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Em seu trabalho, Stewart & Spoehr (1952) haviam partido da premissa de que se não foram encontradas muitas amostras até então de lesões ósseas convincentes de treponematose na Europa antes do retorno de Colombo em 1493, da mesma forma também se pode afirmar que na América, antes de 1492, a sífilis venérea não era nada impressionante. Somente com o retorno da tripulação colombiana à Europa é que deveria ter sido desencadeada a famosa epidemia sifilítica de Nápoles e a sífilis venérea começa a se diferenciar da framboesia e da bejel. Mais tarde a doença teria voltado numa forma mais virulenta para as Américas e eventualmente para outras partes do mundo com os espanhóis. Disto depreende-se que tanto a sífilis teria origem recente, como a framboesia já existiria na América antes de Colombo. Ambos os autores estão inclinados em acreditar que a framboesia veio para a Europa com os escravos da África após o descobrimento da América (Stewart & Spoehr, 1952).

Há trabalhos controversos sobre a existência da sífilis antes de Colombo na Europa. Um deles é a análise de 240 esqueletos do cemitério do monastério em Hull (Grã Bretanha, utilizada entre 1316 a 1539). Cerca de 60% dos indivíduos apresentavam lesões em ossos longos compatíveis com sífilis venérea sendo datados entre 1.350 a 1.370 (Borobio, 2003). Os partidários da hipótese colombiana descartam a sífilis, alegando que eram lesões típicas de bejel por vários motivos, dentre eles que era uma comunidade fechada, onde este tipo de doença se espalha facilmente por contato direto e utensílios, além do que estes indivíduos tinham o costume de se auto-flagelar, o que poderia agravar o quadro (Borobio, 2003). O mesmo autor refere que praticamente as mesmas conclusões foram tiradas de uma análise de esqueletos datados do ano 600 AC provenientes de uma colônia grega da Grécia Magna no sul da Itália (Borobio, 2003).

Treponematoses e outras paleopatologias em sítios arqueológicos pré-históricos do litoral sul e sudeste do Brasil

(j.Filippini - 2012)

Outro caso provém de uma colônia romana do sul da Itália datada em 48 AC. Novak (2010) descreve um indivíduo do sexo masculino que faleceu quando tinha 40-50 anos de idade e apresenta lesões que atingem o crânio e o pós-crânio, principalmente as tíbias e fíbulas. O diagnóstico recai sobre sífilis venérea ou bejel, o que seria um dos primeiros casos de treponematose identificados com maior segurança na Europa, segundo o autor (Novak, 2010).

Um esqueleto datado entre 200-300 AD na região nordeste da Península Ibérica (Barcelona) também é compatível com treponematose, segundo os autores. Trata-se de um esqueleto masculino quase completo apresentando a idade de óbito entre 25 e 30 anos. Apenas a tíbia esquerda estava remodelada em forma de sabre; portanto este também é um dos casos mais antigos de treponematose encontrado na Europa (Rissech et al., 2011).

Um caso de provável sífilis venérea (sec. VI AD) foi encontrado em Apple Down Anglo-Saxon cemitério na Grã Bretanha. Trata-se de um esqueleto completo de homem jovem, com evidências indicativas de alto padrão de vida.

Este indivíduo porta extensa lesão craniana em osso frontal, típica de Caries

sicca e lesões do tipo periostite bilaterais da escápula, clavícula, braços,

pernas, mãos e pés e costelas, sem indícios de sífilis congênita (Cole & Waldron, 2011).

Assim, a treponematose teria aparecido em várias partes da Europa pré- colombiana. Na Holanda, os primeiros casos surgiriam a partir do século XIII (Brooks et al.,1994), enquanto na Itália existem boas evidências desde o século XIV até o século XVI (Fornaciari et al., 1994) e o mesmo acontece na França (Blondiaux & Alduc- Le Bagousse, 1994).

Roberts et al.(2010) avaliaram esqueletos de um cemitério datado de 1316-1450 localizado perto do rio Humber, diretamente conectado com o Mar do Norte. A hipótese testada é que os indivíduos ali encontrados com treponematose vinham de outros locais de fora da Inglaterra. Foram estudados por isótopos estáveis de oxigênio e estrôncio os dentes de 6 indivíduos com lesões ósseas compatíveis com treponematose e outros 6 sem lesão, como controle. Os resultados acusaram que a maioria dos indivíduos testados havia nascido e crescido naquele local, mas 3 indivíduos (um com treponematose e os outros 2 sem alterações ósseas) nasceram fora da Inglaterra. Este resultado

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compromete a teoria de ausência desta enfermidade na Europa antes do retorno de Colombo da América (Roberts et al., 2010).

Ôst et al. (2009) investigaram 641 indivíduos sepultados nas proximidades de um castelo medieval, localizado em Szeged, Hungria. Três dos esqueletos apresentaram lesões ósseas compatíveis com sífilis adquirida. Dois deles com datações anteriores à presença de Colombo na América, o que comprova a existência da sífilis venérea antes da descoberta do Novo Mundo pelos europeus, segundo os autores.

Um dos raros trabalhos que avaliam com a mesma metodologia séries osteológicas de uma mesma região é o estudo de Arcini de 1999, que avaliou 3305 indivíduos de três períodos subsequentes (990-1100, 1100-1300 e 1300- 1536 AD) em Lund, Escandinávia. Foram estudadas a idade, sexo, estatura, saúde bucal, articulações, infecções e traumas. A treponematose foi identificada apenas durante o período mais recente de 1300-1536 AD, o que argumenta a favor da existência de treponematose antes de Colombo no norte da Europa, embora em frequência muito reduzida.

Assim, alguns autores argumentam que o clima e outros fatores poderiam ter detido ou atenuado o avanço da sífilis mais para o norte da Europa, antes de Colombo e que a treponematose só se alastrou para o sudeste europeu com o império Otomano (século XVI – XVII), permanecendo de forma endêmica na Bósnia (Grin, 1935; Guthe & Willcox, 1954; Brothwell, 2005).

Porém, uma revisão recente de 54 trabalhos publicados internacionalmente, sobre treponematose pré-colombiana no Velho Mundo (Harper et al., 2011), revela que todos os casos reavaliados não foram confirmados como sendo de sífilis. Foi demonstrado também que muitos dos trabalhos paleopatológicos mais antigos não contém informações adequadas sobre os métodos de datação dos indivíduos usados. Além disso, a qualidade das fotos apresentando as lesões de interesse seria na maioria ruim. Portanto, segundo estes autores, não há evidências claras de sífilis na Europa antes de Colombo. Assim, continuaria plausível, a hipótese Colombiana (Harper et al., 2011).

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