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UM ESTUDO DE CASO: O CLÁSSICO EXEMPLO DO PARÂMETRO DO

1. O QUADRO TEÓRICO

1.2 A TEORIA GERATIVA E A VISÃO PARAMÉTRICA DA LÍNGUA

1.2.5 UM ESTUDO DE CASO: O CLÁSSICO EXEMPLO DO PARÂMETRO DO

Um número de propriedades diferencia sistematicamente línguas como o português, o italiano, o espanhol de línguas como o inglês e o francês, quanto à realização ou apagamento fonológico do sujeito pronominal. Esse contraste tem sido intensamente estudado na literatura corrente e recebeu a denominação de Parâmetro do Sujeito Nulo, o qual escolhemos como exemplo clássico de fenômeno que pode ser abordado dentro de um quadro gerativista e variacionista. Além disso, é relevante para os estudiosos que não só abordam aspectos da sintaxe comparativa, mas também tentam desvendar aspectos de mudança linguística e de aquisição da linguagem.

Já as gramáticas históricas e tradicionais mencionam, no estudo de línguas como o latim e grego, por exemplo, o fato de que as terminações pessoais dos verbos distinguindo pessoa e número tinham efeito na forma como o sujeito pronominal seria expresso, na medida em que consideravam redundante o seu uso diante das conjugações verbais “ricas morfologicamente”. Dentro do quadro teórico gerativista, Rizzi (1982) ficou conhecido pelo seu trabalho clássico, por estabelecer as propriedades que marcariam línguas de sujeito nulo de um lado, entre elas o italiano, e línguas de sujeito obrigatoriamente preenchido de outro, como o francês e o inglês. A partir desse trabalho, uma enorme literatura foi desenvolvida, abrangendo um enorme leque de línguas. Os estudos comparativos e históricos vieram revelar que a relação entre realização ou apagamento dos sujeitos referenciais e expletivos, e a flexão verbal era apenas um dos aspectos que precisavam ser considerados. Muitos outros fatores foram sendo considerados e trabalhados na tentativa de explicar esse ponto marcante de variação entre as línguas.

Assim, os pesquisadores acabam por descobrir que há línguas de tópico desprovidas de um sistema de flexão verbal de pessoa e número, como o chinês, que poderiam licenciar o sujeito pronominal nulo. Ou ainda línguas como o PB, em que esse parâmetro parece ser instável, uma vez que se observam diferenças entre o registro coloquial e culto. Recentemente, o PB tem sido considerado como língua de sujeito nulo parcial, em que o

sujeito pronominal pode permanecer ou não expresso em condições restritas, determinadas tanto pelo contexto morfológico quanto o sintático.

Em particular, o PB tem-se apresentado como uma língua de grande interesse para os estudos de sintaxe diacrônica, uma vez que vem mostrando um declínio na ocorrência do sujeito nulo referencial definido, ao contrário do que revela o português europeu (PE) (cf. DUARTE 1993, 1995, 2003; DUARTE, KATO E BARBOSA, 2001). Para a autora, a elevação do nível de realização do sujeito pronominal estaria relacionada com a substituição do pronome pessoal tu pelo pronome de tratamento você e com a concorrência da expressão a

gente com o pronome nós, levando ao enfraquecimento da morfologia verbal. Os rearranjos

no quadro do sistema dos pronomes pessoais ganham força nas primeiras décadas do século XX e levam a uma expressiva redução na flexão verbal, pois, tanto você, quanto a gente, co- ocorrem com as formas verbais de 3ª pessoa do singular, ou seja, sem um morfema específico de pessoa e número.

Duarte (1993) demonstra que o nível de preenchimento do sujeito pronominal em PB, no seu corpus composto por peças teatrais, salta de 25%, em 1918, para 46%, em 1937; atingindo os níveis de 67% e 74% de sujeitos realizados, em 1975 e 1992, respectivamente. O gráfico1.3 expressa a progressiva redução no percentual de sujeitos nulos nas peças analisadas8:

Gráfico 1.3: Sujeito nulo nas peças teatrais dos séc. XIX e XX

(Duarte, 1993) 9

A autora identifica dois momentos em que houve uma redução significativa no percentual de sujeitos nulos: a primeira a partir da terceira década do século XX e a segunda no último quarto do mesmo século.

Assim, o paradigma flexional do verbo no PB teria deixado de ser funcionalmente “rico”, provocando, então, a preferência pela expressão do sujeito, como vemos nas duas

8 Gráfico adaptado por Marins, J. E. (2009), gráfico 1 no original 9 Gráfico adaptado por Marins, J. E. (2009:29), gráfico 1 no original

últimas colunas do gráfico 1.3, em que o percentual de sujeitos nulos é bastante baixo (33% e 28%).

Nos estudos sobre o tema é possível ainda verificar que acontece um licenciamento seletivo do sujeito nulo no PB. Cyrino, Duarte e Kato (2000), para dar conta desse fato, propõem que a mudança que envolve categorias vazias se desenvolve condicionada por uma hierarquia de referencialidade, na qual a primeira e segunda pessoas, com o traço inerentemente [+hum], ocupam as posições mais altas na escala e o expletivo, isto é, a terceira pessoa, sem traços de pessoa, a posição mais baixa. Isso as leva a crer que, eventualmente, o PB poderia vir a desenvolver um expletivo lexical ao final da mudança.

Estudando o declínio dos sujeitos nulos, de um lado, e o desenvolvimento progressivo do objeto nulo, de outro, as autoras concluem que a referencialidade tem uma relevância altamente preditiva na pronominalização. A hierarquia de referencialidade prediz, parcialmente, o que ocorre com os dados, isto é, onde ainda podemos ter nulos sem restrição. Podemos dizer que o PB é pautado não pelo princípio “Evite Pronome”, tal como formulado em Chosmky (1981), mas pelo princípio parcial “Evite pronomes referencialmente deficientes”. Dessa forma, é possível afirmar que a sintaxe do PB vem mudando e que a variação exibida não é apenas efeito de uma mudança em curso, mas que ela pode ser explicada como propriedades de uma gramática estável caracterizável em termos de restrições semânticas de referencialidade e de propriedades morfossintáticas.

Hierarquia Referencial

não-argumento proposição ±humano +humano

3 p. 2 p. 1 p. [-ref]< --- > [+ref.]

Em Kato e Duarte (2014), reforça-se a ideia de que, no PB, quanto mais referencial é o pronome pessoal, maior a expectativa de que seja expresso, retomando dessa forma a proposta da “hierarquia da referencialidade”. No entanto, como as autoras observam, ainda retomando trabalhos anteriores, o PB apresenta uma outra propriedade interessante que é o fato de não ter gramaticalizado um pronome para desempenhar a função de sujeito expletivo (Øexpl), mas adotam uma estratégia de inversão locativa, como visto nos exemplos abaixo:

(1) a. Øexpl chove muito nessas florestas.

b. Essas florestas chovem muito (redação de vestibular).

(Kato e Duarte (2014:7))10

Um outro resíduo de língua de sujeito nulo no PB é o nulo genérico (Øgen), que se tornou possível com o desaparecimento do se indefinido (cf. GALVES, 1987; NUNES, 1990). Observa-se, porém, que o nulo genérico entra em competição com os pronomes a gente ou

você, nas quais se observa a não obediência ao princípio “Evite Pronome”. Vejamos os

exemplos por nós formulados abaixo com base na nossa intuição linguística: (2) a. Øgen age-se com a razão e não com o coração.

b. Øgen age com a razão e não com o coração. c. A gente age com a razão e não com o coração. d. Você age com a razão e não com o coração.

Outro ponto importante é a emergência de estruturas com sujeitos deslocados à esquerda e à direita que são retomados por um pronome expresso dentro da sentença, como exemplificado em (3a-c). Essas estruturas não ocorrem em línguas de sujeito nulo, como o PE, o espanhol e o italiano, mas são altamente frequentes no francês, por exemplo, língua de sujeito pleno.

(3) a. O Pedro, ele não sabe o que diz. b. Ele nunca sabe o que diz, o Pedro.

c. O Pedroi reconheceu que elei nunca sabe o que diz.

No entanto, ao mesmo tempo em que as sentenças acima mostrem indícios de sujeito pleno no PB, um pronome expresso não é possível em construções impessoais, como em (1a), ao contrário do que ocorre no francês. Isso leva a crer que, eventualmente, o PB poderia vir a desenvolver um expletivo lexical ao final da mudança.

Como Duarte e Kato (2014) concluem, a sintaxe do PB vem mudando e a variação exibida não é apenas efeito de uma mudança em curso, mas ela pode ser explicada como propriedades de uma gramática estável caracterizável em termos de restrições semânticas de referencialidade e de propriedades morfossintáticas.

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Dessa forma, o presente capítulo apresentou os dois quadros teóricos em que se baseiam nossa análise: a teoria dos Princípios & Parâmetros (CHOMSKY 1981, 1986) incluindo alguns refinamentos do Programa Minimalista (CHOMSKY 1995, 1998, 2000, 2001, 2004), e os pressupostos elaborados dentro da Sociolinguística Variacionista, também denominada Sociolinguística Laboviana (cf. WEINREICH, LABOV E HERZOG (WLH) (1968); LABOV (1972)), considerando ainda estudos posteriores que conciliaram a mudança paramétrica “internalista” da língua (ROBERTS (2007)) com fatores extragramaticais que determinam o percurso das formas linguísticas no tempo histórico (KROCH (1989, 1994, 2000)).

Trouxemos os conceitos básicos que levam ao conhecimento da Sociolinguística Laboviana, discutimos a teoria da variação no contexto da mudança linguística e apresentamos o estudo de Pereira (2007) como exemplo de aplicação da metodologia. Também apresentamos a investigação gerativa da linguagem humana, os principais pressupostos da Teoria dos P&P e um pouco do quadro do Programa Minimalista. Baseando- nos em Roberts (2007) mostramos um pouco sobre a variação e a mudança sintática, bem como a visão paramétrica da língua. Procuramos, contudo, associar a visão internalista da mudança e a pesquisa variacionista, discutindo aspectos da mudança paramétrica e fatores extralinguísticos que tornam possível o casamento dessas duas teorias.

2. PROPOSTAS DE ANÁLISES PARA UM ESTUDO DO DP POSSESSIVO NO PE E

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