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PROTAGONISTAS DE UMA HISTÓRIA

UM MOTOBOY NA VICE–PRESIDÊNCIA

Meu encontro com Wagner aconteceu na segunda vez em que estive na sede. Quando vi longe o tamanho do homem com quem eu precisava conversar, iquei insegura. Parecia um lutador de vale-tudo ou, no máximo, segurança de casa noturna. Motoboy? Era difícil acreditar:

4 Corinthians foi o primeiro clube brasileiro eliminado na pré-Libertadores. Perdeu por dois

– Olá, você é o Wagner? – Sou sim.

– Eu já estive aqui e estou fazendo um trabalho sobre torcidas organizadas, nós poderíamos conversar um pouco?

– Vamos até a minha sala, que o barulho não atrapalha.

Subimos uma escada estreita, a mesma que dava para os camarotes. Wagner sentou–se de frente para mim, como se eu fosse a entrevistada. Um tanto intimi- dador, com seu 1m90 de altura, aproximadamente. O moreno alto – e atraente – de poucas palavras, ao contrário de mim, não se intimidou:

– Como você começou na Gaviões?

– Estou aqui desde 90, indo pra jogos e acompanhando o Corinthians desde moleque.

– Mas você veio sozinho, como foi?

– Ah, paixão, né? Via a Gaviões nos estádios e tinha vontade de conhecer. – Sua família apoiou?

Nesse momento, a feição dele mudou, era como se achasse que nossa entre- vista fosse tomar um rumo diferente do que ele queria.

Pergunta errada? Não sei, mas a resposta veio curta: – Ah, tipo, tranquilo, de boa!

Aproveitei o silêncio entre a minha pergunta e a resposta de Wagner para observar aquele lugar. Atrás da mesa onde ele estava apoiado, um quadro com a fotograia do time tinha o adesivo com a frase “Fora Dualib!5”, possivelmente,

colada sobre o rosto do ex-presidente do Corinthians. Um sofá ao canto e um cofre, onde deveria icar uma parte do dinheiro da torcida. Nada fora do comum. Insisti:

– Mas a maioria dos pais se vê com receio em ter um ilho em uma organi- zada.

– Na realidade isso não é nem uma situação da torcida, é da própria socieda- de. Se você for acompanhar mesmo, a violência não está inserida só nas organiza- das. É só pegar alguns levantamentos e ver: há quanto tempo não acontece uma morte nas torcidas e quantas não aconteceram esse ano em saída de baladas? En- tão, meus pais acompanham um pouco, mas acham que isso aí não é problema. 5 O “Movimento Fora Dulib” foi responsável pela campanha contra a administração de

Alberto Dualib no Corinthians. Com a pressão dos torcedores, o presidente foi afastado pelo Conselho em 2007.

– E o Estatuto do Torcedor, pode ser uma solução pra essa violência que tenta avançar?

– Eu vejo que é o trabalho preventivo feito dentro das torcidas que tem segu- rado um pouco a violência. A gente controla, faz reuniões e se envolve com todos os órgãos relacionados ao futebol, e isso é o que vem trazendo resultados.

O motoboy pareceu descontente a respeito da nova “arma” do Ministério Público que regulamenta os torcedores e procura caminhar junto com as orga- nizadas. Mas, para minha surpresa, não esboçou nenhuma opinião contrária ao trabalho do 2º Batalhão de Choque da Polícia Militar de São Paulo, responsável pelo controle da ação das torcidas em dias de jogos.

– E o papel da PM? A gente ouve muito sobre violência gratuita conta vocês... – Algumas vezes eles podem até agir errado, mas não totalmente, podemos dizer que ambas as partes são erradas. Mas, no estado de São Paulo, a polícia é muito mais preparada que em outros lugares do Brasil, não tem muito problema.

Wagner pensa assim, mas a relação da Polícia Militar com as torcidas de maior representatividade no país carrega um peso diferente. Torcedores organizados são sempre culpados: perdem a cabeça e não sabem por que brigam. A grande mídia, que deveria desmistiicar certos estereótipos, acaba se apoiando ainda mais neles e determinando quem são as vítimas.

– E a mídia, colabora ou prejudica esse trabalho feito em conjunto?

– É o que mais atrapalha, né? Hoje mesmo a gente vai ter o jantar de Dia dos Pais. Também vai ter evento no Dia das Crianças, quando ocorreram as enchen- tes do Rio, izemos uma campanha, só que, infelizmente, isso não da ibope, né? A mídia acaba abordando o que é interessante pra ela. Alguns programas até tentam mostrar o dia-a-dia da torcida, mas tem outras pessoas aí que falam pro torcedor não ir ao estádio, e tentar chamar a atenção praquilo.

– Mas, às vezes, precisa mostrar algumas coisas, como o consumo de drogas. De alguma maneira, vocês tentam educar o jovem que entra aqui em relação a isso?

Antes da resposta, o vice-presidente esboçou um sorriso. Culpa ou apenas uma censura a minha pergunta? Eu não sabia se Wagner era usuário de drogas ou qual era sua opinião a respeito, mas precisava perguntar. No tempo em que eu havia passado na sede, percebi que o uso de substâncias ilícitas era feito apenas do lado de fora, o que me surpreendeu. Voltei o olhar para o meu próprio espaço: quantos estudantes não fazem uso de drogas dentro da universidade e não são punidos? De certa forma, a restrição acaba não atingindo a todos. No entanto,

no período da minha visita a Gaviões, motos e viaturas da Polícia também passa- ram por lá, mas não pararam. Não houve punidos. O motoboy respondeu, mas isentou a torcida da culpa:

– Tanto a violência quanto a droga estão na sociedade. Hoje, molecada de 14 anos já toma cerveja e tudo mais. Aqui, a gente até tenta proibir, tenta puxar a orelha, mas o que ele não faz aqui, ele faz fora, infelizmente.

Wagner é só mais um motoboy entre os quase 140 mil que existem em São Paulo. De capacete na cabeça, ninguém o reconheceria. Porém, assumir o papel de vice-presidente obriga-o a cuidar da posição que ocupa e responder com a mesma responsabilidade que um político deveria ter, já que responde por toda uma nação – no caso dele, a corintiana:

– No que a Gaviões é diferente das outras torcidas?

– Em tudo, principalmente no tamanho da entidade, ela é maior que qual- quer outra. O nome Gaviões da Fiel é muito forte também. A gente sabe que a velha-guarda passou aqui e fez um trabalho muito bom. Agora, cabe à gente continuar essa trajetória.

Uma trajetória que ninguém ousasse atrapalhar. Mas dessa vez, ele foi obriga- do a deixar a seriedade de lado para responder:

– Você tem namorada? – Tenho sim.

– E ela também é corintiana? – É sim.

– Mas e se ela fosse palmeirense e pedisse que você deixasse a torcida? – Olha, nunca aconteceu isso comigo! Mas se ela falar qualquer coisa pode ter certeza de que não vai me ver mais não! – respondeu sorrindo, talvez pensando na impossibilidade disso acontecer.

Também não segurei o riso. Era a minha deixa.