O esforço constante para reduzir os riscos relacionados à transfusão de sangue
vem incentivando a organização de serviços e procedimentos voltados para a seleção
de doadores em condições adequadas de saúde, isto é, de acordo com o que preconiza
a legislação e com as habilidades do triagista em fazer a entrevista.
É a partir deste momento de transição na historia da hemoterapia que a
enfermagem começa a desempenhar papel importante. Com a criação dos
hemocentros, a enfermagem ampliou o seu campo de atuação, exercendo a função
inicial de organizar, juntamente com outros profissionais, essa estrutura, que hoje se
apresenta ampliada em hemorrede e posteriormente atuando na triagem clínica dos
doadores, contemplando a necessidade de profissionais que fizessem cumprir com o
maior rigor as questões relacionadas ao desempenho desta função (KOECHE, 2000).
Segundo Kutner (1998), a Triagem Clínica foi originalmente introduzida com a
intenção de reduzir a transmissão de hepatite viral por transfusão.
De acordo a RDC nº 153/2004, a triagem clínica pode ser exercida por
profissionais de nível superior na área da saúde, sob supervisão de um médico, quando
não realizada pelo médico. Constitui-se de uma entrevista, onde o(a) triagista faz uma
avaliação da história clínica e epidemiológica, do estado de saúde, dos hábitos e
comportamentos do candidato à doação, para determinar se ele está em condições de
doar sangue sem que haja prejuízo à sua saúde e a do receptor.
Durante a entrevista, a individualidade do doador, privacidade e sigilo das
informações devem fazer parte da ética profissional do triagista. Cabe também ao
triagista prestar informações que visam à proteção do doador e esclarecer que este
procedimento é repetido a cada doação, pois cada uma se configura em momento
distinto.
A entrevista da triagem clínica é fundamental no processo do “ciclo do
sangue”, pois a prevenção da transmissão de doenças pelo sangue não pode ser
controlada totalmente pelos testes sorológicos para doenças como: hepatite B e C,
HIV–1 e 2 (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), Doença de Chagas, Sífilis,
HTLV I e II (Vírus Linfotrófico de Células T Humana). Há possibilidade do sangue
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estar contaminado e o teste apresentar resultado falso negativo. Isto ocorre geralmente
em testes de indivíduos que foram infectados recentemente e estão no período da
“Janela Imunológica”, e é ainda na entrevista da triagem clínica que se pode identificar
as situações de risco para “Janela Imunológica” - JI – que é o período no qual uma
pessoa recentemente infectada não apresenta anticorpos detectados pelo método de
triagem sorológica, porém é infectante (BRASIL, 2004).
Ao final da entrevista, a triagista deve ter segurança e conhecimento, pois
muitos dados subjetivos devem ser valorizados e avaliados. Se existir uma relação de
confiança e empatia, o doador terá uma postura consciente e verdadeira, sendo
partícipe na decisão junto à triagista, percebendo-se apto para doar sangue ou inapto
temporário ou definitivamente. As causas objetivas de inaptidão temporária ou
definitiva estão descritas na RDC 153/2004, e as causas subjetivas estão ligadas à
percepção e habilidade do triagista em captá-las. Isto vem ao encontro do que refere
Koeche (2000), quando coloca que na triagem clínica, além das informações objetivas,
aspectos subjetivos são analisados através da comunicação verbal e não verbal do
candidato. A entrevista nada mais é que um diálogo onde perguntamos e ouvimos o
outro para obtenção de informações.
Petersen (1994) é enfático ao dizer que a entrevista pré-doação tem um papel
estratégico fundamental na identificação de indivíduos de risco, para a transmissão de
doenças por transfusão. Entretanto, a entrevista baseia-se em três premissas: a
honestidade das respostas dos candidatos à doação, a percepção do risco que podem
estar colocando a terceiros e a compreensão das perguntas que lhes são formuladas. Se
isto não ocorrer, a eficiência do método poderá estar prejudicada.
Wiliams (1997) refere que diversos estudos que analisaram doadores positivos
para o Anti-HIV e para outros marcadores, indicaram que a maioria deles
posteriormente admitiu um ou mais fatores de risco, que deveriam ter sido a razão para
recusa quando de sua entrevista. Isto levanta a possibilidade de que uma proporção
ainda maior de doadores com testes sorológicos negativos possam também possuir
comportamento de risco, não detectados no momento da triagem clinica, pelo fato de
estarem na “janela imunológica”.
transfusão passa pela seleção cuidadosa dos doadores. A educação e a informação da
população, promovendo uma “auto-seleção” dos candidatos à doação antes mesmo de
comparecerem para doar, tem papel fundamental.
Pela singularidade do ser humano, suas particularidades e riscos advindos da
doação aos receptores, é de suma importância fazer uma reflexão sobre os riscos
relacionados à segurança do sangue, baseado na tese do professor Richard Titmus,
defendida em meados dos anos sessenta, e que continua sendo referência até hoje. Para
tanto, buscamos em Cárdenas (2005, p.26), que se baseou neste estudo, a descrição de
alguns tipos de doadores de sangue: doadores remunerados (vendem seu sangue);
doadores profissionais (doam sangue regularmente recebendo pagamento); doadores
voluntários induzidos pelo pagamento (doador que recebe pagamento em dinheiro,
embora declare que sua motivação principal não é o dinheiro); doador de crédito
familiar (doador apto efetua cada ano uma doação pré-depósito, para garantir a ele e a
família as suas necessidades transfusionais); doador voluntário cativo (doadores em
situação de reclusão e submissão a uma autoridade); doador voluntário de benefícios
adicionais (doadores voluntários que são atraídos pela perspectiva de uma recompensa
não monetária, atestados, prioridades e benefícios); doador voluntário de comunidade
(doadores que doam sem nenhuma recompensa e consciente quanto ao ato de doar),
sendo este último considerado o doador mais seguro, os quais, no entanto,
não
representam a maioria; e doadores de reposição (vem repor o sangue quando
solicitado por amigos, parentes, comunidade), sendo que nesta categoria estão
incluídos os vários tipos de doadores citados.
Buscando na revisão de literatura material sobre o assunto triagem clínica de
doadores de sangue com ênfase no aspecto subjetivo desta atividade, encontramos nos
trabalhos de Matos (1986) e Bellato (2001), algumas considerações que apontam as
ações educativas e a humanização da assistência ao doador como fatores fundamentais
na realização da triagem clínica.
Matos (1986) sugere aos Serviços de Hemoterapia, aos órgãos de saúde e seus
profissionais, à comunidade e ao sistema, que adotem medidas de assistência aos
doadores, tendo como pressuposto a visão holística da pessoa.
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de sangue no Brasil reflete um problema social. A quantidade de doadores de sangue
corresponde a cada ano a menos de 1% da população. Acredita que com o
desenvolvimento de ações educativas esta realidade pode ser modificada.
No documento
Triagem clínica de doadores de sangue: espaço de cuidar e educar
(páginas 30-33)