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O principal objetivo do manejo do ENH é o controle da inflamação, o alívio da dor e a prevenção de outros episódios. Os casos leves podem ser tratados com anti-inflamatórios não-esteroidais (AINES). Aspirina é a droga mais usada nesses casos. Para os casos mais graves prednisona e clofazimina são as drogas mais utilizadas. A clofazimina é considerada um anti-inflamatório útil quando os corticosteroides são contraindicados ou precisam ser reduzidos. A colchicina e cloroquina também têm sido utilizadas com efeito limitado (Walker et al. 2007; Kahawita et al. 2008; Van Veen et al. 2009). No Brasil, as drogas mais utilizadas para o tratamento do ENH são a prednisona e a talidomida.

1.3.1 Prednisona

A prednisona é uma droga imunossupressora utilizada para o tratamento de doenças inflamatórias crônicas (Negera et al. 2018a). Na dose de 0,5- 2,0mg/kg/dia, ela está indicada como tratamento de escolha para os casos moderados a graves de ENH. A prednisona geralmente age rapidamente, controlando a inflamação aguda e aliviando a dor. A dose inicial deve ser a mais baixa possível para controlar o ENH e ser gradualmente reduzida (Van Veen et al. 2009). No entanto, a maioria dos pacientes necessita de múltiplos ou prolongados regimes de prednisona devido à história natural da reação (Kahawita et al. 2008). Isso aumenta o risco de efeitos adversos tais como hipertensão, diabetes, síndrome de Cushing, gastrite, infecções fúngicas, osteoporose, catarata e dependência de esteroides (Sugumaran 1998; Van Veen et al. 2009).

Glicocorticoides suprimem a inflamação através de vários mecanismos celulares e moleculares. Seus efeitos sobre as células inflamatórias incluem: indução de apoptose, inibição de citocinas e inibição da migração de neutrófilos. Os mecanismos moleculares de ação dos glicocorticoides estão associados com a supressão de múltiplos genes inflamatórios que são ativados em doenças

31 inflamatórias crônicas, através da ligação de receptores de glicocorticoides a co- ativadores e recrutamento de histona desacetilase 2 para o complexo de transcrição ativado. Receptores de glicocorticoides ativados também interagem com sítios de reconhecimento no DNA para ativar a transcrição de genes anti- inflamatórios. Recentemente, se demonstrou que a prednisona atua modulando as citocinas pro-inflamatórias diretamente ou pela supressão de células imunológicas produtoras dessas citocinas (Torres et al. 2012; Negera et al. 2018a).

1.3.2 Talidomida

A talidomida foi originalmente desenvolvida na Alemanha em 1954 e posteriormente comercializada na Europa, Austrália e Canadá como sedativo e antiemético. No entanto seu uso por mulheres durante o primeiro trimestre da gestação levou a taxas alarmantes de defeitos nos ossos longos dos membros, ausência ou hipoplasia de olhos e orelhas, e anomalias cardíacas e gastrointestinais. Isso levou a droga a ser retirada do mercado no mundo todo no final de 1961 (Melchert and List 2007; Walker et al. 2007; Kowalski et al. 2015).

Os efeitos farmacológicos da talidomida vão além de seus efeitos neurosedativos e teratogênicos, e por essa razão ela foi posteriormente investigada em um grande número de doenças dermatológicas, reumatológicas e malignas (Melchert and List 2007). Em 1965, o médico israelense Jacob Sheskin descobriu acidentalmente que a talidomida é eficaz para o tratamento do ENH. No início da década de 1990, foi relatado que a talidomida inibe a produção de TNF-α e a replicação do HIV. Em 1994, foi demonstrada sua atividade anti-angiogênica, sugerindo que a droga tem um efeito anti-câncer. Em 1999, foi demonstrado que a talidomida é eficaz no tratamento de mieloma múltiplo, uma neoplasia de células B (Sheskin 1965; Sampaio et al. 1991; Makonkawkeyoon et al. 1993; D’Amato et al. 1994; Singhal et al. 1999; Ito et al. 2011).

Assim, sabe-se hoje que a talidomida apresenta propriedades terapêuticas anti-inflamatórias, imunomoduladoras e anti-angiogênicas (Ordi-Ros and Cosiglio 2014), sendo hoje classificada como uma droga imunomodulatória. O mecanismo de ação anti-inflamatória da talidomida envolve a inibição da expressão gênica

32 seletiva do TNF-α e, consequentemente, de suas funções. O TNF-α é uma potente citocina pró-inflamatória e imunoestimulatória de efeitos pleiotrópicos, podendo causar efeitos benéficos ou lesivos, dependendo da quantidade e do tempo de produção. O efeito inibitório parece envolver maior taxa de degradação do RNA mensageiro de TNF-α. Essa citocina tem sido uma das principais implicadas no mecanismo de patogênese do dano neural na hanseníase (Moreira et al. 1993; Penna et al. 2005).

A efetividade da talidomida no tratamento do ENH é primeiramente devida à sua ação sobre o TNF-α, mas outros mecanismos podem contribuir para seu efeito anti-inflamatório (Walker et al. 2007). Ela atua na redução da expressão de citocinas como IL-6, IL-1β, bFGF, VEGF, interferon-gama (INF-γ) e possivelmente fatores de transcrição como o NF-кB. Modula a expressão de moléculas de adesão e estimula a proliferação de células T citotóxicas e induz a produção de citocinas anti-inflamatórias (Mercurio et al. 2017)

Entre os efeitos colaterais da talidomida destaca-se a neuropatia periférica, sonolência, constipação intestinal e teratogenicidade que é a responsável pelo estigma no seu uso. No entanto, sabe-se que seus reconhecidos efeitos colaterais, exceto a teratogênese e a neuropatia, não representam uma complicação grave.

A talidomida no Brasil é a droga de escolha para o tratamento do ENH. A dose de talidomida recomendada para o controle das reações varia de 100 a 400 mg/dia (Putinatti et al. 2014). A dose é adequada à gravidade do quadro clínico e não há indicação de desmame nas normas. No entanto, devido aos graves efeitos teratogênicos, o medicamento à base de talidomida somente pode ser prescrito para mulheres em idade fértil após avaliação médica com exclusão de gravidez por meio de método sensível, e mediante a comprovação de utilização de, no mínimo, dois métodos efetivos de contracepção para mulheres em uso de talidomida, sendo pelo menos um método de barreira (Brasil. Ministério da Saúde 2011).

A hanseníase é a principal doença para a qual a talidomida é prescrita no Brasil, mas o medicamento não é comercializado, sendo distribuído apenas

33 através de programas específicos do Ministério da Saúde, e dispensado seguindo regras explícitas e rígidas (Brasil 2003; Brasil. Ministério da Saúde 2011).

Até o final da década passada, o Brasil figurava como único produtor de talidomida, com finalidade de suprir a demanda do Programa Controle de Hanseníase (PCH). Estima-se que, entre 1965 e 2001, cerca de 91.000 pacientes com ENH tenham recebido talidomida, fornecida pelo PCH. Trata-se da maior utilização da talidomida em serviço de saúde pública no mundo, tendo-se em vista ser o Brasil o único país endêmico de hanseníase que dispõe dessa droga (Vianna et al. 2015).

1.3.3 Outros medicamentos

Além da prednisona e da talidomida, clofazimina e pentoxifilina também são medicamentos úteis no tratamento do ENH. Entretanto eles não atuam tão rapidamente quanto prednisona e talidomida, sendo úteis no controle do ENH recorrente ou crônico e na redução do uso de esteroides (Lockwood 1996; Sampaio et al. 1998; Roy et al. 2015) Outras opções incluem metotrexato, azatioprina, etanercept e infliximab embora ainda sejam pouco utilizados na prática clínica (Nagar et al. 2015; Chowdhry et al. 2016; Jitendra et al. 2017).

Apesar de todas essas opções de medicamentos no tratamento do ENH, nenhum deles é completamente eficaz e existe uma variabilidade na reposta ao tratamento entre os pacientes de ENH. Portanto, estudos de farmacogenética que avaliem polimorfismos genéticos de genes associados à resposta aos medicamentos utilizados ou ao mecanismo do ENH podem ser úteis para a identificação de melhores opções de tratamento.

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