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4 A LGUNS M OTIVOS F UNDANTES DOS E STUDOS C ULTURAIS NA A MÉRICA L ATINA

4.6 A GENDA C ULTURAL E A GENDA P OLÍTICA

Se por um lado ainda possam restar dúvidas sobre o fato de já estarmos ou não na modernidade — é um fato aceito por muitos que na América Latina teríamos, ao

mesmo tempo e no mesmo lugar, regiões pré-modernas, modernas e pós-modernas —, por

outro, não podemos deixar de tomar parte na discussão que ocorre em nossa volta — o que o passado, ademais, mostra que nunca deixou de acontecer33.

32 “Ao jornalismo cultural coube a liderança no estabelecimento da cultura pop pós-moderna

brasileira, contudo outros representantes da cultura impressa também tiveram sua parcela de responsabilidade na disseminação desse sistema de modas culturais. O mercado editorial pode ser um excelente exemplo do processo de ‘pós-modernização’ da cultura brasileira nos anos 80, não só pelos claros sinais de um crescimento absoluto, mas pelas transformações sofridas pela produção de livros” (PRYSTHON, Angela F. Neoliberalismo tropical: a indústria cultural brasileira

pós-moderna. In: Idem. Cosmopolitismos periféricos: ensaios sobre modernidade, pós-modernidade e estudos culturais na América Latina. Recife: Bagaço, 2002, p. 104-20, aqui p. 112.).

33 O que é indicado, por exemplo, do ponto de vista estético-cultural, pelo grande número de

manifestos vanguardistas ao longo do século XX. Para tanto, veja-se: MESQUITA, Ivo. (Comp.).

Manifestos e declarações 1921-1959. In: BELLUZZO, Ana Maria de Moraes. (Org.). Modernidade:

Nesse sentido, se a discussão em torno da cultura gerada pelo pós-moderno (na década dos 80) havia estabelecido uma nova “internacional” cultural34 — algo como o que as vanguardas modernistas já tinham feito nas primeiras décadas do séc. XX — que não se restringia somente à cultura ou à arte, mas questionava os limites entre as diversas manifestações das artes, bem como as características particulares dos desenvolvimentos nacionais, o momento seguinte — a década dos 90 — só fez acelerar esse processo de discussão com base nas trocas simbólicas cada vez mais amplas dentro do processo de planetarização dos mercados, englobando nessa discussão vozes e escritas antes ausentes ou simplesmente deixadas de lado pelo agenda sitting35 das academias e órgãos promotores das discussões, seja dentro de um espaço nacional, seja no âmbito internacional, gerando por vezes verdadeiras querelles36.

34 A partir do ponto de vista latino-americano, ou seja: em contraposição a um “terceiro” mundo que

se desenvolve como imagem invertida de um mundo “primeiro” (cf. ORTIZ, Renato. Advento da

modernidade? Lua Nova, São Paulo, n. 20, maio 1990) chega-se, a partir da defesa do “nacional- popular” para a exportação do “internacional-popular” (cf. Idem. A moderna tradição brasileira, p. 182-206). — Ademais, a noção de Terceiro Mundo sempre foi como que um moto em torno do qual se aglutinavam, na arena mais propriamente política, os grupos beligerantes por mudanças na América Latina.

35 Termo que designa o processo de colocar na pauta do dia, p. ex., em jornais televisivos, quem decide

o que entra na pauta, o que vai ser exibido hoje? Porque um assunto é mostrado e outro não? Ou no caso da elaboração de materiais didáticos distribuídos pelo governo: quem escolhe as obras? Porque certos assuntos estão nos livros didáticos e outros não? Quem faz e por que faz tal escolha? (cf. REIS, Carlos; LOPES, Ana C. M. Dicionário de teoria da narrativa. São Paulo: Ática, 1988). 36 Essa querelle (disputa) em torno do que seria um objeto de estudo digno já é uma adolescente

púbere. Como já se encontra devidamente historicizado (v. MOREIRAS, Alberto. A exaustão da

diferença, a política dos estudos culturais latino-americanos. Belo horizonte, UFMG, 2001), o entrevero saiu do

âmbito da intimidade relativamente recalcada dos corredores acadêmicos e se mostrou publicamente de forma mais escancarada em 92/93 no congresso da ABRALIC no Rio de Janeiro.

Aliás, não deixa de ter seu lado ironicamente peculiar, o fato dessa querela ter aflorado justamente dentro dessa associação dedicada principalmente aos estudos comparativos da literatura/cultura produzida dentro de distintos espaços nacionais, num momento em que exatamente a noção de “espaço nacional” se encontra sob forte suspeita. — Mais recentemente a ABRALIC novamente se

debruçou sobre o tema, colocando a pergunta sobre a relação entre a literatura comparada e os estudos culturais, v. ABRALIC. Literatura Comparada = Estudos Culturais? Congresso Abralic, 6.

Se nos dizem incessantemente que vivemos na era da imagem em meio a um sistema chamado transnacional — um sistema difuso, inter-relacionado e interpenetrado complexamente, que se manifesta em todos os setores da sociedade e que se especifica pela modificação da natureza e das funções dos estados nacionais e que, por assim dizer, provoca um deslocamento de sentido da dependência —, a produção cultural igualmente teria que sofrer transformações em sua dinâmica, integrando-se ao processo de transnacionalização dos mercados simbólicos.

Las búsquedas más radicales acerca de lo que significa estar entrando y saliendo de la modernidad son las de quienes asumen las tensiones entre desterritorialización y reterrito- rialización. Con esto me refiero a dos procesos: la pérdida de la relación ‘natural’ de la cultura con los territorios geográficos y sociales, y, al mismo tiempo, ciertas relocalizaciones territoriales relativas, parciales, de las viejas y nuevas producciones simbólicas37.

Justamente são esses processos de relocação relativa e parcial que ainda não foram de todo exploradas em todas as suas manifestações. O resultado dessas pesquisas certamente vai ter conformações locais distintas, dependendo do que era velho e do tipo de novo que aportou e continuamente aporta em determinado local. O exemplo da chegada da cultura pop ao Brasil pode ser um exemplo desse tipo de processo de constante relocação:

O que pode ter acontecido foi a delineação de um projeto mundial de cultura pop. A cultura pop podia ser muito clara, pelo menos desde o pós-guerra, em outros lugares do mundo, mas no Brasil só se manifestou sem rodeios nos anos 80. Com o surgimento da cultura pop (que não é igual à Cultura Popular e não é Cultura de Massas simplesmente dita; a cultura pop poderia ser definida como uma Cultura de Massas mais ativa e consciente de si mesma)

Anais... Florianópolis, 1998. Núcleo de Estudos Literários e Culturais NELIC/UFSC, 1998. 37 CANCLINI, N. G. Culturas híbridas. Loc. cit., p. 288.

afirmou-se a universalização do rock, da contracultura, do cinema de grandes públicos como os principais valores da cultura ocidental contemporânea38. De tudo isso podemos concluir que ainda nos encontramos em uma situação periférica e contraditória. Mas, para além da categoria epistemológica da “modernidade periférica”, coloca-se agora a de uma “modernidade periférica heterogênea”39 que passa a desenhar um mapa epistemológico distinto dos tradicionais centros europeus e norte-americanos. Dessas novas posturas surgem também novas metodologias de busca que se fertilizam, mediante uma nova transdisciplinariedade — chamada por Canclini de “ciencias nómadas”40 —, em espaços estratégicos que se abrem entre a sociologia da cultura, os estudos da comunicação, a nova antropologia, a politologia cultural e os estudos literários com uma postura modificada em relação aos cânones.

38 PRYSTHON, Angela F. Neoliberalismo tropical: a indústria cultural brasileira pós-moderna. In:

Idem. Cosmopolitismos periféricos: ensaios sobre modernidade, pós-modernidade e estudos culturais na América Latina. Recife: Bagaço, 2002, p. 104-20, aqui p. 118.

39 “Modernidad no situada en medio de criterios y expectativas previamente racionalizadas, sino modernidad como

conjunto de experiencias de una nueva extensión cultural, señalada por medio de las ‘topologías’ de lo heterogéneo, de lo multicultural y lo multitemporal, de los cruces de lo político con lo cultural y, revelando la riqueza de una histori- zación distinta, de las articulaciones entre lo masivo y lo popular” (HERLINGHAUS, Hermann; WALTER, Mo-

nika. ‘Modernidad periférica’ versus ‘proyecto de la modernidad? Experiencias epistemológicas pa- ra una reformulación de lo ‘pos’moderno desde América Latina. In: Idem. Op. cit., p. 11-47, aqui p. 14).

40 CANCLINI, N. G. Culturas híbridas. Loc. cit., p. 15; v. tb. CANCLINI, Néstor García. Noticias recien-

tes sobre la hibridación. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de; RESENDE, Beatriz. Artelatina: cultura,