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4. Realização da Prática Profissional

4.3. Área 2 – Participação na Escola e Relações com a Comunidade

4.3.2 Tutoria

Durante a reunião do Conselho de Turma, para lançamento de notas, do primeiro período, surgiu a estratégia de dois alunos da turma serem acompanhados por uma tutoria durante o segundo período. Questionando todos os elementos, apenas uma professora se disponibilizou para ficar com um dos

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alunos (que mais tarde foi transferido de turma). Ninguém se oferecia para tutoria do outro aluno, o Zé5, lançavam nomes, empurravam uns para os outros, eu

permanecia sempre calada nestas reuniões, até que o meu antigo professor de Inglês falou em mim. Eu aceitei desde logo, acreditei que poderia fazer um bom trabalho.

A tutoria é muito mais do que reunir com um aluno durante 1 hora por semana, é estar disponível sempre! Inicialmente, o Zé reagiu com rejeição à tutoria, ele não sabia o que era uma tutoria, achava que era mais uma consulta de psicologia, e então afirmava “ não sou tolo não preciso de tutoria”. Eu expliquei-lhe que a tutoria não era para tolos, disse que o queria ajudar a subir as negativas que tinha de perceber o porquê de ele ter tantas participações disciplinares. Disse-lhe que não iríamos ter um horário marcado, mas que eu estava disponível sempre que ele necessitasse.

Ainda assim, ele não acreditou, eu deixei que se passasse algum tempo para ver o que ele fazia. Na aula de Educação Física, questionava-o se a semana tinha corrido bem, já sabendo que ele tinha levado outra participação disciplinar. Inicialmente respondia sempre que sim, no entanto, passado duas semanas da primeira conversa, foi ele a vir ter comigo no final da aula, tentei, desde logo, não ser muito intrometida, para que ele fosse ganhando confiança em mim. Assim se passou, o Zé foi ganhando confiança em mim, contava-me tudo, eu dava-lhe conselhos e, posteriormente, tentava fazer com que ele percebesse que tinha feito mal, pedia para se colocar no lugar do outro, isto funcionou muito bem. O Zé melhorou muito o comportamento nas aulas, relativamente ao aproveitamento, melhorou em algumas disciplinas, ainda assim não conseguindo chegar à positiva. Apenas por duas vezes, aceitou que o ajudasse a estudar ou a fazer um trabalho. O terceiro período começou mal, voltamos às atitudes do primeiro período. O Zé estava com uma atitude de que “já não vou a tempo”, “já não adianta nada”, estava mais agitado, devendo-se isto à constante mudança de clima familiar, voltou a viver com os avós.

Cheguei a um momento que tudo o que lhe dizia, não importava para ele. Desanimei, queria lutar por ele, mas já não tinha mais como. Há minha beira era

5 Nome fictício

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uma coisa, longe tornava-se noutra. Após duas semanas de constante batalha, o Zé voltou a ser o menino do segundo período. Estava revoltado, “ninguém me entende” dizia ele sempre que eu dizia algo que ele não deveria ter feito.

Optei pela estratégia de ir até ao parque passear com ele, assim a conversa fluía mais pacificamente, e o Zé percebeu que eu tentava percebê-lo sempre. Pedia-lhe que se comporta-se bem apenas numa aula, a de Matemática, que era onde existiam mais queixas. Desde esse momento o Zé passou a tentar cumprir aquilo que eu lhe pedia, quase como que um agradecimento. O facto de ao fim de uma semana de aulas não existir uma única queixa de trabalhos de casa, comportamento na sala de aula e existir um teste com classificação de 80% deixou-me com um sentimento enorme de alegria.

Desde cedo, a tutoria sempre teve os mesmos objetivos, programados de acordo com o Conselho de Turma: melhorar a qualidade das aprendizagens e os resultados; desenvolver competências de autorregulação do processo de aprendizagem; promover o exercício da cidadania;

Foi sempre neste sentido que trabalhei. Optei por controlar o comportamento na sala de aula e os trabalhos de casa, a folha de registos semanal, que circulava por todas as disciplinas, o que me ajudou bastante nesta tarefa.

Confrontar o Zé com a realidade e perceber o porque de não ter estado concentrado, ou estar a destabilizar a turma, era sempre o meu foco. Optava sempre pela conversa, tentava sempre ouvir mais do que falar. Às vezes, fazia com que ele acreditasse na mentirinha que ele tinha contado e, contornando o assunto, já era o Zé que dizia que não se tinha passado tal e qual como ele tinha dito.

Relativamente às estratégias, também estavam bem definidas. No entanto, para cada momento surgia uma estratégia diferente. Surgiam naturalmente, não foram inventadas, surgiam apenas porque era a melhor forma de lidar com o problema, com a situação. Desta forma, foram variadíssimas as estratégias aplicadas: conversas (ouvir mais do que falar), questionamento, explicar-lhe a realidade e as consequências dos atos, passear pelo parque, controlar os trabalhos de casa e as datas dos teste, conversar com outros

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professores para que pouco a pouco elogiassem o aluno, criar um clima favorável e, também, de compromisso. Foram algumas das estratégia usadas.

O facto de não existir um programa de atividades definido, permitiu que todas as atividades fossem negociadas. Todas as semanas reuníamos após a aula de Educação Física, aí a conversa da semana era essencial. Depois definíamos quando nos íamos encontrar durante a semana. Umas vezes para passear, outras para ajudar nos trabalhos de casa, por duas vezes foi para ajudar nos testes. Noutras vezes foi para organizar uma tabela em que ele apontava todas as datas dos testes. Por último, noutras foram para ajudar nos trabalhos para a oficina de leitura. Tentava sempre que fosse o aluno a pedir para o ajudar, pois desta forma, existia o comprometimento por parte do Zé, de outra forma, funcionava quase como uma obrigatoriedade, que não resultava de todo.

Muitas pessoas questionavam-me de como me preparava, de como conseguia lidar com algumas situações. Não sabia responder-lhes, ou talvez, não quisesse admitir. Via o Zé como um menino, como um irmão mais novo.

A partir daí, mais do que ver o Zé como um aluno, via o Zé como um Ser Humano, tentava perceber as suas necessidades, dar-lhe aquilo que ele precisava, dar recebendo comprometimento por parte dele. Dava carinho, compreensão, atenção, lealdade, ouvia o que me dizia mais do que falava, e recebia comprometimento, pouco a pouco, em fazer os trabalhos de casa, em porta-se bem naquela aula que ele odiava, em falar com os colegas no recreio.

Se foi sempre tarefa fácil? Não! Mas com CALMA, muita calma, fui conduzindo o Zé para o bom caminho. Penso que valorizei a parte humana na relação educativa, e isso, demonstrou-se ser essencial.

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