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Tuberculose como algo normal

No documento A pessoa com tuberculose e o cuidado de si (páginas 54-56)

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.2.2 Tuberculose como algo normal

Nem todas as falas dos participantes, sobre como se sentem por ter tuberculose, revelaram uma visão de algo triste ou que os fizesse ficar com o estado emocional abalado. Algumas respostas revelaram ser o estar com tuberculose algo normal e que não chegou a afetá-los de forma tão marcante.

Nesse sentido, a fala do entrevistado a seguir demonstra que descobrir estar com a doença veio até mesmo a representar um alívio, ao passo que ao conhecer o que tinha poderia se tratar para chegar à cura:

[...] Isso aconteceu porque teve que acontecer... Eu não senti preocupação, eu devia sentir preocupação se eu não tivesse tomado o medicamento, mas tô tomando. E antes eu não tava tomando. Não tive reação de nada, de tristeza de nada. Como era que eu ia cuidar de uma coisa sem saber? Procurei saber pra me cuidar, né? Porque eu tava um pouco doente, mas não tava tomando nada, comprava remédio de farmácia e não tava servindo de nada, então eu fui fazer uns exames de sangue e procurar uma atitude melhor, né? E tô me recuperando e tô muito bem graças a Deus. Não sinto nada (ENTREVISTADO 6).

Tal fala remete a uma concepção apresentada por Foucault; quando se referindo ao cuidado de si, descreve que este, além das inúmeras técnicas de exames de consciência, cuidados com o corpo, regimes de saúde, exercícios físicos, satisfação comedida das necessidades, meditações, entre outras, circunscreve uma necessidade de conhecimento de si que seja capaz de filtrar as representações, “seguindo o princípio daquilo que depende ou não de nós, em que se desvaloriza o que não depende de nós, para a conversão a si e a posse de si” (PORTOCARRERO, 2009, p. 238).

Assim, o fato de estar com tuberculose representou não uma perturbação, mas sobretudo uma possibilidade de cuidar-se para algo que o afetava, mas até então era

desconhecido. Embora revelando uma doença cujo surgimento nem sempre depende da pessoa acometida, a implicação para com o tratamento depende sobremaneira da forma como a doença é percebida.

Para Foucault (2010), é preciso ao longo da vida ter atenção a si mesmo, desviando-se de tudo que possa necessitar nossa aplicação, atenção e zelo que não seja nós mesmos. Com isso, percebe-se que uma doença é uma situação que requer uma atenção especial, pois pode provocar alterações físicas, biológicas e psíquicas que podem repercutir no cuidado de si.

Noutra perspectiva, observa-se, para algumas pessoas, ser a tuberculose uma doença que já faz parte do cotidiano delas, e que, devido a um tratamento incorreto ou até mesmo uma recidiva motivada por outros fatores, pode acometer a mesma pessoa por mais de uma vez, de modo que a mesma seja capaz de graduar a gravidade de sua situação pelo tipo e/ou período de tuberculose vivenciada.

[...] Normal que eu já tive a outra, pulmonar, quando eu era drogada, eu tive tuberculose pulmonar, do pulmão... Não fiquei com medo... porque da outra tuberculose que eu tive eu num me cuidava, só me drogava e bebia. Porque a tuberculose, a outra, era mais pior porque era no pulmão. E pra mim era mais pior (ENTREVISTADO 10).

Este relato aproxima-se da discussão foucaultiana em tela, ao passo que o cuidado de si é ligado de forma íntima ao passado. Assim, a lembrança de um acontecimento passado, como fora o caso supracitado, representa a possibilidade de se questionar sobre o que representou este acontecimento, que ação ele pode ter sobre si, em que medida se pode estar livre dele e qual a atitude que se deve ter perante ele (FOUCAULT, 2010).

Ainda para Foucault (2010), as pessoas que não realizam este exercício de lembrança do passado e de acontecimentos, deixando a vida correr sem memorizar e rememorizar os acontecimentos, são consideradas stultus. No caso deste entrevistado, embora relembre a situação pregressa de adoecimento, ele não parece compreender atualmente sua doença com a importância devida, de modo a não entender a complexidade da situação de saúde-doença que vivencia.

A fala supracitada elucida ainda que alguns doentes são o que se pode chamar de um grupo de risco para um desfecho insatisfatório do tratamento e devem ser observados pela equipe multiprofissional de saúde com vistas a assegurar a adesão do mesmo ao tratamento, garantindo a cura e evitando a cadeia de propagação da doença.

Na análise de conteúdo temática da categoria Cuidado de si com tuberculose: ações práticas e dificuldades, percebe-se que as pessoas entrevistadas não separaram o que elas conhecem sobre o cuidar de si daquilo que elas relatavam como as ações práticas que desenvolvem cotidianamente, visto que as respostas em parte se repetiam e estavam em um nível de imbricação tamanho que os conhecimentos eram respondidos com ações e vice-versa. Dessa feita, elencaram-se em uma mesma categoria as falas para os dois questionamentos, separando as subcategorias que emergiram em torno do tema.

Ao se colocarem sobre o que é cuidar de si, os participantes em sua maioria associaram suas respostas a aspectos relativos à higiene, alimentação, busca de cuidados de saúde, descanso, repouso, seguimento de prescrições e orientações médicas.

Em geral, o conhecimento do cuidado de si esteve ligado a ideias de prevenção, de evitar exposição a hábitos que pudessem prejudicar sua saúde física; com isso, algumas subcategorias relacionadas ao cuidado de si e à prevenção emergiram, tais quais: o seguimento de prescrições e o cuidado de si como satisfação de necessidades básicas, apresentadas e analisadas a seguir.

No documento A pessoa com tuberculose e o cuidado de si (páginas 54-56)

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