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I.III. Abordagem terapêutica à DTUIF

3. Tratamento da urolitíase

A deteção de cálculos urinários nem sempre justifica uma intervenção terapêutica. A necessidade de remoção dos cálculos urinários e o tipo de terapia depende dos efeitos que estes exercem sobre o paciente, das suas características, do conhecimento sobre as técnicas de remoção e da disponibilidade de material especializado (Lulich, 2007a). Os objetivos da aplicação de tratamento são a resolução de possíveis obstruções uretrais e o esvaziamento da bexiga, se necessário. Os objetivos mencionados podem ser conseguidos através da algaliação e retrohidropropulsão, cistocentese ou uretrostomia de urgência. Se a presença de cálculos não representa risco imediato para o animal, são tomadas medidas menos invasivas, como o maneio médico e nutricional.

O maneio médico conservativo consiste em terapia de suporte para evitar a ocorrência de insuficiência renal. Para isso, é utilizada a fluidoterapia, a qual pode ser associada à administração de fármacos diuréticos. Hoje em dia, com os avanços tecnológicos como a cistoscopia e litotripsia, a remoção cirúrgica tem sido menos utilizada no tratamento da urolitíase. No entanto, há situações em que esta é inevitável. A procura por parte dos proprietários de técnicas não invasivas ou minimamente invasivas, bem como o número de médicos veterinários que prestam estes serviços, estão a aumentar consideravelmente (Lulich, 2006 e 2014b).

O aumento da ingestão de água reduz o risco de formação de cálculos urinários, pois a urina encontra-se mais diluída, o que diminui a concentração dos seus constituintes. Por isso, o

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maneio nutricional supracitado é de extrema importância no tratamento e prevenção da urolitíase. (Bartges, 2012). Buckley et al. (2011) realizaram um estudo com o objetivo de avaliar o efeito da humidade da dieta sobre os parâmetros urinários. Concluíram que os gatos alimentados com dietas mais húmidas conseguiam uma ingestão diária de água maior e, consequentemente, uma urina mais diluída e menor risco de formação de cálculos urinários.

Achar et al. (2003) investigaram os efeitos da amitriptilina sobre a musculatura do trato urinário e no tratamento da urolitíase. Os seus resultados indicam que a amitriptilina é um eficaz e potente relaxante do músculo liso do trato urinário e, ainda, que este efeito é mediado pela abertura dos canais de potássio dependentes de voltagem. Os autores evidenciaram que este fármaco tem um papel benéfico no tratamento de urolitíase, ajudando a diminuir a dor e promovendo a eliminação dos cálculos urinários.

A retrohidropropulsão é uma técnica não cirúrgica que pode ser eficaz na remoção de cálculos urinários e em alguns gatos pode ser efetuada sem anestesia. O sucesso desta técnica depende do tamanho dos cálculos presentes. Estes têm de ser suficientemente pequenos para conseguir passar na uretra distendida. A retrohidropropulsão possui uma maior taxa de sucesso nas fêmeas, visto que a uretra distal dos machos é mais estreita. Além do tamanho, o contorno dos cálculos também influencia a sua remoção, sendo que os que possuem contornos suaves e arredondados passam mais facilmente pela uretra do que os de contorno irregular (Lulich, 2007a; Kyles e Monnet, 2013).

A litotripsia é uma técnica inovadora, minimamente invasiva, que envolve a fragmentação dos cálculos urinários, reduzindo assim o seu tamanho até que possam ser eliminados de forma natural (Berent, 2007). Laser, ultrassons, ondas de choque e electrohidráulica são os vários métodos que permitem a sua realização (Lulich, 2007a; Kyles e Monnet, 2013). Em medicina veterinária, o método de referência é a litotripsia a laser, pois é mais seguro e eficiente. Esta técnica já foi utilizada em cães e gatos, mas o seu custo é elevado. A sua utilização é útil para o tratamento de todo o tipo de cálculos urinários, quer estejam nos ureteres, bexiga ou uretra. A litotripsia a laser pode ainda ser usada em incisões da uretra e ablações de carcinomas das células de transição, adenocarcinomas prostáticos e pólipos urinários (Berent, 2007). A sua utilização está contra indicada em animais com ITU, coagulopatias e obstruções urinárias distais aos cálculos (Adams e Lulich, 2009). A técnica por ondas de choque é mais recomendada para urolitíase do trato urinário superior. Estas são as duas técnicas mais utilizadas e representam uma alternativa de sucesso à remoção cirúrgica dos cálculos urinários. No entanto, é necessário ter em conta os efeitos adversos que podem ocorrer,

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como erosões da mucosa vesical, petéquias e retenção de fragmentos (Lane et al., 2006; Adams e Lulich, 2009).

O método de eleição para o tratamento de cálculos de estruvite é a sua dissolução através de dietas apropriadas. As dietas que apresentam restrição em fósforo e magnésio e que visam a obtenção de uma urina ácida são as mais adequadas, pois os cristais de estruvite são mais solúveis em pH ácido. Além disto, algumas dietas possuem um teor mais elevado de sal, o que origina a produção de urina mais diluída e uma diminuição da saturação de cristais de estruvite. Com estas rações terapêuticas, um cálculo estéril pode ser dissolvido em 2 a 4 semanas (Forrester e Roudebush, 2007; Bartges, 2012).

Lulich et al. (2014) realizaram um estudo para avaliar a eficácia, segurança e rapidez com que duas rações terapêuticas dissolvem este tipo de cálculos urinários. Para isso, dividiram 37 gatos em 2 grupos, tendo um deles sido alimentado com ração de prevenção e outro com ração de dissolução de cálculos urinários. Em todos os animais foi conseguida a dissolução completa dos cálculos de estruvite. Todavia, o tempo até à dissolução completa foi significativamente diferente entre os tratamentos, sendo a média de 26 dias para a dieta de prevenção e de 13 dias para a de dissolução. A dieta de prevenção utilizada diminuiu em 50% o tamanho dos cálculos num período de 1,75 semanas, enquanto a de dissolução o conseguiu em 0,69. Os resultados deste estudo indicam que a dissolução dietética dos cálculos de estruvite é um método rápido, eficaz e seguro.

Os cálculos urinários não estéreis necessitam de tratamento concomitante com antibiótico adequado baseado nos resultados dos testes de sensibilidade. As dietas devem ser aplicadas, em média, durante 8 semanas para uma dissolução completa. Porém, o tempo de tratamento depende do número e tamanho dos cálculos urinários presentes. É de salientar que existem casos de cálculos de estruvite induzidos por infeção que não requerem alteração da alimentação do animal (Bartges, 2012).

Na presença de cálculos de estruvite devem ser feitas reavaliações a cada 2 a 4 semanas através da realização de análise de urina e radiografias abdominais. O tratamento dietético deve ser continuado por mais um mês após a dissolução dos cálculos. Se estes persistem após o tratamento nutricional é provável que esteja presente, concomitantemente, outro tipo de cristais. Neste caso está recomendada a sua remoção e envio para análise quantitativa (Forrester e Roudebush, 2007; Bartges, 2012). Atualmente existem rações comerciais para a prevenção da cristalúria de estruvite e formação de cálculos urinários. Após a dissolução ou remoção dos

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cálculos urinários, é recomendado o uso destas rações, sendo indispensável que o proprietário siga as orientações do fabricante do alimento (Lulich et al., 2013).

No que diz respeito ao tratamento de cálculos de oxalato de cálcio, ainda não foram desenvolvidos protocolos médicos, pelo que a sua resolução só é possível cirurgicamente

(Bartges et al., 2004). A retrohidropropulsão e a litotripsia são alternativas à cirurgia. Assim, devido à possibilidade de recorrência, devem ser tomadas medidas preventivas e realizadas consultas de acompanhamento. Deste modo, os objetivos gerais da prevenção são a diminuição da saturação de oxalato de cálcio na urina, o aumento da atividade ou concentração dos seus inibidores e a promoção de uma urina mais diluída (Forrester e Roudebush, 2007; Hesse e Neiger, 2009).

Mais uma vez, um maneio nutricional adequado pode prevenir ou minimizar as recorrências. Para este propósito, é de considerar o uso de alimentos ricos em fibras e citrato de potássio para diminuir a acidez da urina, já que este é um agente alcalinizante. Além disso, o aumento da concentração de citrato de potássio na urina leva a que este se ligue ao cálcio, por isso, este último deixa de estar disponível para a formação de cálculos de oxalato de cálcio (DiBartola e Westropp, 2014b). O glioxilato é, maioritariamente, convertido em oxalato, contudo, na presença de vitamina B6 pode ser transformado em glicina. Assim, esta vitamina leva a uma diminuição da concentração de oxalato na urina, contribuindo para a redução da recorrência destes cálculos. No entanto, as rações disponíveis no mercado são bem complementadas em vitamina B6, não havendo certezas da utilidade de uma suplementação adicional. Todavia, será conveniente recomendar a suplementação no caso de animais alimentados com comida caseira (Forrester e Roudebush, 2007). A este nível, deve ser feita uma reavaliação após 2 a 4 semanas para verificar o cumprimento nutricional e melhorias na cristalúria. Também para a prevenção deste tipo de urolitíase, estão disponíveis, hoje em dia, dietas comerciais (DiBartola e Westropp, 2014b).

O recurso à administração de diuréticos tiazídicos tem sido associado com a redução significativa da recorrência de cálculos de oxalato de cálcio. Estes fármacos originam uma reabsorção tubular renal de cálcio, diminuindo a sua excreção urinária e reduzindo, assim, a probabilidade de recorrência. A desidratação e hipercalcemia são efeitos secundários que podem ocorrer com a utilização destes compostos (Bartges et al., 2004; Forrester e Roudebush, 2007).

Em relação aos cálculos de urato de amónio, a remoção cirúrgica, a cistoscopia e a litotripsia continuam a ser o tratamento de eleição quando não podem ser dissolvidos, no caso

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de problemas hepáticos concomitantes. Em gatos sem doença hepática subjacente, a dissolução pode ser tentada com recurso a dietas alcalinizantes, diuréticas e com restrição de purina (Labato, 2001; Hesse e Neiger, 2009; Bartges, 2012). A utilização de alopurinol pode ser útil na diminuição da produção de acido úrico e, consequentemente, do aparecimento deste tipo de cálculos. No caso de estar presente, concomitantemente, uma ITU, é importante a erradicação de bactérias produtoras de urease para que a dissolução destes cálculos urinários seja bem- sucedida (Drobatz e Saxon, 2012).

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