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1.8 Tratamento da DA

1.8.2 Tratamento com drogas inibidoras da colinesterase (IChE)

Em 1976, dois pesquisadores independentes relataram que a DA era associada com perda de acetilcolina no córtex cerebral. O déficit colinérgico na DA é responsável por muitos sintomas clínicos(80). As drogas que inibem a colinesterase atuam por meio da inibição da acetilcolinesterase (AChE) e butirilcolinesterase (BChE), que degradam acetilcolina; dessa forma, permitem maior acúmulo dessa substância na fenda sináptica. Três drogas são disponibilizadas hoje no mercado para o tratamento da DA: donepezila e galantamina, que inibem a AChE, e rivastigmina, que inibe a AChE e a BChE.

A tacrina, primeira droga capaz de inibir a ação da acetil colinesterase, sintetizada por Adrien Albert na Universidade de Sydney, foi abandonada posteriormente devido à elevação dos níveis de transaminases em até 49% dos pacientes que faziam seu uso. Em seguida, foi sintetizada a donepezila, droga com perfil de inibição da colinesterase a ser adotada e, após 52 semanas de uso, o declínio era muito menor que placebo(87).

A donepezila pode permanecer até 70 horas na circulação sanguínea, enquanto que a meia-vida das outras duas drogas é menor (Tabela 3). Os IChE não mudam o curso natural da doença, mas atenuam os sintomas. Massoud et al.(88) afirmam que podem ser efetivas por dois a cinco anos, o que sugere possível mudança no curso natural da doença.

Os ensaios clínicos controlados, randomizados ou não, consistem em um estudo experimental, desenvolvido em seres humanos, e que visam ao conhecimento do efeito em intervenções de saúde. Os bons estudos, desse teor, minimizam os fatores de confusão sobre causa e efeito, comparados aos outros estudos(89). Já as metanálises utilizam técnicas estatísticas para combinar, em uma medida resumo, os resultados de estudos independentes voltados a uma única questão(90).

Estudos naturalísticos são conduzidos em condições distintas dos estudos randomizados controlados. Nos primeiros, os pacientes são avaliados com suas fragilidades físicas e comorbidades; além disso, os médicos prescrevem os medicamentos levando em conta aqueles que melhor se adaptam ao paciente e cuidador e há espaço para a prescrição de acordo com a experiência pessoal e preferência. Já os estudos controlados são normalmente de curta duração (12 a 24 semanas), os pacientes podem ser mais bem selecionados e, em se tratando de IChE, ainda ficam em aberto questões que não foram respondidas, por exemplo, quanto tempo permanece a eficácia da droga ou qual a segurança dessas medicações.

Um estudo prospectivo com 686 pacientes que fizeram uso de IChE, realizado na França e publicado por Cortes et al.(91) afirmam que, após dois anos de seguimento, 349 (50,9%) pacientes concluíram o estudo e, entre eles, 10,8% perderam mais de nove pontos no MEEM, 65,9% perderam entre três a nove pontos e 23,3% permaneceram estáveis ou melhoraram, e a estabilidade também foi considerada se perdiam dois pontos no MEEM. A incidência anual para institucionalização, hospitalização e óbitos foi de 11,8%, 26,1% e 5,9%, respectivamente, para os três grupos. Além disso, houve piora dos sintomas de comportamento, das atividades básicas da vida diária, do aporte nutricional, mostrando, que apesar do tratamento, a doença progride na maioria dos pacientes e em curto período de tempo (dois anos). Contudo, esses resultados confirmam que os IChE têm efeito significativo, porém modesto, porque não abrange a totalidade dos pacientes.

Lopez et al.(92), em um estudo conduzido na Universidade de Pittsburgh, em que foram avaliados 270 pacientes entre 1983 e 2000, compararam pacientes que fizeram uso de IChE com aqueles que fizeram apenas uso de sedativos e antipsicóticos. Com o advento dos IChE, os pacientes que já faziam uso dessa medicação foram envolvidos no estudo e compararam-se os dois grupos, por meio dos resultados dos testes cognitivos e dados de internação em ILPI. Os que não receberam IChE perderam, em média, três pontos no MEEM após um ano de seguimento e maior número destes pacientes foram internados em ILPI.

Raschetti et al.(93), em um estudo naturalístico realizado em vários centros médicos na Itália, avaliaram pacientes com DA que eram tratados com donepezila, galantamina ou rivastigmina. Ao término de nove meses, observaram que 2.853 pacientes (52,2%) concluíram o estudo. Houve, em média, melhora no MEEM de 0,5 pontos (±3,0); nas atividades de vida diárias básicas (AVDB – 0,1±0,9); nas atividades de vida diárias instrumentais (AVDI – 0,2±1,5). A taxa de bons respondedores (definida como os que aumentaram em dois pontos o escore no MEEM) foi de 17,8% aos três meses de tratamento e de 15,7% aos nove meses. Entre aqueles 972 que eram respondedores aos três meses, 67,1% ainda respondiam aos nove meses. Nesse estudo não houve diferença estatística entre os três tipos de IChE utilizados em termos de eficácia terapêutica.

Apesar da eficácia dos IChE ser relativamente modesta em relação à duração do tratamento e abrangência, favorecendo apenas uma parte dos pacientes, são as drogas disponíveis para tratamento farmacológico. Ainda assim, boa parte da população brasileira com DA não se beneficia da prescrição(94). Resultados análogos foram publicados em um estudo inglês, em que os autores afirmam que os IChE são usados principalmente por pessoas com nível educacional melhor e com classe social mais elevada(95).

A controvérsia do benefício do uso de IChE não é recente. Já em 2006, discutindo esse ponto de vista, se haveria ou não sentido em se usar esse grupo de medicamentos, Nitrini afirmava que havia sim sentido no seu uso, acrescido ao uso da memantina nos casos de DA moderada(96).

Olazaran et al.(97), após seguimento de quatro anos de pacientes com DA e demência com corpos de Lewy (DCL), concluíram que os que obtiveram melhor resposta cognitiva e comportamental foram aqueles que mantiveram a primeira prescrição de IChE, sem que tenham mudado de medicação nem que a tenham abandonado, e um dos fatores primordiais para que isso acontecesse foi a impressão de melhora pelo cuidador.

A Tabela 3 mostra as propriedades farmacológicas dos IChE em relação ao mecanismo de ação e meia-vida plasmática.

Tabela 3. Propriedades farmacológicas dos inibidores da colinesterase Nome Mecanismo de ação Ligação às

proteínas

Meia-vida Metabolismo

Donepezila Inibidor da AChE 96% 70 horas Hepático

(CYP450 2D6/3A4) Rivastigma

(oral/patch)

Inibidor da AChE e da BChE

40% 1-2 horas Hidrólise das esterases

Galantamina Inibidor da AChE Agon. Nicotínico alostéric

18% 7-8 horas Hepático

(CitP450 – 2D6 ou 3A Legenda: AChE = acetilcolinesterase; BChE = butiril colinesterase; Agon. = agonista; Cit = citocromo.