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Resenha de Fundação (238 páginas), Fundação e Império (244 páginas) e Segunda Fundação (235 páginas), de Isaac Asimov. Tra-dução de Fábio Fernandes e Marcelo Barbão. Capas de Delfin. São Paulo: Editora Aleph, 2009.

Resenha

Volta de um Clássico ao Brasil: Trilogia Fundação Marcello Simão Branco Apenas nos anos 50 é que as histórias foram

reu-nidas em três volumes: Foundation (1951),Founda-tion and Empire (1952) e Second Founda(1951),Founda-tion (1953).

A publicação em formato de livro valorizou a obra e a popularizou ainda mais, para além do círculo dos fiéis apaixonados pelo gênero.

A popularidade da obra é indiscutível, como atestam estes dois fatos: em primeiro lugar, recebeu o Prêmio Hugo Especial de 1966, como “a melhor série de todos os tempos”, uma distinção única, cria-da à parte no mais importante prêmio do gênero. E em segundo, aqui no Brasil, no restrito ambiente do fandom, foi escolhido por duas vezes o “melhor ro-mance de ficção científica de todos os tempos”, em votações dos leitores do fanzine Megalon, em 1991 e 1998.

A história é uma grande saga de dimensões épi-cas que procura mostrar a expansão humana por toda a Via-Láctea. Neste universo não existem alie-nígenas e nós nos espalhamos por toda a galáxia, construindo um gigantesco império formado por milhares de planetas, todos controlados pelo cen-tro político, a capital Trantor. Se você pensou no Império Romano, está correto, pois a inspiração é assumida pelo próprio autor. Mas ele foi além ao apresentar como este poderoso império – a exem-plo do romano – semeia em seu próprio esplendor as contradições internas que o levam à decadência e violenta dissolução, num retorno à “barbárie”.

Hari Seldon, um brilhante cientista, cria a ciência da psico-história como um antídoto para reduzir os efeitos catastróficos da queda do império, prevista por ele para acontecer em alguns séculos. É acusado de conspirador, mas seu plano é aceito e posto em prática. São estabelecidas duas colônias de cientis-tas nos extremos do império – as fundações – de motivações distintas, para preservar a sabedoria e a cultura, e continuar desenvolvendo a ciência e a tec-nologia mesmo em tempos de barbárie. Para Seldon não será possível impedir a queda, pois o processo já estaria adiantado, mas permitir o ressurgimento em apenas mil anos de um novo e revigorado impé-rio galáctico.

A psico-história é uma ciência que lida com os

fenômenos sociais de um ponto de vista coletivo, adotando princípios filosóficos de indução e as fer-ramentas da estatística. Pode soar pouco crível, mas bebe na fonte das teorias dos jogos, que começaram a ganhar ímpeto nos anos quarenta e têm servido como um suporte metodológico importante para as ciências sociais desde então, em especial para a economia.

As diversas aventuras situadas nos três volumes mostram as turbulências entre o fim do império e o surgimento de vários pequenos estados despóticos, assim como o desenvolvimento das duas fundações, que tem por objetivo restaurar a glória perdida do status quo. Contudo, aparece uma situação não planejada pelas equações da psico-história, um po-deroso mutante com poderes mentais chamado O Mulo, que ambiciona assumir o controle da galáxia.

Se é verdade que estamos diante de uma clássica história ao estilo space opera – colonização espa-cial, futuro de consenso, grandes períodos de tem-po, ritmo de aventura e personagens pouco densos em sua maioria -, percebe-se o quão complexa é a trama e as várias nuances que surgem ao longo dos três romances. Chama a atenção que a ênfase do enredo esteja no processo histórico e nas mu-danças na sociedade, ou seja, discute-se as relações humanas numa aventura de space opera, que é mais afeita também à exploração de grandes engenhos tecnológicos. Em Fundação, eles apenas fazem par-te do pano de fundo, aceitos como inpar-tegranpar-tes da ci-vilização. Deste modo, Asimov descola a ênfase das ciências naturais para as sociais, utilizando, contu-do, o uso de uma nova ciência que alia História e Matemática.

Há quem veja também em Fundação os efeitos do contexto político em que a história foi criada, pois estávamos em plena Segunda Guerra Mun-dial. Talvez Asimov especulasse sobre o destino do modo de vida dominante na época, primeiramente desafiado pelo colapso da balança de poder entre as potências europeias (na Primeira Guerra Mundial) e anos depois por um regime totalitário que a todos queria subjugar. Assim, talvez as duas fundações fossem representações das democracias e seus valo-res civilizatórios em perigo.

Volta de um Clássico ao Brasil: Trilogia Fundação Marcello Simão Branco

69 Já para a figura de Seldon e seus colaboradores, seria possível estabelecer um paralelo com a ideia de Platão, de sábios a conduzir o destino da socie-dade, em que a ciência teria as melhores soluções para os conflitos inerentes da natureza humana.

Aqui poderíamos compreender as implicações da história de um ponto de vista mais autoritário.

Seja qual for a interpretação mais relevante – ou outras, a depender da interpretação de cada um -, o fato é que a Trilogia da Fundação é uma obra sig-nificativa, pois vai além do tradicional das histórias de exploração do espaço que procuravam mostrar muito da visão anglo-americana de como se cons-tituir a melhor forma de sociedade. Em Fundação, tais alicerces são construídos para depois serem questionados, a partir de desafios políticos e sur-presas do destino.

Durante os anos oitenta esta obra foi publica-da pela editora Hemus, de São Paulo, em um úni-co volume. A edição era modesta mas simpática e, melhor, econômica. O relançamento ocorre em três volumes separados, o que encarece a compra.

Ainda mais porque a edição é bem produzida, com

uma tradução melhor do que a anterior, ainda que as ilustrações de capa destoem do espírito da obra.

Quem tem a edição da Hemus deve preservá-la, já que ela é única também com relação ao conteúdo, pois é a tradução da obra original escrita nos anos 40. Já a da Aleph contempla uma revisão realiza-da por Asimov em meados dos anos oitenta para padronizá-la em relação ao conjunto de suas obras de ficção científica, já que ele passou a escrever ou-tras aventuras dentro deste universo. Seja por qual edição for, o excitamento pelo entretenimento inte-ligente ou por debates político-filosóficos subjacen-tes garante uma leitura rica e ilustrativa da própria evolução do gênero no século 20.

*Marcello Simão Branco é um dos editores do Anuário Bra-sileiro de Literatura Fantástica.

Texto originalmente publicado no site Terra Magazi-ne: http://terramagazine.terra.com.br/ficcaoespeculativa/

blog/2009/09/26/resenha-convidada-volta-de-um-classico -ao-brasil/

Issac Asimov e os Legados Quase