direção do LCL de forma a substituir a função do LCCr (Arnoczky, 1985; Piermattei et al., 2006; Guerrero et al., 2008; Alvarez, 2011).

De entre eles pode-se referir a técnica de imbricação que consiste na colocação de suturas de Lembert, no aspeto medial e lateral da cápsula articular; a técnica de imbricação retinacular modificada que envolve a passagem de uma a duas suturas em volta de ambos os sesamóides (lateral e medial) e que se fixam num orifício criado ao nível da tuberosidade

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tibial ou distalmente ao tendão rotuliano; a técnica de três-em-um que consiste na modificação da técnica anterior em três aspetos: (1) na transposição medial e lateral do músculo sartório caudal e bíceps femoral, respetivamente, (2) na posição dos nós das suturas, (3) na eliminação da sutura do sesamóide medial em cães com menos de 15kg; e a técnica de transposição da cabeça do peróneo a qual se baseia na libertação e avanço cranial da cabeça do peróneo e consequentemente do LCL. O movimento de gaveta e a rotação interna da tíbia são evitados pelo ligamento transposto (Arnoczky, 1985; Galdames et al., 1998; Piermattei et al., 2006; Schulz, 2007; Guerrero et al., 2008).

Os materiais mais frequentemente utilizados são nylon, Kevlar, fio de aço e outros. Os monofilamentares são menos suscetíveis de rejeição, devido à sua elasticidade, mas tendem a ceder com o tempo, enquanto que, os polifilamentares oferecem melhor resistência, mas estão associados à formação de fístulas (Piermattei et al., 2006; Schulz, 2007; Alvarez, 2011). A causa mais frequente de insucesso destas técnicas é o deslizamento da fixação ao nível do sesamóide. Para ultrapassar este problema foram desenvolvidos dispositivos metálicos de fixação que se aparafusam ao fémur ao nível do osso sesamóide (Alvarez, 2011).

Este tipo de técnicas em animais com mais de 30kg, faz com que a recuperação pós- cirúrgica se prolongue por seis meses (sendo por isso recomendadas apenas em raças de pequeno porte) e não são adequadas a situações de roturas agudas do ligamento (Piermattei et

al., 2006).

Técnicas Intracapsulares ou Intra-articulares

As técnicas intracapsulares envolvem a reconstrução ou reposição anatómica do LCCr, com tecidos autógenos ou autólogos (fáscia lata, pele e tendão patelar) (Arnoczky, 1985; Piermattei et al., 2006; Schulz, 2007; Guerrero et al., 2008).

A técnica de Paatsama desenvolvida em 1952 consiste na reconstrução do ligamento lesado com uma banda larga de fáscia lata que passa em laço através de dois túneis: um túnel que é criado no côndilo femoral lateral por cima da inserção do LCL, saindo intra- articularmente na zona de inserção do LCCr, e de outro túnel realizado na porção cranial da meseta tibial até à face tibial medial, distalmente ao côndilo tibial medial. O enxerto é então esticado firmemente e ancorado com suturas ao longo do ligamento patelar (Arnoczky, 1985; Galdames et al., 1998; Piermattei et al., 2006; Guerrero et al., 2008).

A técnica “Over-the-top” desenvolvida por Arnoczky em 1979 usava inicialmente parte do tendão patelar acompanhado por uma cunha da rótula e do tendão do quadríceps

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femoral dirigindo lateralmente até à fáscia lata. Atualmente, a maioria dos clínicos usam apenas fáscia lata e uma pequena porção do ligamento patelar. Este enxerto é passado através da porção caudal da articulação (por detrás do sesamóide lateral) até ao espaço intercondilar femoral. Ao atravessar a articulação, o enxerto passa sobre o côndilo femoral lateral, fáscia, periósteo da face lateral e sobre o LCL. O enxerto é então estirado de forma a estabilizar a articulação e a sua porção livre é suturada com material não reabsorvível sobre a cápsula articular, fáscia lata e ligamento femoro-fabelar (Arnoczky, 1985; Galdames et al., 1998; Guerrero et al., 2008; Houlton, 2008).

A técnica “Under-and-over” foi desenvolvida em 1980 por Hulse e colaboradores e mantém o alinhamento anatómico da técnica “Over-the-top” mas não necessita da resseção de uma cunha óssea. Esta técnica aproveita o terço lateral do ligamento patelar seguido de fáscia lata até completar o comprimento desejado. O enxerto é introduzido de forma a passar debaixo do ligamento intermeniscal, continuando a intervenção do mesmo modo que na técnica “Over-the-top” (Piermattei et al., 2006; Guerrero et al., 2008).

As técnicas intra-articulares apresentam a vantagem de imitar, quase de forma correta, a posição original e a biologia do LCCr. No entanto, são técnicas invasivas e pode existir algum grau de insucesso relativamente ao enxerto (Schulz, 2007).

Osteotomias corretivas

Desde a década de 90, a aplicação de técnicas que modificam a biomecânica do joelho tem-se imposto no tratamento da RLCCr. Ao invés das técnicas tradicionais, estes métodos não tendem a substituir o LCCr, mas sim a sua função. Mediante uma ou mais osteotomias na porção proximal da tíbia altera-se a biomecânica e as forças resultantes do joelho, evitando-se desta forma o DTA (Guerrero et al., 2008; Kim et al., 2008; Alvarez, 2011).

A TWO foi o primeiro procedimento a ser proposto por Slocum e Devine em 1984 para eliminar o DTA através da redução do ângulo da meseta tibial (Bruce, 2007; Guerrero et

al., 2008; Kim et al., 2008). A técnica consiste em realizar uma osteotomia em cunha na

porção proximal da tíbia, a qual é posteriormente estabilizada pela colocação de uma placa de osteossíntese. A osteotomia é realizada o mais proximal possível para que seja possível colocar no mínimo três parafusos por segmento (Guerrero et al., 2008).

A TPLO foi desenvolvida por Slocum e Devine em 1993 e baseia-se no fato do DTA estar relacionado com a inclinação da meseta tibial e com a força de compressão gerada durante o suporte de peso, que deve ser paralela ao eixo longitudinal da tíbia. Se o ângulo de

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inclinação da meseta tibial for alterado para um valor entre 0º a 5º, o impulso tibial desaparece e a principal função do LCCr perde-se (McKee & Cook, 2006; Bruce, 2007; Houlton, 2008; Alvarez, 2011). Esta inclinação e consequente estabilidade dinâmica é conseguida através da realização de uma osteotomia semicircular proximal da tíbia proximal, caudalmente à inserção do ligamento patelar. Posteriormente a extremidade proximal é rodada ventral e posteriormente, sendo o fragmento estabilizado com uma placa em forma de P ou T. A TPLO não trata a osteoartrite de cães com rotura parcial do LCCr, mas previne a sua evolução para rotura completa. Esta técnica apesar de se adaptar a cães de qualquer tamanho, está indicada principalmente para animais com mais de 30 kg; tem um curto período de recuperação pós-cirúrgica e uma lenta progressão da osteoartrose (Beale, 2006; McKee & Cook, 2006; Milovancev & Schaefer, 2010; Alvarez, 2011).

Ao tornar a meseta tibial perpendicular ao ligamento patelar eliminam-se as forças que levam à lesão do LCCr. Isto pode ser alcançado de duas formas: através da alteração do ponto de inserção do ligamento patelar na meseta tibial, a qual é a base da técnica de avanço da tuberosidade tibial ou através da alteração do alinhamento da meseta tibial com o ligamento patelar (Bruce, 2007).

Na TTA é realizada uma osteotomia medial da tuberosidade tibial, cranial ao menisco medial até ao ponto mais distal na crista tibial. A tuberosidade tibial é deslocada cranialmente até um ponto em que o ligamento patelar permaneça a 90º em relação à meseta tibial, sendo depois fixada com um espaçador e uma placa especial (Guerrero et al., 2008; Boudrieau, 2010; Alvarez, 2011) (figura 10).

A TTO é a técnica mais atual que combina a TPLO com a TTA, tendo por objetivo eliminar o DTA com a menor modificação possível da geometria articular. Realiza-se uma osteotomia parcial da tuberosidade da tíbia, semelhante à da TTA. De seguida, no centro e com base no mesmo ponto, secciona-se uma cunha na tíbia igual a 2/3 do ângulo entre o ligamento patelar e a meseta tibial, alcançando o córtex ósseo. Desta forma, há uma redução da meseta tibial até a um ângulo

perpendicular ao ligamento patelar (Bruce, 2007; Guerrero et al., 2008; Houlton, 2008; Alvarez, 2011).

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O método cirúrgico escolhido vai depender da preferência do cirurgião, do tamanho e da função do animal e de fatores económicos. Estudos retrospetivos demonstram que independentemente da técnica utilizada a taxa de sucesso costuma ser cerca de 90% (Schulz, 2007).

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