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Um escrito desconhecido de João Jacinto de Magalhães

Deparamo-nos a primeira vez com este trabalho de Magalhães, quando pesquisávamos em Harvard e apareceu um título nunca anteriormente encontrado. Tratava-se de uma pequena brochura impressa, de 16 páginas em oitavo, escrita em inglês, intitulada - Description of the French Toise, undertaken by Order of the Royal Academy of Sciences of Lisbon, and performed in London, by J. and E. Troughton, under the Inspection of J. H. de Magellan, Member of the same Academy, and those Petersburg, Berlin, Harlem, London, Manchester, Brussels, Paris, Madrid, and Philadelphia. [w/d or place].

Tendo em conta os trabalhos de Magalhães que vieram a público, salienta-se que poucas são as publicações surgidas em inglês, dado aquele referir que, tendo fixado a sua residência em Londres numa idade já avançada, dominava melhor as línguas do sul da Europa. Regista-se, no entanto, também escrito naquela língua, um trabalho de relevo que publicou em 1788 - a segunda edição, traduzida e largamente anotada, de An Essay Towards A System of Mineralogy do sueco Axel Cronstedt.[5] As suas restantes publicações aparecem em francês, língua de circulação internacional ao tempo o que lhe deu vantagem no âmbito da sua rede de contactos, mediando nesta última língua, para os continentais, o conhecimento da ciência que se fazia em terras inglesas.

A estrutura deste opúsculo é constituída por uma Previous Note e pela descrição do que designou por The Performance que inclui um subtítulo intitulado The Method of taking the true Distance of any Number of Inches and Fractions, upon the Standard.

Na emergência do sistema decimal – questões de precisão instrumental

Na Nota Prévia, Magalhães refere-se à toesa existente em Paris e às cópias levadas por ambas as expedições de académicos franceses ao Peru e vizinhanças de “Torned”, na Lapónia, com o objectivo de procederem à medição de um grau de meridiano terrestre com vista à determinação da figura da Terra. Na continuação, faz referência à diferença obtida na comparação dos resultados obtidos das duas expedições com o padrão que permanecera em Paris, indicando que se observou uma diferença sensível de “mais de um décimo de linha”,1 tornando-se impossível decidir qual dos três padrões deveria ser preferido. A decisão foi efectuada por decreto real.

Em seguida, detalha os pormenores da produção do padrão de Toesa para a Academia das Ciências de Lisboa, feito a partir de uma barra plana do melhor latão cromado, com mais de seis pés franceses de comprimento, sobre a qual terão sido traçados, com o maior cuidado, dois traços paralelos, longitudinais diríamos, sobre os quais foram feitos 72 orifícios, acima e abaixo de cada uma das linhas, com meia profundidade e à distância de uma polegada francesa cada um (2,707 cm x 72= 194,904 cm). Os mesmos foram depois cravados com ouro sólido, aplainados e polidos até ficarem nivelados com a superfície superior da barra. As operações seguintes foram levadas a cabo em tempos posteriores, assegurando-se cuidadosamente o equilíbrio térmico das ferramentas, operador e padrão. Fez-se uso de diferentes compassos de haste para o estabelecimento de determinadas distâncias como 64, 32, 16 polegadas, tendo-se o cuidado de não manusear os mesmos, mas tendo sido colocados sobre suportes, que seriam movimentáveis. Cada compasso de haste devia ser colocado muito próximo da medida a que se destinava. Informa que, da peça total, se retiraram 3 polegadas para construção do nónio, procedendo-se depois à marcação com os compassos da distância de 64 polegadas francesas, que se bissectou sucessivamente. Ao atingir as 8 polegadas, acrescentou-se esta distância à de 64 polegadas para obter as 72 polegadas (6 pés contidos na toesa francesa). Prosseguindo a bissecção, atinge-se com precisão o comprimento de uma polegada.

Menciona que a linha superior foi numerada em seis vezes 12 polegadas e a linha inferior foi contada a partir do zero de acordo com a progressão aritmética para as 72 polegadas. 1 1 linha = 1/12 polegada francesa ; 1 polegada francesa = 2,707 cm

Concluída esta parte, adaptou-se uma peça de correr, com parafuso de dedo, à extremidade direita, para lá do zero da régua, tendo o artista formado um nónio duplo para cada linha. O nónio superior respondendo a cada meia linha de polegada francesa, e o nónio inferior, a cada meio décimo (ou 20º) da mesma polegada. A propósito destas divisões, Magalhães indica que: “Cada meia linha mostra as outras décimas e centésimas para além de 50, que ambas de facto dão 12 centésimos, ou 1200 milésimas de uma polegada francesa.”

Para afirmar de seguida a bondade do sistema decimal em detrimento do sistema sexagesimal.

“Qualquer um percebe quão inconvenientes são as subdivisões em dozeavos, ou por qualquer outra parte alíquota do velho sistema sexagesimal de cálculo. Por esta razão, os calculadores ingleses empregam tanto quanto possível, o sistema decimal nas suas operações. E em consequência desta consideração, o conjunto de subdivisões, na linha inferior deste padrão, for feito de acordo com o sistema decimal como segue.”

Magalhães aproveita para relembrar que foi a partir deste novo padrão estabelecido para a toesa francesa, que John Bird (1709-1776), o famoso instrumentalista inglês, procedeu à comparação desta com o padrão inglês (“fathom”) que se encontrava guardado em Exchequer (Londres). Bird terá verificado na altura que a proporção real entre o pé francês e o pé inglês era de “106.575 para 100.000 ou tal como 10.000 para 0,9383”. E foi baseado nesta premissa que, diz-nos, o “novo padrão da Toesa francesa, para a Academia Real de Lisboa, foi executado pelo melhor artista que agora existe em Londres, e pode-se dizer também, em toda a Europa”. Refere-se Magalhães à oficina de John e Edward Troughton (c.1739-1807; 1753-1835), tal como indicado no título do escrito em referência. Irmão de John e seu sócio, Edward veio a ser considerado o melhor fabricante de instrumentos de navegação, astronomia e geodesia em Inglaterra.