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Um breve histórico sobre a organização das cooperativas pelo MST

No documento MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS (páginas 123-130)

Diante do avanço da conquista da terra e da fixação nos assentamentos, o desafio enfrentado pelo MST foi como produzir com mais eficiência. No início da década de 1980, quando os primeiros assentamentos foram implantados, a produção era organizada de forma bastante precária. Os pequenos grupos, entre 10 e 30 famílias, se reuniam para trabalhar em sistema coletivo e semi-coletivo, utilizando máquinas e outros implementos agrícolas, visando à formação de hortas e produção de grãos (feijão, arroz, milho) para consumo interno e a construções comunitárias. Cabe ressaltar que, nessa fase, receberam ajuda e apoio de entidades como a Igreja, o Estado e outras que, através de apoio técnico e financeiro, de certa forma garantiam a permanência dos assentados na terra:

85 A busca da compreensão dos mecanismos associativos e seus desafios encontrou, na dissertação de mestrado de ZIMMERMANN (1994), elementos importantes para entender polarizações e embates advindos da adoção de formas cooperativas em um assentamento do MST.

“Houve um grande estímulo pelos órgãos governamentais de extensão rural, especialmente a EMATER, de construir associações dos pequenos agricultores. O período de 1985 à 1989 durante a ‘Nova República’, foi responsável pela multiplicação de associações também nos assentamentos”86.

Preocupados com a questão do associativismo, que apresentava limites políticos e legais às necessidades dos assentamentos, o MST realizou longos debates para discutir a organização econômica nos assentamentos, culminando, em 1989-90, com a necessidade de se criar o Sistema Cooperativista dos Assentados (SCA).

Dois eixos centrais constituíram os estudos sobre cooperativismo. O primeiro, de caráter mais teórico, buscava resgatar o pensamento clássico do associativismo e as questões da legislação cooperativista. O segundo eixo esteve voltado ao conhecimento das experiências de vários países que implantaram cooperativas a partir das perspectivas das classes subalternas. Nessa direção, torna-se importante destacar os estudos recentes de Branford & Rocha. Ao se referirem ao modelo de cooperativismo adotado pelo MST, as autoras indicam uma certa “absorção” do “modelo cubano de produção coletiva e de grandes unidades agroindustriais”, inspirado por militantes entusiastas ao retornarem daquele país socialista (BRANFORD & ROCHA, 2004: 132).

A decisão da direção do MST de constituir as cooperativas de produção agropecuária, bem como os núcleos de base, se insere na

conjuntura política-econômica nacional que foi se configurando a partir da entrada de Fernando Collor, como presidente, nas eleições de 1989.

“O Plano Nacional do MST de 1989 à 1993, orientava e estimulava novos tipos de cooperação agrícola, contribuindo para a resistência e o avanço econômico, político, técnico e ideológico dos pequenos agricultores”87.

Sem qualquer possibilidade de contar com o apoio do novo governo, o MST resolve criar seus próprios recursos, tomando como referência a estratégia de economia de guerra, conforme o modelo cubano de cooperação. Continuando a reflexão, as autoras citadas afirmam:

“O movimento começou a pensar nos assentamentos como áreas

l i b e ra d a s, que se encontravam sob ameaça do mundo exterior, e tratou de

construir uma forte estrutura interna, capaz de resistir política e economicamente” (BRANFORD & ROCHA, 2004: 133)88.

O sistema cooperativista se impôs como resposta a essas questões e aos poucos foi sendo implantado e amadurecido, avançando para uma forma cada vez mais requintada de organização, que acabou por seguir dois rumos distintos: o dos pequenos grupos e associações coletivas direcionadas à produção, e as grandes associações direcionadas para a prestação de serviços.

Após uma década, em 2003, o Sistema Cooperativista dos Assentados – SCA – possuía 81 cooperativas nos diversos estados do Brasil e se estruturou em três níveis. Em primeiro nível, aparecem as Cooperativas

87 CONCRAB, “A evolução da concepção de Cooperação Agrícola do MST”, in Caderno de

de Produção Agropecuária – CPAs –, Cooperativas de Prestação de Serviços – CPS – e as Cooperativas de Crédito. Para além dessas, cabe ressaltar que multiplicaram-se as associações, grupos semi-coletivos e grupos coletivos. Em segundo nível, essas cooperativas se articularam a uma Central de Cooperativas de Assentados – CCA –; hoje podem ser encontradas centrais em nove estados brasileiros. No terceiro nível, o mais amplo, tem-se a Confederação de Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil – CONCRAB89.

O avanço na forma de organização da produção se evidencia no âmbito da Cooperativa de Produção e Prestação de Serviços – CPPS –, pois é aí que se inicia a produção de um ou mais produtos. Trata-se, pois, de uma forma de transição entre a CPS e a CPA.

Outra forma inédita no MST é a COOPERAL, fundada em 1992, no Rio Grande do Sul, que se impôs como meio de organização para os agricultores assentados desenvolverem sua produção e criarem alternativas para a pequena propriedade rural. Desde o início até hoje, os assentados daquele estado já conquistaram 18.000 ha, atingindo 700 famílias. Certamente, a conquista maior se encontra no lançamento das sementes agroecológicas BIONATUR, produzidas de forma totalmente sustentável.

Segundo a Confederação de Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil – CONCRAB:

88 CONCRAB, “Sistema cooperativista dos assentados”, in Caderno de Cooperação Agrícola, nº 5, p. 32.

“A luta pela terra é por si só uma experiência de cooperação. No sentido de que os sem-terra tiveram que se juntar e se organizar para lutar pelo seu pedaço de terra. Mas a cooperação agrícola propriamente dita começa quando são conquistadas as primeiras áreas vindo com estas o desafio de viabilizar a produção”90.

As cooperativas implantadas pelo MST são, portanto, de cunho político e econômico, buscando estruturar os assentamentos que se propõem a ir além da tarefa da mera sobrevivência. Para tanto, assumem, freqüentemente, o caráter de empresa:

“Caráter político por atuar na organização política dos assentamentos, na conscientização e politização de base, levar à mobilização social e a articular lutas econômicas e políticas, bem como contribuir com o Setor de ‘Frente de Massa’. Caráter de empresa econômica por visar à organização da produção, à resistência dos assentados no campo, o crescimento econômico e o desenvolvimento ou melhoria da qualidade de vida dos assentados. E, uma empresa econômica não pode ser dirigida com a mesma lógica de uma organização de massa. Mas, ela tem que buscar a eficiência econômica, sem atrapalhar o político”91.

Sobre este tema o MST, em seus documentos, adverte e orienta para uma profunda contradição entre o caráter político e o econômico da cooperativa. Na tensão entre a luta política e a empresa econômica, como não sacrificar a eficiência econômica ao ativismo político? Essa questão será muito importante quando forem abordados os dados do assentamento de Promissão.

90 CONCRAB, “Sistema cooperativista dos assentados”, in Caderno de Cooperação Agrícola, nº 5, p. 32.

91 CONCRAB, “A evolução da concepção de cooperação agrícola do MST (1989 a 1999)”, in

Uma das estratégias apontadas pelo MST consiste em “servir à sociedade e não só explorá-la”92, criando, assim, uma concepção alternativa àquela do mercado capitalista. Na origem da formação das cooperativas, os fundamentos político-ideológicos postulados pelo MST baseiam-se nos ideais socialistas, implementando uma nova lógica de produção, ainda que inserida no sistema capitalista, hoje comandado pela ideologia neoliberal.

Considerando que a Cooperativa de Produção Agropecuária “Padre Josimo Tavares” – COPAJOTA –, nosso objeto de estudo, se inseriu posteriormente na estrutura do sistema cooperativista do MST, se faz necessário esboçar em linhas gerais a estrutura de funcionamento das Cooperativas de Produção Agropecuária (CPAs) do movimento, pois serviram de modelo para a formação da COPAJOTA. Transcrevemos na íntegra os dados obtidos no site do MST93, com o propósito de auxiliar no estabelecimento de um possível paralelo entre as diretrizes do MST e as da COPAJOTA. Segue-se o quadro abaixo:

“Uma CPA – Cooperativa de Produção Agropecuária não se diferencia muito de um grupo coletivo ou de uma associação coletiva. O que difere é a personalidade jurídica porque ao ser registrada como uma empresa cooperativista será regida pela legislação cooperativista brasileira.

Terra: Permanece sob controle do coletivo, a não ser a pequena

parcela destinada à produção de subsistência de cada associado. Em quase todas as CPAs, o título de propriedade ou concessão de uso da terra permanece em nome do indivíduo, que a passa para o

92 Id., p.17.

controle da cooperativa. Mas pode haver titulação da Terra em nome da CPA.

Capital: Todos os investimentos estão sob controle e em nome da

CPA. Como a cooperativa tem capital social, este é subdividido em quotas-partes que vão sendo integralizadas na conta de cada associado. A cooperativa controla de outra forma a parte do capital acumulado que se tornam investimentos considerados pela legislação fundos indivisíveis (fundo reserva/FATES). Neste caso, tornam-se patrimônio social e não podem ser divididos em casos de dissolução ou desistência.

Trabalho: A CPA organiza o trabalho em setores, a partir da

divisão técnica do trabalho, que são determinados pela atividade econômica desenvolvida e pela capacitação técnica dos associados – trabalhadores. O trabalho é controlado por hora trabalhada e a sua remuneração depende da produção global produzido pela cooperativa.

Planejamento da produção: Na CPA, os planos de produção (a

curto, médio e longo prazo) são centralizados no coletivo. A partir de uma ampla discussão, baseada em estudos técnicos, define-se as linhas de produção e a ordem de prioridades para serem implantadas.

Moradia: A CPA, normalmente, organiza-se em agrovilas. O

esquema de moradia se diferencia apenas no tamanho do lote para a construção das casas.

Aspectos legais: As cooperativas têm que ser legalizadas

obrigatoriamente, inclusive com registro na Junta Comercial (e não no cartório como as associações).”

Tomando como referência os aspectos legais do sistema cooperativista do MST, percebe-se uma contradição básica entre obedecer à legislação brasileira de cooperativas, bastante restrita, e os ideais de luta e transformação da sociedade. As imposições legais para liberação de crédito financeiro às cooperativas em geral, obedecem aos critérios que

freqüentemente atuam mais como entraves para as cooperativas do movimento do que como possibilidades para o seu avanço no sistema produtivo.

A análise desse documento permite inferir que o ideal da institucionalidade das CPAs não se restringiu às questões estritamente econômicas. Por outro lado, os dados relativos à cooperativa do assentamento de Promissão, coletados durante a pesquisa de campo e documental e consultas às fontes bibliográficas, permitem levantar a hipótese de que o ideal primordial, fundado nos valores socialistas, acaba convivendo de forma conflituosa com os objetivos econômicos da cooperativa. Assim, serão descritos a seguir elementos do conflito que parecem estar relacionados à dificuldade em articular dentro de uma mesma instituição – a cooperativa – os aspectos econômicos e os ideológicos.

No documento MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS (páginas 123-130)