• Nenhum resultado encontrado

Os objetivos do tratamento são: repor a deficiência hormonal, inibir a produção excessiva de ACTH e CRH pela hipófise e hipotálamo, respectivamente, e assim, normalizar a produção dos andrógenos adrenais, consequentemente reduzindo a virilização, otimizando o crescimento, preservando a estatura final e

protegendo a fertilidade (Speiser; White, 2003; Marumudi et al., 2013). O tratamento

da HAC-D21OH baseia-se na reposição dos hormônios deficientes, glicocorticoide associado ou não a mineralocorticoide nas formas clássicas virilizante simples e perdedora de sal.

Nas crianças o glicocorticoide indicado é a hidrocortisona via oral, na dose inicial de 10 a 25 mg/m² de superfície corporal por dia, dividido em três doses, com a intenção de reduzir rapidamente a elevação de androgênios. Após a estabilização do quadro a dose deve ser titulada com dados clínicos e laboratoriais, sempre buscando a menor dose que proporcione o melhor controle da doença. O comprimido deve ser triturado e diluído em pequena quantidade de água ou leite

materno no momento da administração (Speiser; White, 2003; Marumudi et al.,

2013). A hidrocortisona via oral, não disponível no mercado brasileiro, é preferível

em relação a outros glicocorticoides. O Guideline da Endocrine Society contraindica

o uso de fórmulas manipuladas de hidrocortisona por não apresentarem estabilidade e bioequivalência, assim como o uso de glicocorticoides de alta potência e longa duração como prednisolona e dexametasona, por apresentarem efeitos deletérios sobre o crescimento (Speiser et al., 2010).

A reposição de mineralocorticoide é crucial nos casos da forma clássica perdedora de sal. Pacientes com a forma clássica virilizante simples, por definição, secretam quantidade adequada de aldosterona, entretanto, também podem se beneficiar do uso de mineralocorticoide, especialmente no período neonatal,

incrementando o bloqueio do excesso de ACTH (Clayton et al., 2002; Speiser;

White, 2003; Speiser et al., 2010; Marumudi et al., 2013). A fludrocortisona é o mineralocorticoide utilizado, na dose de 0,05 a 0,3 mg/dia inicialmente, passando para 0,05 a 0,2 mg/dia como manutenção, sempre em dose única via oral. A necessidade de continuidade e de ajuste de dose do mineralocorticoide deve ser baseada na avaliação da pressão sanguínea e na dosagem de atividade de renina.

Os ajustes devem ser de 0,05 a 0,1 mg, pois dose excessiva de fludrocortisona também pode causar retardo do crescimento e hipertensão arterial (Clayton et al., 2002; Speiser; White, 2003).

Além dos medicamentosrecomenda-se também a suplementação de sódio

via oral, na dose de 1 a 3 g de cloreto de sódio (sal de cozinha), fracionada ao longo do dia nos lactentes, pois o leite materno e as fórmulas lácteas infantis têm oferta inadequada de sal. Crianças maiores podem receber oferta de sódio nas refeições e

não precisam suplementar sódio (Speiser; White, 2003; Speiser et al., 2010;

Marumudi et al., 2013).

Em situações de estresse físico, como febre acima de 38,3ºC, vômitos, infeções, traumas ou cirurgias, as crianças saudáveis respondem com aumento na liberação de cortisol. O paciente com deficiência de cortisol não tem capacidade de realizar este incremento, e pode desenvolver insuficiência adrenal (Charmandari et

al., 2001; Speiser et al., 2010). Na crise de insuficiência adrenal, também chamada

crise de perda de sal, ocorre vômito, diarreia, desidratação, hiponatremia, hipercalemia, e o paciente pode evoluir para choque e óbito. Para evitar esta situação clínica grave, a dose de glicocorticoide via oral deve ser triplicada em situações de estresse físico (Clayton et al., 2002; Marumudi et al., 2013). Estresse mental ou emocional como, por exemplo, ansiedade por provas escolares, doenças menos graves e exercícios físicos, não requerem aumento da dose (Clayton et al., 2002; Speiser et al., 2010). Na impossibilidade de receber medicamento via oral (vômitos, jejum prolongado) recomenda-se utilizar a via intramuscular (IM) ou endovenosa (EV). Todos os pacientes com HAC-D21OH devem portar uma carta ou

outro indicativo de alerta quanto à possibilidade de crise de perda de sal (Speiser et

al., 2010). O tratamento da crise deve ser feito inicialmente com hidrocortisona IM ou

EV em dose de ataque, seguida dose de manutenção, pelo tempo necessário até a melhora clínica. As doses recomendadas estão disponíveis no Quadro 2.

Glicocorticoides em excesso costumam resultar em retardo de crescimento, ganho de peso maior que o esperado, hipertensão arterial, além de outros efeitos colaterais, como estrias vinhosas e osteopenia, características de Síndrome de Cushing, por este motivo os pacientes devem ser cuidadosamente monitorados (Speiser; White, 2003; Speiser et al., 2010). Glicocorticoides em doses abaixo do necessário para tratamento resultam em insuficiência adrenal e excesso de produção de androgênios e aceleração da maturação óssea, com prejuízo na

estatura final (Speiser et al., 2010; Marumudi et al., 2013). O monitoramento do tratamento medicamentoso deve ser feito com avaliações clínicas e laboratoriais periódicas, como medidas auxológicas, desenvolvimento neuropsicomotor, sinais de virilização da genitália, pilificação e acne. Dosagem de 17-OHP, androstenediona, testosterona são os melhores indicadores para adequação das doses de glicocorticoide (Speiser et al., 2010). Renina, aldosterona, sódio, potássio são exames laboratoriais que auxiliam na titulação das doses dos medicamentos (Clayton et al., 2002). A medida de ACTH não é útil para diagnóstico e nem para ajuste do tratamento dos pacientes com HAC, pois, mesmo quando estão com o tratamento em dose adequada, geralmente apresentam uma discreta elevação nos níveis de ACTH (Speiser et al., 2010). Após os dois anos de idade, as crianças devem também realizar radiografia para avaliação da idade óssea anualmente, e monitorá-la cuidadosamente relacionando-a ao crescimento linear (Speiser; White, 2003; Speiser et al., 2010).

QUADRO 2 - DOSES DE ATAQUE E MANUTENÇÂO DE HIDROCORTISONA PARA PROFOLAXIA E TRATAMENTO DA CRISE DE PERDA DE SAL

IDADE DOSE DE ATAQUE DOSE DE MANUTENÇÃO Menores de 3 anos 25 mg 25-30 mg/dia

3 a 12 anos 50 mg 50-60 mg/dia Adultos e Adolescentes 100 mg 100 mg/ dia

FONTE: Clayton et al. (2002); Speiser et al. (2010).

As meninas com virilização da genitália externa muitas vezes requerem cirurgia para correção. A alteração da genitália é um fator de estresse familiar importante, assim como o diagnóstico de uma doença crônica. Desta forma, o tratamento e acompanhamento da HAC-D21OH deve ser feito por uma equipe interdisciplinar, compondo a equipe endocrinologista pediátrico, cirurgião pediátrico experiente, geneticista, psicólogo e assistente social (Clayton et al., 2002; Speiser; White, 2003; Speiser et al., 2010).