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3 PERCURSO METODOLÓGICO

3.5 Tratamento dos dados: análise de discurso

Minayo (2004) considera que a análise de dados de uma pesquisa deve atingir três objetivos: ultrapassar a incerteza, enriquecer a leitura e integrar as descobertas. No entanto, a autora alerta para o fato de que, ao partirem para a fase de análise dos dados, os pesquisadores costumam deparar com três grandes obstáculos. O primeiro deles é a “ilusão da transparência”, que é o risco que se corre de compreender as coisas espontaneamente, como se o real se mostrasse nitidamente ao observador. O segundo obstáculo é a tendência de prender-se aos métodos e técnicas e esquecer-se do essencial; ou seja, de desenvolver a análise das significações presentes no material sempre referidas às relações sociais dinâmicas. Por fim, o terceiro obstáculo refere-se à dificuldade de associar as teorias e conceitos muito abstratos aos dados recolhidos no campo.

Neste estudo, os dados coletados foram submetidos à Análise do Discurso (AD), que visa a compreender o modo de funcionamento, os princípios de organização e as formas de produção social do sentido. Para o filósofo francês Pêcheux, seus pressupostos básicos dividem-se em dois princípios. Primeiro, que o sentido de uma palavra, de uma expressão ou de uma proposição não existe em si mesmo, mas expressa posições ideológicas em jogo no processo sócio-histórico no qual as palavras, as expressões e as proposições são produzidas (MINAYO, 2004).

Fairclough (2008) argumenta, ainda, que os discursos não se restringem a representar entidades e relações sociais, mas eles as constroem ou as constituem. Para o autor, “diferentes discursos constituem entidades-chave (sejam elas a ‘doença mental’, a ‘cidadania’ ou o ‘letramento’) de diferentes modos e posicionam as pessoas de diversas maneiras como sujeitos sociais” (p. 22). Além disso, considera a mudança histórica inerente

ao discurso, uma vez que à medida que há a combinação de diferentes discursos em condições sociais particulares, um novo e complexo discurso é produzido.

A AD permite problematizar evidências e explicar seu caráter ideológico, bem como reconhecer o encobrimento de formas de dominação política expressas em seu conteúdo (CAPELLE; GOSLING, 2004). Em princípio, qualquer apresentação referente à Análise do Discurso pressupõe duas etapas, a primeira, a exposição dos conceitos lingüísticos, a segunda, a explicação da forma como este tipo de análise pode explorá-los (MAINGUENEAU, 1997).

Na perspectiva de Foucault, os discursos são considerados uma dispersão, uma vez que em sua formação não há ligação a nenhum princípio de unidade. É papel da análise do discurso descrever essa dispersão, através do estabelecimento de “regras de formação”, as quais regem a formação dos discursos. Essas regras, de acordo com Foucault, são: os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, os temas e as teorias. São elas que permitem a determinação dos elementos que compõem o discurso e caracterizam a singularidade da “formação discursiva”, com a possibilidade da passagem da dispersão para a regularidade (BRANDÃO, 2004).

Classicamente, na representação esquemática do discurso, estão presentes os seguintes elementos: emissor, receptor, código, referente e mensagem. O processo se dá à medida que o emissor transmite uma mensagem ou informação formulada em um código, que se refere a um elemento da realidade, um receptor. Entretanto, a AD extrapola a simples transmissão da informação, até mesmo por não considerar a linearidade na disposição dos elementos da comunicação, nem tampouco considera que emissor e receptor estejam realmente separados, ou que exista uma seqüência na qual o primeiro fala e o segundo decodifica. Diversamente a isso, parte-se do princípio que o processo de significação acontece concomitantemente para ambos, em sucessivos processos de identificação do sujeito, de argumentação de subjetivação e de construção da realidade, dentre outros. Daí, o discurso poder ser definido como “efeitos de sentidos entre locutores” (ORLANDI, 2009, p.21).

A Análise do Discurso, como disciplina, tem sua origem no interesse pela compreensão das várias maneiras de se significar a linguagem. Nessa modalidade de análise, entende-se que o

discurso corresponde à linguagem como forma de mediação necessária entre o homem e a realidade natural e social, o que viabiliza tanto a permanência e a continuidade quanto o deslocamento e a transformação do homem e de sua realidade (ORLANDI, 2009).

Para Saussure, citado por Brandão (2004), a língua pode ser entendida como um fato social, cuja existência remonta da necessidade de comunicação, que se concebe em uma dicotomia entre a língua e a fala. Ele considera a língua como uma manifestação individual de cada falante, com extrema valorização da fala. Em contraposição a isso, Bakhtin considera que a matéria lingüística constitui apenas parte do enunciado, uma vez que há uma outra parte, não-verbal, que envolve o contexto da enunciação. Há que se considerar que em cada ato de enunciação se dá a intersubjetividade humana, de forma que o interlocutor não pode ser considerado um elemento passivo na constituição do significado.

Maingueneau (1997) considera que, embora a AD se apóie em conceitos e métodos da lingüística, ela não está restrita a ela. É necessário que se considere outras dimensões nos textos produzidos, tais como:

• o quadro das instituições de produção do discurso onde a enunciação é fortemente restringida;

• a cristalização de conflitos históricos, sociais, etc.;

• a delimitação de um espaço externo a um interdiscurso limitado.

Essa análise ampliada do discurso permite que a linguagem se transforme em um fenômeno estudado além de seu sistema interno, mas também, como formação ideológica (BRANDÃO, 2004). Orlandi (2009, p.17), explica que “a materialidade específica da ideologia é o discurso e a materialidade específica do discurso é a língua”. O trabalho da AD se desenvolve em torno da relação língua-discurso-ideologia. O complemento dessa relação reside no fato de que “não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia: o indivíduo é interpelado pela ideologia e é assim que a língua faz sentido” (PÊCHEUX, 1975; apud ORLANDI, 2009, p.17).

Assim, os conceitos de ideologia e o de discurso são nucleares em uma AD que alie o quadro teórico lingüístico ao sócio-histórico. A busca das regularidades da linguagem em sua produção leva o analista do discurso a relacionar a linguagem à sua exterioridade. Para isso,

considera o homem na sua história, os seus processos e condições da linguagem, bem como analisa a relação que se estabelece entre a língua e os sujeitos que a falam e as situações de produção do que é dito (ORLANDI, 2009).

Essa condição de formação do discurso está relacionada ao fato de que, em qualquer tipo de sociedade, a sua produção é permeada por controle, seleção, organização e redistribuição de procedimentos que tentam evocar seus poderes e perigos, manter sob controle seu acontecimento aleatório e evitar sua temível materialidade. Embora o discurso possa ser percebido, em um primeiro olhar, pouca coisa, sua relação com o desejo e o poder se revelam à medida que é atingido por interdições, dentre as quais cabe destacar o tabu do objeto, o ritual da circunstância e o direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala. Assim, o discurso ultrapassa a barreira do que manifesta ou oculta o desejo e atinge também o que é objeto do desejo. Ele não se restringe à tradução de lutas ou de sistemas de dominação, mas abrange questões que envolvem aquilo “por que se luta, pelo que se luta, o do qual nos queremos apoderar” (FOUCAULT, 2009, p.10).

Quanto à operacionalização dos dados, foram seguidos os passos propostos por Minayo (2004): ordenação dos dados, classificação dos dados e análise final. A ordenação dos dados inclui a transcrição de fitas cassetes, a releitura do material, a organização sistemática dos relatos e a organização, também sistemática, dos dados de observação. A classificação dos dados refere-se à leitura exaustiva e repetida dos textos, o que permite apreender as estruturas de relevância e a constituição de um ou vários corpus de comunicações se o conjunto das informações não for homogêneo. Finalmente, a análise dos dados é o encontro da especificidade do objeto pela prova do vivido com as relações essenciais. Não se constitui em uma atividade nem fácil e nem externa ao investigador.