“Essa noite ê de paz, até o romper do dia. ”
Alcorão (97:5).
A . rebelião de 1835 não foi uma explosão espontânea, resultado de apressada decisão, como por vezes acontecera com revoltas escravas anteriòres. Houve um período, longo talvez, de gestação. Faltam-nos, porém, informações sufi cientes para contar com precisão esse tempo e os passos que antecederam a revolta. Quando interrogados, os rebeldes in variavelmente silenciaram a esse respeito. Os poucos que fa laram não faziam parte do núcleò central da conspiração e, portanto, não sabiam sua história completa. No entanto, é possível juntar elementos aqui e ali na documentação dispo nível e recompor em suas grandes linhas a gênese de 1835. Os temas deste capítulo serão o papel específico dos malês na rebelião, como e quando esta foi concebida, seu caráter e objetivos.
Quando os malês se reuniam na Tua ou em casa para. vivenciar os preceitos de sua religião ou simplesmente para repartir outras dimensões da vida, a ocasião era também de imaginar um mundo melhor. Para alcançá-lo, não descar-
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tavam o uso da força. Segundo a preta Agostinha, eles “quan do se juntavão falavão em fazer guerra aos Brancos”.1 Mas é preciso entender o guerreiro malê. Sua “guerra” por muito tempo não passou de uma rebeldia retórica, uma metáfora do conflito social efetivo — comentários rancorosos que expri miam o desejo de reparação, mais do que a discussão da re volta como objeto concreto. É claro que após duas décadas de rebeliões escravas a experiência insurrecional faria parte de qualquer especulação, por menos objetiva que fosse. Mas a idéia de uma rebelião específica, planejada, datada, certa mente foi surgindo aos poucos.
A rebelião aconteceu num momento de expansão do islã entre os africanos que viviam na Bahia. Não sabemos exata mente se ela foi uma conseqüência natural, um episódio cul minante dessa expansão, ou se a busca de novos adeptos à religião já seria parte de um plano de ruptura com a ordem. Acreditamos que tenha havido um pouco das duas coisas. O sucesso dos malês em constituir uma comunidade religiosa re lativamente coesa e atraente deve ter inspirado idéias de ultra- passagem dos limites estabelecidos pelo poder dominante, idéias de revolta que, uma vez amadurecidas, levaram os líde res a pensar também no. aumento das bases muçulmanas como uma estratégia específica de tomada do poder.
Decerto, é inútil delimitar em casos como este a fronteira entre a religião e a rebelião. Esta última começa quando aquela enuncia a predileção por um povo oprimido. O próprio fato de africanos escravos professarem o islã configurava uma cisão, um afastamento radical da máquina ideológica escra vista e, portanto, uma rebeldia. Lembramos que na Consti tuição de 1824 o catolicismo constava como a religião do Es tado, única com direito a celebrar cerimônias públicas e esta belecer templos às claras. Aos estrangeiros europeus concedia-
se direito à liberdade religiosa, desde que exercida privada mente. As religiões escravas eram ilegais, caso policial e não constitucional. Neste sentido os malês viviam na ilegalidade.
O abismo entre o islã e a sociedade baiana era ainda mais profundo por se tratar de uma religião exclusivamente afri cana e que unia escravos e libertos. Por não ser uma religião
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de origem étnica, o islã tinha também o potencial de unir vários grupos étnicos, retirando dos escravistas a vantagem política da divisão entre os africanos. Não representava ape nas a ideologia de uma classe — no caso a de escravos — mas, muito mais, a de povos, civilizações não-européias; re velava-se para o senhor brasileiro como o retrato do outro de corpo inteiro, não dividido. Na Bahia o islã — como outras expressões religiosas africanas — só por existir subvertia, no mínimo, a ordem simbólica dominante.
Mas é claro que a rebelião de 1835 demonstra que os malês foram aiém da subversão simbólica. A partir de um de terminado momento eles começaram a estruturar politica mente a proposta rebelde. É provável que 1835 não tenha sido a lição inaugural de rebelião para muitos deles. Embora não concordemos com autores que apontam o dedo muçulmano em várias rebeliões anteriores, especialmente as tidas como haussás, do tempo dos condes da Ponte e dos Arcos, acredi tamos no entanto que havia malês nelas envolvidos. Um dos mestres processados em 1835, Elesbão do Carmo, o Dandará, aparece nos autos como participante das insurreições do pe ríodo do conde dos Arcos. Conta uma testemunha que ele “por ser esperto sempre escapou de ser preso”.2 Este não deve ter sido o único malê esperto. Mas, insistimos, não há provas de que tenham sido autores, exclusivos ou sequer vanguarda privilegiada desses movimentos.
Em 1835 foi diferente.
Os cinco primeiros anos da década de 1830 foram de grande confusão na província: distúrbios de rua, motins anti- lusos, saques, revoltas federalistas, quarteladas e revoltas es cravas, que aconteciam em meio à crise econômica. Entre- mentes, crescia a “sociedade malê”. A corrida para o islã não significou necessariamente a corrida para a revolução. Trata va-se, num primeiro momento, da busca de canais de solida riedade na crise, de segurança espiritual e possivelmente mo bilidade e prestígio social no interior da própria comunidade de africanos. Este último aspecto não pode ser subestimado. Aparentemente era honroso o título de malê. Significava ser
respeitado pelo uso da cultura escrita ou simplesmente por
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pertencer a um grupo de reconhecida reputação africanista. Vimos no capítulo anterior que o orgulho muçulmano era inclusive usado como um mecanismo de poder nas relações cotidianas, comportamento que criava animosidade entre os malês e os outros africanos.
Havia, então, na trajetória de se tornar e ser malê uma perspectiva vertical e outra horizontal. Uma que contestava o poder senhorial, outra que disputava poder entre os africanos. Ámbas obviamente se cruzavam, pois para quem havia feito, entre tantas outras, a opção pelo islã, ser malê passava a ser a melhor forma de vencer, aqui ou no outro mundo, o senhor branco. E evidentemente nem todos os africanos concorda vam.
Esse momento da história africana na Bahia parece ter sido riquíssimo em experiência humana, um período repleto de discussões, inovações, mudanças ideológicas. Guardadas as devidas proporções, não seria exagero denominá-lo um pe ríodo de efervescência revolucionária. A sociedade baiana res pirava política, vivia na agitação, e a comunidade negra não ficou à margem desse processo.
Dentre as várias alternativas políticas e de vida em ebu lição entre os africanos nesse período, o islã tomou a dian teira. Foi o seu momento. Não porque tivesse desde sempre optado por uma revolução social, o que não é tão claro assim, mas porque propunha uma revolução nas vidas de seus segui dores. Tirava deles a vontade de ser escravos, impregnava-os de dignidade, constituía novas personalidades. Só na hora certa os líderes malês orientaram seus discípulos a transfor marem o compromisso individual com a religião num com promisso com a rebelião armada coletiva.
A perspicácia desses líderes foi fundamental na consoli dação de uma estrutura organizacional rebelde. Enquanto o número de conversos e simpatizantes aumentava sem qual quer promessa concreta de revolta, eles avaliavam seus lide rados, estudavam as condições políticas, meditavam sobre o melhor momento de rebelar. Para eles era importante um mo mento que associasse considerações de estratégia secular com o desdobramento da vontade de Alá. Para isso contavam com a confiança e o respeito indiscutível de discípulos dispostos a segui-los para onde fossem, sem aviso prévio. Apenas os alu- fás ou malãms detinham o segredo da hora de atacar. Talvez
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por isso, só às vésperas do dia marcado — num momento em que as notícias da conspiração já corriam a cidade de boca em boca — puderam as autoridades tomar conhecimento dos de sígnios dos malês.
Acreditamos que a rebelião começou a ser concretamente arquitetada em fins de 1834. Quer dizer, só a partir daí co meçou o trabalho prático de definir táticas, estabelecer méto dos, compor alianças, acelerar contatos, designar tarefas, marcar datas.
A vigorosa celebração do Lailat al-Miraj em novembro
(ver no capítulo anterior) foi um divisor de águas. Naquela celebração se refletia o sucesso do islã e os seus limites. Quan do a festa foi interrompida e dissolvida pelo inspetor de quar teirão Antônio Marques, encerrou-se uma etapa da história muçulmana na Bahia. Esse episódio, selado pela posterior destruição da “mesquita” da Vitória, lançou a discórdia e o abatimento sobre a comunidade malê. Feriu-lhe o orgulho e revelou sua fraqueza para a cidade. Os muçulmanos precisa vam agir logo, fazer algo que evitasse uma debandada e uma crise de confiança em sua causa. Além do drama do al-Miraj,
dois outros incidentes devem ter entrado nos cálculos políticos dos líderes: a prisão, também em novembro, do alufá Pacífico Licutan por motivos alheios à revolta; e, mais ou menos na mesma época, a prisão e humilhação pública de outro impor tantíssimo mestre, Ahuna (sobre estes homens e as circuns tâncias destes eventos falaremos no próximo capítulo). Ê qua se certo que a decisão sobre a revolta de 25 de janeiro de 1835 foi tomada entre novembro e dezembro de 1834. Uma decisão calma, calculada, política, que soube conter a emoção da hora da crise. Que soube também, como veremos em breve, esco lher uma hora coerente com o calendário islâmico.
A partir de então a liderança malê iniciou uma sinaliza ção mais definida de seus objetivos. O raio de ação dos cons piradores deveria ultrapassar Salvador. Parecia claro para eles que uma revolta estritamente urbana não teria futuro, pois deixaria fora o grosso da população africana concentrada nos engenhos e vilas do Recôncavo. A estratégia da rebelião havia, aqui também, sido precedida pela dinâmica da expansão reli giosa. Os malês haviam feito adeptos, constituído base no in-
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terior. “Por todo o Recôncavo”, confessou o escravo Carlos, “estão espalhados comissários a fim de fazer extensiva a mes- ; ma sociedade fmalê] ... e ouviu de alguns outros pretos em diversas ocasiões dizerem que quando for necessário o rompi mento geral, os do Recôncavo viriam socorrer os dessa cida de”. Se os contatos no meio rural não eram novos, foram in tensificados durante as semanas que antecederam a rebelião. O papel dos malês libertos foi fundamental nessa tarefa. Ma noel Calafate era um dos “comissários”. A mulata Joaquina, moradora no mesmo prédio que o liberto, informou ao juiz de paz que três dias antes do levante ele retornara de Santo Ama ro, desde quando se intensificara o vaivém de africanos em sua loja. Outro comissionado para a Baía de Todos os Santos era o comerciante de fumo Dandará. Segundo o depoimento de Pompeu, escravo de um engenho em Santo Amaro, esse mestre o assistia espiritualmente quando visitava o lugar. Aliás, a cidade de Pompeu parece ter sido o núcleo principal das atividades contra a ordem no interior. De Santo Amaro vieram ele e outros para lutar nas ruas de Salvador em 1835.3 Durante talvez cerca de um mês os malês foram mantidos sob estado de alerta. A rebelião poderia explodir a qualquer momento. A palavra sobre a data precisa só alcançou os esca lões secundários de rebeldes com poucos dias ou, para muitos, poucas horas de antecipação. Lançava-se mão deste expe diente de segurança certamente para reduzir ao máximo a ação tão comum de delatores. Foi assim que o liberto Belchior da Silva Cunha só “ouviu faliar em fazer guerra aos brancos ... sábado pella manhã indo comprar cal”. O escravo João foi avisado na tarde e Agostinho às 8 horas da noite desse dia. O depoimento de João, escravo do inglês Abraham, fornece ex celente exemplo de como a notícia chegou aos ouvidos da maioria dos rebeldes:
sendo porem na tarde do dia 24 de janeiro avisado por alguns parceiros dos quaes ... se não lembra de seos nomes, para na quela madrugada se reunirem todos, ao fim de matarem todos os brancos, pardos e crioulos, ele Reo a meia noite pouco mais ou menos, com seus parceiros Diogo, Jaimes e Daniel se foram
(3) A Justiça de José, Nagô-jabu, Escravo de José Maria da Silva, AEBa.,
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reunir aos outros que já se achavão no campo do Forte de São Pedro...
As declarações de Pedro, escravo do médico inglês Dundas, complementam:
As 7 e meia da noite do dia 24 de janeiro sahira da casa de seo senhor e se dirigira para a Estrada da Graça. Em caminho falou com Jaimes e Diogo, escravos do inglês José Mellors os quaes lhe convidarão para estar pronto para o folguedo de matar branco, e seguindo athé a Estrada da Graça a caza do inglês Frederico Robelliard ahi falara com os escravos deste, Carlos e Thomaz, para estarem promptos a hora do folguedo. E dali se encaminhou para os Barris e em caminho jâ encontrara com Pedro e Miguel, escravos do inglês José Mellors e muitos outros que se reunião e chegando aos Barris em casa do ingles Mellors tomara a Carlos seu parceiro e vierão a se reunir as Merces onde no meio do fogo foi ferido.4
A maioria desses africanos, escravos dos ingleses, eram mu çulmanos possivelmente de longa data e, no entanto, só foram “convidados” para o levante em cima da hora.
Poder-se-ia objetar que esses depoimentos representa riam o esforço dos interrrogados para esconder envolvimento maior na rebelião. Talvez, mas só em alguns casos. É difícil, por exemplo, imaginar que Belchior da Silva Cunha só teria sabido sobre a rebelião na véspera, ele que morava num dós centros muçulmanos mais ativos com outro dedicado malê, o alfaiate Gaspar. Mas parece-nos improvável que depoimentos tão detalhados e auto-acusatórios como os de João e Pedro sejam invenção. Havia os malês espertos, que negaram tudo ou inventaram histórias. Mas havia também aqueles que, por razões que ignoramos, contaram inocentemente sua culpa.
Acreditamos então que apenas um grupo pequeno dos rebeldes detinha informações completas. Eram os mestres e seus colaboradores mais próximos. Parece indiscutível que o aviso final para o levante partiu deles. Ê o que nos informa o
(4) “Devassa do Levante”, p. 73; A Justiça de Nécio, Nagô, Escravo de Mel lors Russell, fls. 18 e 28v.
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depoimento da escrava Marcelina, segundo ouvira da liberta Agostinha. Contou-lhe esta última que seu “amazio” Belchior da Silva Cunha “tinha sido convidado pelo seu mestre, o dito escravo Luís [Sanim], assim como todos os mais mestres con vidarão os outros discípulos para fazerem guerra aos Brancos” (notem que o depoimento de Belchior destoa deste). A lide rança dos malãms é comprovada por um singular ritual ocor
rido na casa de Manoel Calafate. Segundo relatório do juiz de paz Caetano Vicente de Almeida Galião, no quarto do liberto
foi achada huma vara com um lenço branco perfilado de roxo em forma de bandeira com seis saquinhos de couro e pano em (frente do) que, declarou o Preto Ignacio, se dava o juramento de não morrer na cama e sim com Pay Manoel Calafate.5
É possível que esse ritual de fidelidade tenha se repetido às vésperas da revolta diante de cada mestre, pelo menos por seus discípulos mais diletos e engajados.
Se cada mestre orientou seus alunos na revolta, a última palavra pode ter sido pronunciada por um certo Mala Muba- kar. Segundo a tradução de 1835 de um manifesto escrito em árabe, cujo original infelizmente não sobreviveu, esse homem teria conclamado todos os malês para a luta, garantindo-lhes invulnerabilidade física diante do inimigo. Mubakar não é mencionado com este nome por qualquer dos réus; também nunca foi preso, ou, se foi, conseguiu manter sua identidade secreta. Poderíamos talvez supô-lo personagem da imaginação policial da época — conveniente exagero da boa organização malê para justificar repressão exagerada —, caso sua existên cia não fosse também estabelecida 60 anos depois. Foi então que Nina Rodrigues ouviu de um velho alufá que Mubakar chamava-se Tomé na terra de branco e em 1835 ocupava o cargo de almami (iman em árabe) da Bahia, ou seja, era o
líder espiritual máximo da comunidade malê.6 Contudo, não deixa de intrigar o fato de que estrela rebelde de tamanha grandeza só apareça numa assinatura a um manifesto que de-
(5) “Devassa do Levante”, p. 130; “Peças Processuais do Levante”, p. 13. (6) “Devassa do Levante”, p. 130; Nina Rodrigues, Os Africanos no Brasil, p. 95.
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sapareceu. É possível que a distância guardada entre esse lí der e os malês comuns representasse um aspecto do islã baia no à época e da própria rebelião. As forças que se ocultam sempre parecem mais poderosas. No próximo capítulo sugeri mos quem pode ter sido este personagem aparentemente mis terioso, mas na verdade bastante conhecido dos africanos.
A data escolhida para o início da rebelião foi, como vimos em outro capítulo, o domingo da festa de Nossa Senhora da Guia. A escolha tinha óbvias razões estratégicas, prova de que os homens que a fizeram eram ladinos conhecedores dos cos tumes dos moradores de Salvador. Com efeito, a festa levaria para a distante localidade do Bonfim um grande número de pessoas, especialmente homens livres. Boa parte do corpo po licial também convergiria para lá, com o objetivo de controlar os excessos do povo. Dadas a distância e precariedade dos transportes e vias de acesso, ia-se ao Bonfim para ficar pelo menos todo o fim de semana na festa. Vazia de homens livres e policiais a cidade se faria fácil presa. Esse o primeiro ele mento dos cálculos dos rebeldes.
Uma outra razão para a escolha daquela data tinha a ver com a maior facilidade para a mobilização dos escravos urba nos. Para estes, o domingo de festa significava poder escapar dos olhos vigilantes dos senhores em casa e dos policiais nas ruas. Podiam deixar mais livremente seus quartos para encon trar os parceiros de conspiração ou agitar a participação de outros escravos alheios a ela. Há depoimentos indicando que os conspiradores pretendiam insuflar os escravos africanos que na manhã do dia 25 saíssem às ruas para pegar água nas fontes públicas. Do ponto de vista prático, o dia parecia ideal para o aparecimento de uma insurreição urbana generalizada (ver capítulo “A batalha pela Bahia”).
Mas havia outras razões, menos mundanas, para a elei ção daquela data. A rebelião foi planejada para acontecer num momento especialíssimo do calendário religioso muçul mano, na verdade o mais importante do ano: o Ramadã. Com exceção de Nina Rodrigues — mas que apenas se refere de passagem à “medida propiciatória do jejum” — nenhum au tor deu o devido peso a esse elemento de timing. No entanto,
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poimento do carcereiro da prisão municipal, Antônio Pereira de Almeida, informa que dias antes da revolta houve na ca deia um encontro entre o mestre Licutan e visitantes africa nos, ocasião em que estes lhe disseram “que quando acabasse o jejum eles haviam de ir lá para ele sair forro de uma vez”. Outro relato da polícia noticia o desaparecimento de farinha de amendoim e rapadura das feiras de Salvador, ambos pro dutos consumidos pelos malês ao cair da noite durante o Ra- madã.7
Para confirmar essas informações fizemos a conversão do dia 25 de janeiro de 1835 da era de Cristo para o calendário muçulmano, e resultou o esperado: 25 de Ramadã A.H. 1250. Era o final do mês do jejum, uma data inclusive muito pró xima da festa do Lailat al-Qadr, expressão traduzida para os
idiomas ocidentais ora como Noite da Glória, ora como Noite do Poder. O Qadr é celebrado em toda a Ãfrica Ocidental no
27? dia do Ramadã. Talvez os malês pretendessem celebrar nesse dia a vitória já conquistada, a glória do poder. Porém,