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3 – REFERENCIAL PRÁTICO

4.5 Tratamento de Dados

Tenório e Costa (1999) formulam um modelo de pesquisa segundo uma ótica que tem como lente o arcabouço institucional, entre práticas e representações sociais. Nesse modelo, encontramos contribuições relevantes, principalmente na perspectiva de uma abordagem metodológica que dê conta da complexidade dos processos de participação na gestão pública. Para eles, são três os módulos orientadores da opção metodológica delineada:

a) estudar a legislação buscando conhecer o discurso jurídico-institucional sobre a participação cidadã;

b) verificar como esta participação se dá na prática, através de documentos oficiais e entrevistas;

c) investigar as percepções de diferentes atores acerca dessa noção, usando como metodologia as representações sociais, a partir do ponto de vista da psicologia social.

Para estes autores, a análise da prática compreende:

Análise documental: levantamento e análise de todos os documentos jurídicos, políticos, institucionais e pragmáticos relativos à questão da participação na gestão pública do município, para saber onde e como é privilegiada a participação nestes documentos.

Pesquisa de campo: realizada através de entrevistas estruturadas e semi-estruturadas com representantes de todos os grupos de interesse envolvidos. O objetivo é verificar até que ponto a participação cidadã se dá de acordo com o que é previsto na legislação. Devem ser entrevistados políticos, legisladores,

administradores públicos, sindicalistas, representantes de organizações não-governamentais e o cidadão comum. Alguns cuidados devem ser tomados na seleção desses sujeitos. É importante entrevistar sempre pessoas que lidem o mais diretamente possível com a questão. No caso dos administradores públicos, por exemplo, devem ser entrevistados funcionários de escalões intermediários e que tenham poder de decisão. (...) as entrevistas transcritas e analisadas, são comparadas com o que pressupõe a documentação (Tenório e Costa, 1999: 25-6).

Além de saber se a sociedade participa ou não e se o faz na forma prevista em Lei, procura-se verificar se a participação decorre do descrédito no sistema representativo; saber se a sociedade, o governo e os legisladores acreditam na participação e se há ou não identidade de interesses e visões sobre o assunto; saber, enfim, se a atitude com respeito à participação corresponde a uma compreensão nova do fenômeno e a uma aspiração de todas as partes envolvidas (Costa e Tenório, 1999:25).

No tocante à análise das representações sociais, esta é realizada com base nas mensagens contidas e transmitidas na linguagem, sendo necessário trabalhar com um discurso livre, permitindo-se que as percepções possam aflorar.

Burges (apud Esaterby-Smith, Thorpe e Lowe, 1999:73) considera a entrevista uma oportunidade para o pesquisador sondar profundamente para descobrir novos indícios, explorar novas dimensões de um problema e garantir relatos vívidos, precisos e abrangentes baseados na experiência pessoal. Acrescenta que a principal razão para realizar entrevistas qualitativas é entender como as pessoas constroem o significado e a significância das suas situações da complexa estrutura pessoal de crenças e valores, os quais elas desenvolvem ao longo de suas vidas para ajudar a explicar e prever eventos no mundo delas.

Jobim Souza (1997) enfatiza que se queremos romper com modelos teóricos de base positivista e remover os obstáculos epistemológicos que impedem uma compreensão da relação entre cultura e contemporaneidade para além das experiências sociais reificadas, precisamos rever noções de progresso e civilização no mundo moderno. Dessa forma, continua,

(...) torna-se fundamental a adoção de um enfoque metodológico que resgate no homem contemporâneo o seu caráter de sujeito social, histórico e cultural. Ser sujeito é ter direito de se colocar como autor das transformações sociais. Uma vez que a linguagem é o que caracteriza a marca do homem, trata-se de restaurar nas ciências humanas o seu valor como constituidora do sujeito e da própria realidade. É na linguagem, e por meio dela, que construímos a leitura da vida e da nossa própria história. Com a linguagem somos capazes de imprimir sentidos que, por serem provisórios, refletem a essencial transitoriedade da própria vida e de nossa existência histórica. Ao mesmo tempo a linguagem também registra aquilo que permanece no mundo como fato humano, relacionando-se do mesmo modo e com a mesma intensidade, quer seja com o efêmero ou com o permanente, transitando entre os extremos da realidade humana e permitindo um contato mais profundo com a verdade do homem. Portanto, a linguagem, seja por sua centralidade no âmbito das ciências humanas, seja por sua característica constituidora do sujeito, da história e da cultura, assume aqui uma função-chave sobre o rumo das nossas investigações (Jobim Souza, 1997:21).

Habermas, por meio de sua teoria da ação comunicativa, aponta indícios metodológicos significativos para o processo de investigação. Segundo o autor, a ação comunicativa

se refere à interação de ao menos dois sujeitos capazes de linguagem e de ação que (seja com meios verbais ou com meios extraverbais) entabulam uma relação interpessoal. Os atores buscam entender-se sobre uma situação de ação para poderem assim coordenar de comum acordo seus planos de ação e com eles suas ações. Aqui o conceito central é o de interpretação, referindo-se primordialmente a negociações de definições da situação suscetível de consenso (Habermas apud Tenório, 2000:72).

E, continua, explicando que

Nós vemos a sociedade como uma entidade que, no decorrer da evolução, diferenciou-se tanto como um sistema quanto como um mundo da vida. A evolução sistêmica é medida pelo aumento na capacidade de direção da sociedade, enquanto o estado de desenvolvimento de um mundo [da] vida estruturado simbolicamente é indicado pela separação da cultura, sociedade e personalidade (Habermas apud Pinto, 1996:80).

Nessa linha metodológica, optou-se pelo tratamento de dados de forma qualitativa conferindo especial atenção às falas (discursos orais) dos sujeitos desta pesquisa e

à leitura dos escritos (discursos escritos) dos documentos oficiais e textos teóricos sobre o tema.

Para tanto, após a livre conversação com os sujeitos da pesquisa, tendo em vista o tema em pauta, fizemos a transcrição detalhada de todos os discursos e, posteriormente, procedemos ao tratamento dos mesmos.

Os dados coletados em função das entrevistas realizadas foram tratados pela técnica da análise de conteúdo. Inicialmente, foram definidas as categorias que atendessem os objetivos do estudo, utilizando-se a grade mista, ou seja, as categorias são definidas preliminarmente, com possibilidade de inclusão de outras durante a análise dos dados. Depois, foram ordenados com a finalidade de possibilitar a análise.

Bardin (1977) conceitua análise de conteúdo como sendo

um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (qualitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (Bardin, 1977).

O conceito de análise de conteúdo, usado por Jovchelovitch (2000: 219), baseado em Holsti, diz que esta “refere-se a qualquer técnica para fazer inferência através da identificação sistemática e objetiva de característica de mensagens”. Trata-se de analisar o que é dito em uma dada unidade de comunicação. A autora estabelece ainda a seguinte distinção:

A análise textual implica examinar detalhadamente os conteúdos léxicos e as estruturas sintáticas, e usualmente toma a palavra como o elemento básico a ser analisado. A análise temática refere-se ao reconhecimento de certos temas, ou idéias, no texto e o seu enquadre em determinadas categorias (Holsti apud Jovchelovitch, 2000:219).

A Análise de Discurso, segundo Cabral (1999), estuda as estruturas lingüísticas dos atos das falas e de suas atividades, as seqüências de conversações e os registros orais e literais com o objetivo de estabelecer uma ligação e compreensão com as normas, as preferências e as expectativas culturais, sociais e políticas em um dado momento, num determinado local; rejeitando a forma de a linguagem ser vista apenas como um meio neutro de refletir, ou descrever o mundo. O discurso, desse modo, tem uma grande importância na construção da vida social. É um método que necessita uma leitura atenta, próxima, livre de preconceitos, não separando o texto do contexto, examinando o conteúdo, a organização e funções do discurso. A Análise de Discurso é uma interpretação, sustentada em uma argumentação bem trabalhada (Gill, 2003:45).

Para a análise do discurso foram seguidos os seguintes passos: 1) formulação das questões iniciais de pesquisa (roteiro); 2) realização das entrevistas; 3) transcrição das entrevistas; 4) realização de uma leitura cética do texto, interrogando-o; 5) codificação, criação e identificação dos aspectos positivos e negativos; 6) análise e 7) descrição.

Na análise do discurso, propriamente dito, adotou-se um procedimento bifásico. Na primeira fase, realizou-se uma leitura vertical (intradiscurso), cujo objetivo foi o estudo do fluxo e da estrutura do discurso. Depois, na segunda fase, denominada análise horizontal, foi realizada uma comparação entre as entrevistas, a fim de estabelecer ligações entre as relações existentes, ou seja, as representações sociais.

Dessa forma, tem-se uma análise qualitativa das entrevistas, realizada de maneira exaustiva, atribuindo importância a todo o discurso, inclusive ao silêncio.

Insta salientar que as categorias seguiram os aspectos positivos e negativos definidos no estudo cuja metodologia prática serve de base para a realização da presente pesquisa e que constituem as seguintes variáveis:

(continua) Cidadania

Aspectos positivos Aspectos negativos

- conhecimento dos direitos civis, sociais e políticos

- controle social das políticas públicas

- interesse pelo desenvolvimento

sustentável

- Participação popular

- valoriza a criação de redes no município

- valoriza os interesses coletivos - valoriza as questões sociais

- alienação social

- carência de identidade comum

- crise de legitimidade dos poderes públicos constituídos

- desprestígio da política no imaginário coletivo

- exclusão econômica, social, cultural e política

- imagem do prefeito: distanciamento da comunidade

- individualismo

- internalização precária do conceito de cidadania (não existe consciência de direitos e deveres)

- a participação como um meio para a obtenção de poder

- valores tradicionais (assistencialismo, clientelismo, paternalismo, coronelismo, machismo, entre outros)

- visão negativa da participação dada sua associação com políticas partidárias Poder Público

Aspectos Positivos Aspectos Negativos

- atendimento das necessidades

segundo o território

- comprometimento do quadro funcional com a coisa pública

- diálogo com o mercado e a sociedade civil

- diálogo com outros poderes públicos - democratização do poder público - descentralização

- estimula a criação de redes

- assimetria de informação interna - assimetria de informação entre municípios

- ausência do poder Legislativo no cotidiano local

- ausência do prefeito no cotidiano local - conflito de competência entre os poderes públicos

- crise de representatividade dos poderes públicos

Quadro 2: Referências para análise

Variáveis para o desenvolvimento local sustentável Fonte:Tenório, 2007.

- existência de conselhos, consórcios, câmaras, agências de desenvolvimento, fóruns entre outros

- flexibilização

- prática dos direitos civis e sociais - projetos de inclusão social

- promoção da identidade local - promoção da vocação econômica - reconhecimento das organizações da sociedade civil

- trabalhar com instrumentos de

planejamento

- trabalhar com métodos participativos (orçamento participativo, planejamento participativo, entre outros)

- cultura organizacional burocratizada - decisões não atendem à diversidade cultural e geográfica

- dependência do poder público

estadual

- dependência do pode público federal

- desconhecimento das políticas

públicas do(s) governo(s) estadual(is) e governo federal

- descontinuidade de programas e projetos

- entendimento de que a participação diminui o poder da autoridade local

- falta de acompanhamento de

programas e projetos

- falta de atuação no fortalecimento da comunidade

- falta de capacitação do quadro funcional

- falta de sensibilidade social

- inexistência de canais de comunicação - inexistência de uma política municipal que orienta o desenvolvimento local - “marketing” da participação

- políticas, programas e projetos compensatórios

- políticas públicas excludentes

- valores tradicionais (assistencialismo, clientelismo, machismo, entre outros) - visão economicista das políticas públicas

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