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3. DIREITO DA MODA (FASHION LAW) E A TUTELA DA

3.4 A TUTELA DO INTELECTO: A DISCUSSÃO ENTRE A LEI DE PROPRIEDADE

Inicialmente se analisa o direito autoral, e em seguida, analisam-se os elementos específicos ou de congruência em relação à propriedade industrial. Como ponto de partida, tem-se o chamado copyright surgido no direito inglês312, mas que é vastamente utilizado no direito norte-americano, tendo como contra partida o Direito do Autor, de origem francesa, em que há uma inclinação brasileira a seguir.

312 MARIOT, Gilberto. Fashion Law: a moda nos tribunais. São Paulo: estação das letras e das cores, 2016, p.

Não se pode deixar de observar a importância do texto constitucional americano de 1787, ao tentar encontrar um ponto em comum da obra no estado da técnica ou da arte. Desse modo, previa o texto constitucional que os autores e inventores tinham direito exclusivo sobre os escritos e descobertas realizadas313.

Não obstante, no direito norte-americano, o copyright é explorado e discutido sob a ótica de um dos principais problemas específicos da moda que frequentemente existem nos litígios314. Enquanto que no Brasil alguns requisitos legais devem ser observados, como a “ordem extrapecuniária, imaterial, albergada no cerne moral da obra; em seguida, o de ordem patrimonial, protegido sob o manto do Direito de propriedade315”.

Os preceitos inerentes aos direitos autorais e ao copyright, para que ambos existam no mundo jurídico e sejam passíveis de análise, são vistos da seguinte forma: o primeiro é analisado pelos conceitos legais, e esclarece que “pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou316” e o segundo é visto como o direito de cópia ou reprodução317.

Para isso, é necessário realizar um breve comentário acerca do copyright e do direito autoral em termos históricos, pois originalmente ambos se relacionavam apenas com obras literárias. O primeiro era focado na reprodução dos exemplares e o segundo na pessoa do próprio autor318.

O direito do autor possui duas bifurcações em termos de natureza jurídica, a de ordem pessoal e a de ordem patrimonial. A primeira se relaciona com a ordem moral e o intelecto do autor no momento da criação, enquanto que a segunda é que se relaciona com o direito de ordem real da obra, logo, é o gozo econômico total ou parcial da obra319.

A garantia da obra em termos de pecúnia é dada justamente por causa dessa última divisão, pois há uma possibilidade de gerar valores para o autor, ou para terceiros, definitivamente ou temporariamente320. Depreende-se que é o direito autoral protegido em

313 SILVEIRA, Newton. Propriedade intelectual: propriedade industrial, direito de autor, software, cultivares,

nome empresarial, abuso de patentes. São Paulo: Editora Manole Ltda., 2014, s. p;

314 JIMENEZ, Guillermo C.; KOLSUN, Barbara. Fashion law: A guide for designers, fashion executives and

attorneys. 2.ª edição. Nova Iorque: Fairchild Book, 2014, p. 45. Para os autores, o copyright faz parte do Fashion Law, por isso é aqui estudado.

315 MARIOT, Gilberto. Fashion Law: a moda nos tribunais. São Paulo: estação das letras e das cores, 2016, p.

76.

316

É o que dispõe o art. 22, da Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/88). BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm> acesso em 09 fev. 2018.

317 Idem 314, p. 78. 318

Bisidem, p. 79.

319 Op. cit, p. 79-80.

duas vertentes, a patrimonial e a moral, tutelando a criação e a obra final. Esse conceito é distinto quando relacionado ao copyright, pois a única coisa que se protege é a obra321.

O copyright322, em tradução mais livre, é o direito da cópia para o direito norte- americano, que busca analisar esse direito junto com a proteção oferecida pelo direito do autor e as possíveis lides que poderão surgir323. Também se tutela uma imagem, uma pintura em uma camiseta, um padrão de tecidos, uma fotografia de um modelo vestindo uma parte de roupa ou uma parte de uma joia324.

Mas somente isso é protegido pelo copyright, os casos de artigos de vestuário tridimensionais nunca foram totalmente levados para os Estados Unidos325. Isso se justifica, assim como no Brasil, pelo o fato de que algumas espécies são essencialmente protegidas pela propriedade intelectual, como é o caso das patentes ou o conjunto de vestuário326.

O problema da tutela do copyright no âmbito da moda se concretizou em um caso que foi julgado envolvendo um design de sapato. Não estava claro quais elementos do design seriam suficientes para "separar" um primeiro modelo de sapato de um segundo modelo, podendo esse ser ou não considerado uma cópia ilegal do primeiro. Isso mostra que é relevante para o direito determinar quais características de design acarretam em uma proteção genérica do design (copyright) e quais não são suficientes.

Para determinar se um design é suficiente diferente de outro, de modo a não infringir o copyright, devem ser observados os padrões originais de fábrica, imagens, artigos de utilidade 327, nível dos detalhes trabalhados em joias,328 nível de peculiaridades do vestuário e

2016, p. 60 e 61.

321 Este é o pensamento predominante dos autores Luiz Otávio Pimentel e José de Oliveira Ascensão citado por

CARDOSO, Gisele Ghanem. Direito da moda: análise dos produtos “inspired”. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 61-62.

322

O copyright é protegido pelos Estados Unidos desde o Ato do Copyright do ano de 1970, cujo prazo de proteção era de 14 anos. JIMENEZ, Guillermo C.; KOLSUN, Barbara. Fashion law: A guide for designers, fashion executives and attorneys. 2.ª edição. Nova Iorque: Fairchild Book, 2014, p. 45.

323

JIMENEZ, Guillermo C.; KOLSUN, Barbara. Fashion law: A guide for designers, fashion executives and attorneys. 2.ª edição. Nova Iorque: Fairchild Book, 2014, p. 45.

324 Idem, p. 45. 325 Bisidem, p. 45.

326 Tradução livre para o trade dress em op. Cit., p. 25 é: “The characteristic and distinctive visual presentation of a product; may include packaging and design elements”.

327 Neste tópico, op. Cit., passim, citam os casos da Swatch versus Siu Wong Wholesale, que a corte decidiu que

a obra de arte é copyrightable. Outro caso é o da Samara Bros versus Wal-Mart Stores, que foi encontrada proteção majoritariamente nas imagens eram passíveis de proteção das cópias, para as aplicações de morangos, corações e tulipas, por exemplo. Para a Corte, a decisão partiu do fundamento de estreitamento em que os direitos de cópia de retratar objetos familiares, como corações e morangos dos direitos de cópia de Samara são intitulados para limitar a proteção que são visualmente identificados como cópias presentes no caso.

328

O direito das cópias nas joias se iniciou em 1950, quando a Corte de Nova Iorque afirmou a copiabilidade de ornamentos de joias como braceletes, e outros elementos. Op. cit, p. 49 ao tratarem desses casos, considerarem a proteção do direito à cópia como inconsistente, pois não há uma jurisprudência que afirme em quais casos serão

de acessórios329. Exige-se um mínimo de originalidade no produto copiado, para que não seja penalizado pelo copyright.330.

Como proteção aos desenhos industriais, existe o chamado registro industrial, que é equivalente em alguns países ao registro de patentes. Muitas vezes são protegidos desenhos ornamentais, tais como sapatos, óculos e frascos de perfume. A maioria dos países requer que a marca ou companhia do designer solicite o registro antes de associar o produto a um local de venda, como ocorre nos Estados Unidos, que possuem um período de graça331, também aplicável no Brasil.

Acerca da proteção do copyright em nível mundial, oferece proteção e possibilidade de certificação do registro os Estados Unidos, com notáveis exceções: Canadá e China. Ademais, para garantir essa proteção, celebrou-se um acordo internacional na Convenção de Berna332. O acordo determinou vários aspectos da lei de copyright moderna, introduzindo o conceito de que a proteção existe assim que o trabalho é criado, em vez de requerer registro prévio. A Convenção também trouxe a exigência de que os signatários reconhecessem direitos de copyright possuídos por cidadãos de todos os demais signatários.333. Os Estados Unidos inicialmente não fizeram parte de tal Convenção Internacional334, mas o país se tornou um signatário a partir de 1988.

Em relação à proteção internacional, coloca Kolsun e Jimenez que, em uma perspectiva global das marcas, a proteção intelectual nos Estados Unidos é necessária, mas não é suficiente. A propriedade intelectual pode ser protegida em termos mundiais devido a sua base. Mas é extremamente necessária a prevenção da entrada dos knockoffs nos Estados

utilizados, se nos casos de acessórios contendo ouro, prata e outros elementos ou nos casos de necessidade de uma originalidade mínima.

329

Nesse caso, os autores JIMENEZ, Guillermo C.; KOLSUN, Barbara. Fashion law: A guide for designers, fashion executives and attorneys. 2.ª edição. Nova Iorque: Fairchild Book, 2014, p. 49-50, também tratam de casos, como o da Kielselstein-Cord versus Accessories by Pearl Inc., em que “Kieselstein-Cord is often described as a “landmark” case and cited as the archetypal example of copyright protectio being accorded to “separable” artistc componentes of fashion. Foe a time, the case proved influential.”

330 Idem, p. 46. O autor ainda cita os casos da Prince Group versus MTS Prods, que trata sobre uma polca dotada

de sombra; Folio Impressions Inc. versus Byer California, que trata de uma rosa específica como de uma das empresas, mas acabou caindo em domínio público e por último, o caso da Royal Printex Inc. versus Unicolors Inc., que assim como o caso anterior, a Corte também achou elementos de originalidade insuficientes para garantir o copyright.

331 Bisidem, p. 51.

332 De acordo com CARVALHO, Thaís Lima A. O. de. Proteção da moda por propriedade intelectual e

inovação: diálogo entre os modelos francês e estadunidense. In. ROSINA, Mônica Steffen Guise; CURY, Maria Fernanda (Org.). Fashion Law: Direito e Moda no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 93-104, p. 98: O país que como o Brasil é signatário da Convenção de Berna e tutela a propriedade intelectual é a França, através do Code de la Propriété Intellectuelle e dos enforcement, ou seja, da busca e apreensão de produtos falsificados.

333 Op. Cit., p. 50-51, 334 Idem 331, p.98.

Unidos e a prevenção da produção de knockoffs no resto do mundo335.

Assim, o pensamento final em relação ao Direito da Moda e à aplicação dos direitos autorais é a mesma citada por Gilberto Mariot, acerca da impossibilidade de aplicação desses no ramo da moda, principalmente nos Estados Unidos.

Isso se justifica “seja na parte de concepção, criação e projeto, seja na criação de estampas, ou mesmo na modelagem de vestuários ou nos acessórios de Moda em geral, como calçados, bolsas, lenços etc.336”.

Outra justificativa é a de que nos Estados Unidos existe o chamado Piracy

Paradox337, ou seja, a pirataria prejudica tanto esse ramo que é considerada como a que “se

beneficia da falta de proteção jurídica338”. Essa se relaciona diretamente com os direitos autorais, que não são cobertos por tal proteção339.

Isso se justifica porque as criações dos designs de moda nos Estados Unidos são vistas como obras utilitárias,340, portanto, sem valia para a tutela do direito autoral.

Para chegar a essa conclusão uma análise é simples, há elementos próprios da Propriedade Industrial que especificamente já tutelam a parte criativa da moda, que como visto é o desenho industrial. Assim, já existem elementos suficientes que tutelam as etapas iniciais do produto. Além da própria forma como o direito autoral é visto nos Estados Unidos.

Outra justificativa é a de que o TRIPS, ao tratar da lei autoral relacionada com artes e literatura, abrange somente isso, sem levar em consideração outros elementos, como as obras consideradas funcionais e utilitárias, nas quais estão inseridos os produtos do mundo da moda. Ou seja, é mais um elemento que justifica a inaplicabilidade do direito autoral a esse ramo, e ratificando a ideia/tese de que o melhor a se utilizar em tais casos é o direito da propriedade industrial341.

Essa crítica, trazida brevemente, dá-se pelas largas decisões dos tribunais e das petições dos advogados, que largamente trabalham na tutela dos direitos autorais para

335

JIMENEZ, Guillermo C.; KOLSUN, Barbara. Fashion law: A guide for designers, fashion executives and attorneys. 2.ª edição. Nova Iorque: Fairchild Book, 2014, p. 50.

336 MARIOT, Gilberto. Fashion Law: a moda nos tribunais. São Paulo: estação das letras e das cores, 2016, p.

79-86.

337 Paradoxo da pirataria. 338

CARVALHO, Thaís Lima A. O. de. Proteção da moda por propriedade intelectual e inovação: diálogo entre os modelos francês e estadunidense. In. ROSINA, Mônica Steffen Guise; CURY, Maria Fernanda (Org.). Fashion Law: Direito e Moda no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 93-104, p. 94.

339

Idem, p. 94.

340

Bisidem, p. 94-95. A autora coloca como obra utilitária e obra não utilitária.

341 Idem 335, p. 87. O autor também citando José Oliveira Ascenção na mesma página, também esclarece que o

outro elemento é o período de proteção, cujas obras de propriedade industrial, o prazo é de 25 anos, enquanto que o do direito autoral é de 60 anos. Já nos Estados Unidos, na obra JIMENEZ, Guillermo C.; KOLSUN, Barbara. Fashion law: A guide for designers, fashion executives and attorneys. 2.ª edição. Nova Iorque: Fairchild Book, 2014, p. 45, dispõe que o prazo de proteção das obras autorais é de 70 anos.

fundamentar ações e decisões judiciais que tramitam ou tramitaram nos tribunais. Muitas vezes isso se fundamenta pelo fato de que tais casos dispensam o registro, diferente do que ocorre com a propriedade industrial342.

Como exemplo, nos Tribunais americanos citam-se casos como o Mazer vs. Stein343, cujo objeto da decisão aduz que apenas a obra de arte relacionada à perícia é arte, tudo que dê utilidade ao objeto não é.

Além disso, em relação ao Direito da Moda, ao copyright e às artes aplicadas, em análise comparativa com o direito do autor, nos Estados Unidos não há a tutela das artes aplicadas, diferente do que ocorre com o Brasil344.

A legislação norte-americana está tentando rever a forma como se tutelam os designs de moda. Tanto que há mais de 10 anos os estilistas tentam mudar a legislação americana sobre o tema por meio de Projetos de Lei, como: Lei de Proibição à Pirataria de Designs e Lei de Proteção345 e Prevenção contra Pirataria de Designs Inovadores346.

O intuito de tais legislações era de criar uma base de dados unificada via internet que possibilitasse uma consulta das marcas ou designs. Essa base de dados347 tinha como objetivo maior disseminar a proteção dos direitos autorais para os mais diversos produtos do mundo da moda, como sapatos, bolsas e óculos348.

Contudo, todos os esforços despendidos pelos estilistas norte-americanos foram em vão, e os projetos restaram rejeitados pelo Congresso Nacional dos Estados Unidos e, consequentemente, a proteção dos direitos autorais aos estilistas, continua inexistindo349.

342 MARIOT, Gilberto. Fashion Law: a moda nos tribunais. São Paulo: estação das letras e das cores, 2016, p.

87.

343 CARVALHO, Thaís Lima A. O. de. Proteção da moda por propriedade intelectual e inovação: diálogo entre

os modelos francês e estadunidense. In. ROSINA, Mônica Steffen Guise; CURY, Maria Fernanda (Org.). Fashion Law: Direito e Moda no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 93-104, p. 94, coloca que o caso trata de elementos decorativos de lustres e lâmpadas.

344 Idem 341, p. 85. 345

Design Piracy Prohibition Act 346

Innovative Design Protection and Piracy Prevetion Act.

347 No Brasil, há um aplicativo de celular que une marcas e que trata das políticas da empresa, do

monitoramento, da transparência e do histórico de trabalhos em condições análogas à de escravo, chamado “Moda Livre”.

348 Idem 342, passim 349 Bisidem 347, p. 97-98.

4. A PROPRIEDADE INDUSTRIAL SOB O ASPECTO DE PROTEÇÃO