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UÉ, FAZER O QUE SE EU GOSTO DE CLÁSSICO, COLEGA?

INDEPENDENTE – A RETOMADA

UÉ, FAZER O QUE SE EU GOSTO DE CLÁSSICO, COLEGA?

Atravessei o corredor e cheguei à outra lojinha da torcida; embora a menor das duas, foi a que recebeu mais clientes ao longo do tempo em que estive lá. O vendedor e outro diretor geral da Independente, o Nélson, estava sentado atrás de um balcão, assistindo TV; um armário, ao lado, repleto de adesivos da torcida e fotos de jogos, caravanas e matérias publicadas em jornais. Moreno, alto, vestia uma camisa da Torcida Jovem do Flamengo, sinal da aproximação que Gersinho havia comentado pouco antes. Com jeito de malandro, fala o que está certo e errado em seu grupo com a mesma segurança em que, logo no início da conversa, passou a me chamar de “colega”.

– Oi, colega, posso te ajudar?

Há 15 anos, Nélson foi fazer sua carteirinha de sócio junto com alguns ami- gos, sem que a família soubesse. Sua mãe quase icou louca quando descobriu, mas já era tarde demais; acabou se acostumando a ter um ilho membro de uma organizada e que passa mais tempo na lojinha da Independente ou viajando com a torcida do que em casa. Hoje, ele se declara um diretor geral tranquilo. Diz que sua relação com a Independente é pior que casamento: dedicação total, cobrança, nervoso, mas muito amor.

Segundo ele, a mídia distorce muito o que realmente acontece lá dentro: não interessa falar sobre as campanhas sociais que são promovidas, mas sim sobre a violência, as coisas erradas, porque isso dá ibope. Assim como Hélio, mencionou as arrecadações de agasalhos e alimentos, mas como coisa do passado. Disse que não adiantava fazer porque as próprias pessoas da Independente não queriam, não dava retorno; não compensava.

– Mas fazer esse tipo de coisa não pode ajudar a melhorar a imagem de vocês? – Colega, presta atenção. Ninguém quer saber se a gente faz coisa certa, se é bonzinho, se quer ajudar. Eu acho muito válido, entendeu, mas não é todo mundo que pensa assim. Ser bonzinho não dá ibope. Por que as pessoas assistem o Datena?

– Porque tem violência.

ça, de coisa ruim. É isso que a população gosta, colega. Não vou te falar que não acontece essas coisas aqui porque acontece. Só que não é tudo ruim não, os cara só mostram o que é melhor pra eles.

– Você já participou de muitas brigas?

– Ah, colega, sabe como é...o negócio começa, você tá no meio, o sangue ferve e quando você vê já tá lá. A favor eu não sou não. Só que se acontecer tamo aí, né?

Para evitar esses conlitos, a Independente realiza reuniões com o Ministério Público, principalmente quando há jogos considerados clássicos: discute-se o ca- minho que cada organizada vai fazer até o estádio, por onde cada uma vai entrar e o que poderão levar. Ele ainda comentou a questão das bandeiras de mastro, que à época estavam proibidas, mas em processo de votação para que voltassem. Como cada estado tem leis diferentes, era preciso deixar claras as regras do jogo para evitar confusões. Nélson foi contando a história das fotos e das matérias que estavam no armário, explicando o que aconteceu em cada situação e o que tinha sido combinado em comum acordo.

Porém, segundo ele, as reuniões são apenas de fachada; os membros de torci- da se dirigem até o Batalhão de Choque, no bairro da Luz (região central da ci- dade), e apenas escutam, sem que possam expressar suas opiniões. Os encontros, que concentram promotores, seguranças dos clubes e diretores de organizadas adversárias, acontecem em paz, porém com apenas uma voz. Nélson contou que, embora as torcidas sejam rivais, há diretores que são amigos e que inclusive con- cordam em algumas ideias, mas acabam sufocados pelas decisões do Ministério. As diretorias se acomodam, escutam, concordam e vão embora sem discutir.

Fiquei intrigada com aquilo, porque não fazia sentido. Se os membros de torcida, considerados “o problema”, conseguem alinhar seu pensamento, por que não permitir que eles se expressem? De acordo com ele, era mais uma forma de reprimir, assim como o Estatuto do Torcedor:

– Na prática não funciona. Você acha mesmo que todo mundo aqui tem carteirinha? Mas nem a pau! Sempre a gente dá um jeito, colega. Esse Estatuto é só mais uma forma de reprimir, mas não resolve nada.

Nisso entrou uma família na loja, com uma linda menininha. Olharam umas roupas femininas, o pai olhou o que passava na TV e todos saíram. Percebi que o espaço não é só frequentado pelas pessoas da Independente, mas por senhores, senhoras e crianças que gostam do São Paulo e procuram algum artigo diferente ou até mesmo um presente que remeta ao time.

Perguntei sobre a camisa da Jovem Fla. Ouvi a mesma coisa que o Gersinho dis- se, que são torcidas irmãs e que, como o Flamengo também ia jogar no inal de se- mana, colocaram uma bandeira das duas torcidas simbolizando a união entre duas. – Nossa, colega, você tem que ir a um jogo com a gente. Aí você ia ver como o barato é de verdade.

– Eu vou, mas na semana que vem. Já combinei tudo com o Japão. – Ah, então tá certo. Vai com a gente de busão, é mó da hora. – Uhum, vou de busão mesmo. Quero ir e voltar com vocês.

– Você só vai ver a gente mais solto, fazendo umas coisas que, às vezes, a gente esconde. Sua faculdade tem alguma praça, um lugar escondido, coisa assim? Não é nada muito diferente do que devem fazer escondido lá. A diferença é que aqui a gente não precisa esconder, né!

E riu. Riu muito.

– Brincadeira, não quero te assustar. Assim, assim, é verdade, mas a gente ica separado fazendo as nossas coisa. As mina icam mais pro meio do busão, longe de nós. Você vai ver, a galera é irmeza.

Em quatro anos de faculdade vi bastante coisa, mas confesso que iquei assus- tada com o que me esperava para a semana seguinte. Respirei fundo e continuei conversando. Nélson prosseguiu contando que eu ia conhecer algumas meninas da torcida, que elas tinham muita coisa para contar, até que algumas delas tam- bém iam para briga. Ele não liga, não se incomoda. Disse que quando o jogo é interessante ou que a situação é propícia, a gente tem que aproveitar em todos os sentidos. Aí quis saber se ele namoraria uma menina que pertencesse à torcida organizada.

– Vixi, colega, não tem problema não. Mulher a gente tem que levar de outra forma.

– Mas e se ela não gostar do seu time?

– Ah, podia gostar, né! Mas não tem problema. – E se ela for corintiana roxa?

– Ué, colega, fazer o que se eu gosto de clássico?! São Paulo e Corinthians é clássico... E de clássico a gente não foge, né!

Depois dessa, só consegui rir.