• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II – O IMIGRANTE ITALIANO NA NOVA FRONTEIRA DO CAFÉ

2.1. A chegada em terras fluminense

Quando se fala em italianos no Brasil, é comum associá-los ao povoamento do Rio Grande do Sul e a lavoura cafeeira do vale do Paraíba paulista. Ressaltamos que, embora esse grupo étnico tivesse maciçamente penetrado nesses dois estados, não faz parte de um exclusivismo espacial.

Importantes contingentes de italianos se fixaram em outros recantos do Brasil, sendo relevante o número de imigrados em Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro.

Ressaltamos que, João Fragoso comprovou em sua tese de doutorado que Minas Gerais foi à província que concentrou a maior população escrava do Brasil. Portanto é de supor-se que se colocou aí uma significativa substituição do trabalho escravo pelo livre.

É oportuno indicar, que a presença de italianos no Rio de Janeiro data desde as primeiras décadas do século XIX. Sobre este fato encontramos em Luís Amado Cervo o seguinte relato:

“No início de século XIX, localizava-se no Rio de Janeiro um pequeno núcleo de trabalho. A ele juntaram-se, desde 1820, emigrados políticos, condenados do Estado Pontifício, refugiados espontâneos via França, como o grupo do jornalista Libero Badaró. O componente mazziniano chegou da Itália e de outras partes da América Latina em 1836, são eles: Zambecari, Rosseti, Garioni, Garibaldi...”.78

Embora tivesse esse grupo exercido um significativo papel nas questões econômicas e sociais, foi a partir de 1870 e, sobretudo na década de 80, que se intensifica a entrada de italianos no Brasil. Por ser o café a principal fonte de renda do país e tendo em vista a progressiva abolição da escravatura, emerge entre políticos e fazendeiros, intenso debate a respeito da substituição do trabalho escravo pelo livre. De um lado, falava-se em imigrantes para o povoamento de áreas consideradas improdutivas, do outro, a defesa da

78 CERVO, A.L. As relações históricas entre o Brasil e a Itália: o papel da diplomacia: Brasília: Editora da Universidade de Brasília. São Paulo: Instituto Italiano de Cultura, 1992. p. 57

de-obra para a lavoura, tendo em vista a incessante marcha do café. Sobre a importância dada ao braço estrangeiro referia-se Renato Denys:

“De todos os grandes problemas do Brasil, a imigração é, indubitavelmente, um dos mais importantes. Mede -se a riqueza de uma nação pelo -seu potencial energético, expresso em florestas, minas de carvão, quedas d’água, poços de petróleo, etc. Entretanto, não lhe adianta nada um país ter somente recursos naturais se não dispõe de braços para explorá-los.

Devemos, portanto, considerar também, o homem como fonte de energia. O país, com uma população laboriosa que lhe explora convenientemente as riquezas do solo, subsolo, atmosfera, mar, etc. é nação potencialmente rica. Como o Brasil é país relativamente novo e não dispõe de população suficiente para movimentar seus recursos naturais, torna-se necessário, evidentemente, o concurso de braços estrangeiros, realizados pela imigração”.79

O autor acima expressa a opinião difundida na classe dominante historicamente gerada; daí sua visão ingênua de que o sistema agrário não deve permitir o acesso a terra pelos trabalhadores nacionais, ou seja, os ex- escravos. A sua visão quanto à construção de riqueza no Brasil parece ignorar a própria história do país.

Não há dúvida que a vinda de imigrantes seja para constituir mão-de-obra, ou para o povoamento, contou com o apoio interessado tanto do governo, como de particulares.

No Rio de Janeiro, surgiu em 1883, uma sociedade particular denominada Sociedade Central de Imigração, com a finalidade de promover o estabelecimento de imigrantes em pequenas propriedades e em São Paulo, surgiu a Sociedade Promotora de Imigração, sob a liderança de Martinho

79 Boletim Geográfico. Informações /Notícias/Bibliografia/Legislação. Conselho Nacional de Geografia.

IBGE. 1951. Nº 94

Prado Junior. Nesse sentido, inúmeros contratos foram feitos com as Companhias de Navegação, tanto por particulares como pelo governo.

É oportuno indicar que, em 2 de agosto de 1892 o Governo Federal assinou um contrato com a Companhia Metropolitana para a introdução de um milhão de imigrantes no período de vinte anos. Três anos depois sentindo o pesado ônus dessa dívida, tenta transferir aos Estados a responsabilidade pelo contrato. Não conseguiu efetuar a transferência, tendo em vista, a precária situação econômica em que os Estados se encontravam. Faltando 16 anos para encerrar tal contrato, o governo viu-se obrigado a fazer a rescisão, mediante uma indenização à Companhia de 8.500:$000 (oito contos e quinhentos mil réis), mas livrou-se de uma despesa anual equivalente a 10.000:000$00080 (dez mil contos de reis).

Percebe-se, que na tentativa de trazer cada vez mais imigrantes europeus para o Brasil, o governo realizava constantemente novos investimentos. Muitas das vezes esses “investimentos” ficavam apenas nos Decretos. Em junho 1890, o governo decretou que as Companhias de Navegação que houvessem transportado durante um ano 10.000 imigrantes, sem darem motivos a reclamação a respeito de bagagens e do tratamento aos imigrantes, receberiam um prêmio de 100.000 francos. Algumas companhias italianas de navegação reclamavam ao Poder Judiciário o não cumprimento de tal decreto, e obtiveram ganho de causa, uma vez que nenhuma empresa foi premiada nos anos compreendidos entre 1891 e 1895.81

É importante destacar que as bagagens eram tudo que os imigrantes possuíam; por isso, constituíam um sério problema, uma vez que muitos as

80 Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas. Relatório apresentado ao Presidente do Brasil pelo Ministro de Estado dos negócios da Indústria, Viação e Obras Públicas. 1899. p. 16 e 67

81 Idem. 1898, p.68

perdiam nas conferências das alfândegas, com os carregadores e as próprias companhias de navegação.

Acrescentamos que, para cuidar dos assuntos referentes à imigração e colonização, foi criada a Inspetoria de Imigração com sede em Niterói.

Através do seu regulamento, dispunha de condições para a introdução do imigrante e a organização dos núcleos coloniais, fundado pelo Estado ou pela iniciativa particular.

Vale ressaltar que, os serviços de imigração referentes às Companhias de Navegação, foram transferidos aos Estados, tendo em vista a responsabilidade pela qual a União se defrontava, arcando com pesados ônus, ficando, muitas vezes, em débito com as respectivas companhias. Nesse sentido, continuou a cargo da União, através da Inspetoria de Imigrantes, apenas o recebimento, hospedagem e distribuição dos imigrantes que chegavam no país.

Verifica-se que, desde 1893, a União deixou de ocupar-se com a localização dos imigrantes, passando para os Estados esta competência, uma vez que, as terras devolutas passaram a pertencer aos referidos Estados, através do artigo 64 da Constituição federal de 1891. É sob o regime republicano que a imigração fica a cargo dos governos locais. Além das migrações ditas “espontâneas”, ou seja, por conta própria, as que mais interessavam aos fazendeiros era a migração subvencionada, pois, através dela os fazendeiros não teriam que arcar com as despesas. Sobre os benefícios que tinham os fazendeiros com a imigração subvencionada nos diz José de Souza Martins:

“Quem quisesse receber esse subsídio teria que encontrar meios de incorporar novos e maiores contingentes de imigrantes subvencionados (ou mesmo, é claro, dos chamados imigrantes

espontâneos, que arcavam com os débitos de sua própria viagem). Com a imigração subvencionada, o fazendeiro não poupava capital, como pretendia Antonio Prado, mas ganhava capital, dado que cada trabalhador chegado à fazenda representava um efetivo dispêndio em dinheiro feito com recursos públicos.”82

Ressaltamos, que, no Brasil a vinda de imigrantes recebeu apoio tanto do governo como de particulares, seja pelo interesse no povoamento como pequenos proprietários, seja como mão-de-obra na cafeicultura.

Ao chegar nos principais portos do país os imigrantes eram alojados nas Hospedarias. No Rio de Janeiro a maior parte era encaminhado para a Ilha das Flores, na Baía da Guanabara, (conforme a foto em anexo).

A propriedade da Ilha das Flores foi adquirida pelo governo em 1882, mediante indenização de 177:380$, incluindo o custo dos móveis ali existentes. Um ano após a aquisição pelo governo, foi instalado o alojamento dos imigrantes no galpão, mandado construir para esse fim, de paredes de alvenaria, divididos em salões para dormitórios, salas de enfermaria e consultório médico, escritórios e quartos para empregados.83

Ressaltamos que inúmeros melhoramentos foram feitos no prédio, no sentido de aumentar a capacidade de hóspedes, tendo em vista o número de imigrantes recebidos. Segundo consta no relatório do Ministério apresentado ao presidente, no ano de 1883 a 1896, gastou-se na execução de diversas obras a soma de 250:000$, sem contar os gastos com utensílios e abastecimento de água. Em 1890, o refeitório já tinha capacidade para alimentar de uma só vez 2000 imigrantes.

Verifica-se também, que possuía o governo outras hospedarias no Estado do Rio de Janeiro. Em 1890, foi desapropriado um imóvel pelo

82 MARTINS, José de Souza. O Cativeiro da Terra. São Paulo: Edit. HUCITEC, 1986, p. 68

83 Relatório do Ministério da Indústria e Obras Públicas apresentado ao Presidente da República. 1898, p.71

governo e adquirido pelo Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas84, para servir de hospedaria aos imigrantes desembarcados no Rio de Janeiro. Esta hospedaria localizava-se em Pinheiros e funcionou por um período de sete anos, sendo extinta em 1897, passando edifícios e dependências a pertencer provisoriamente ao Ministério da Guerra, respeitados, os direitos dos moradores, meeiros e contratantes de terrenos da fazenda onde a hospedaria estava estabelecida85. Se considerarmos o movimento de imigrantes, concluímos que a hospedaria não cumpria seu papel, uma vez que não passou ninguém por ali num período de seis meses.

Encontramos em um dos relatórios de Província uma referência a uma hospedaria na Ilha do Carvalho. Essa ilha localizava-se próximo à Ilha das Flores. Outra hospedaria citada é a de Cabiúnas que se encontrava em Macaé.

“Os imigrantes recebidos na Hospedaria da Ilha do Carvalho, após a conferência das bagagens, são internados nas de Cabiúnas de onde se distribuem pelos municípios que os procuram, serviços, aliás, também feito na Ilha, quando os interessados vão à Hospedaria contratá-los e designam o destino imediato que devam ter”.86

Com relação ao destino dos imigrantes refere-se o relatório:

“Nas fazendas adquiridas para a instalação dos núcleos coloniais estão sendo medidos e demarcados os lotes, trabalho este já terminado em Vargem Alegre, para onde tem afluído numerosos pretendentes, que oportunamente receberão da Inspetoria os títul os provisórios. Possuindo o Estado, terras devolutas, organizou-se o serviço de sua demarcação,

84 Idem. p. 75

85 Ibdem. P. 75

86 Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial do Rio de janeiro. 1897.p. 66

discriminação e inventário, a fim de estabelecer nelas núcleos coloniais, devendo a regulamentação indispensável desse serviço ser em breve decretada”.87

A colonização voltada para a pequena propriedade relatada acima se deu efetivamente no Sul do país.Verificamos que no Rio de Janeiro, embora a maior parte dos imigrantes fosse destinada à lavoura cafeeira, as imigrações para a colonização e povoamento, visando à pequena propriedade, através dos núcleos oficiais, também se fizeram presente, embora, em número reduzido.

Em 1898, foram firmados contratos pelo governo para a introdução de trabalhadores de diversas nacionalidades, incluindo suíços, austríacos, alemães e italianos, perfazendo um total de 12 mil imigrantes a serem introduzidos no Brasil num período de dois anos. Desses contratos, apenas um foi feito com a Esteves & Cia, para a introdução de 50 famílias alemãs destinado a atender fazendeiros do município de Valença. Os outros foram destinados a núcleos oficiais feitos pelo governo. Para que a alocação dos trabalhadores ocorresse sem transtornos, foram estabelecidos critérios com os contratantes: só era permitido a entrada de no máximo 500 imigrantes mensalmente. A colonização voltada para o abastecimento interno, paralelo ao interesse dos grandes cafeicultores se fez presente em diversos municípios do Rio de Janeiro, com exemplo citamos:

“O Governo fez aquisição de uma fazenda de grande extensão em Resende, próxima à estação de Campo Belo, para nela organizar um núcleo de colonos lavradores e criadores, estando adiantadas a demarcação e divisão dos lotes. Serão também em breve demarcadas e colonizadas parte das terras da

87 Idem. p.66

Vargem Alegre e Boa Vista, e as devolutas que o Estado possuir”.88

Sobre o povoamento do território fluminense encontramos em um dos relatórios da província do Rio de janeiro:

Da prosperidade das primeiras colônias fundadas dependerá o êxito do povoamento do território fluminense, o que justifica ainda a preferência por esses municípios, tais razões, são os que no momento oferecem melhores garantias ao desenvolvimento das colônias”.89

No Brasil, segundo José de Souza Martins90, a imigração passou por três momentos distintos, em cada um deles foram encontradas diferentes justificativas para a introdução da mão-de-obra livre. Num primeiro momento o imigrante serviria para o abastecimento de gêneros alimentícios.Num segundo momento, para incentivar a vinda desse imigrante, é oferecido o acesso a pequena propriedade, associando a ampliação de gêneros para o mercado interno. Por fim, num terceiro momento, os núcleos oficiais atenderam aos interesses da grande lavoura. Acrescentamos à analise de Souza Martins, que houve momentos em que tais interesses diferenciados eram atendidos simultaneamente, tendo em vista as diferentes situações encontradas pelo governo. Deveria o Estado canalizar recursos para que o imigrante fosse introduzido a fim de atender a demanda dos cafeicultores.

Embora, ocorressem algumas experiências de subsídios do governo antes de

88 Ibdem, 1896 p. 34

89 Ministério da Agricultura. Relatório de Província. 1907

90 MARTINS, José de Souza. A Imigração e a crise do Brasil Agrário.São Paulo: Ed. Pioneira, 1973. pgs.69 e 70

1880, foi a partir dessa década que se definiu a política de subsídios pelos governos provinciais.

Através da colonização subvencionada, o número de imigrantes chegados no país aumenta maciçamente, principalmente os italianos. Embora predominasse no Rio e em São Paulo, o imigrante destinado a servir à lavoura cafeeira, não cessaram a entrada no país daqueles que tinham como destino o povoamento. Tanto um como o outro uma vez, desembarcados nos principais portos do país (Rio e São Paulo), eram abrigados inicialmente nas hospedarias.

No Rio de Janeiro permaneceu funcionando apenas a hospedaria de Ilha das Flores, apesar de um importante fluxo de imigrantes que se destinavam para diversas regiões do Rio de Janeiro e de outros estados.

Lembramos que a maior parte dos imigrantes que se destinaram para o Sul do Brasil desembarcavam no Rio de Janeiro.

Embora São Paulo, pólo cafeeiro do Brasil, tivesse recebido maciçamente imigrantes, nem sempre seu porto recebia regularmente o maior número deles. Tiveram entrada nos portos do Rio de Janeiro e Santos durante o ano de 1896, 158.129 imigrantes, sendo assim distribuídos91.

- Porto do Rio de Janeiro ... 99.550 - Porto de Santos ... 58.579

No Rio de Janeiro, entraram 357 vapores de diversas companhias de navegação, vindos da Europa e do Rio da Prata. Quanto à nacionalidade foram classificados:

91 Ibdem. 1896.p.37

- Italianos ... 56.093 - Portugueses ... 19.669 - Espanhóis ... 12.393 - Austríacos ... 8.174 - Alemães ... 1.052 - Russos ... 540 - Franceses ... 322 - Suíços ... 148 - Ingleses ... 63 - Dinamarqueses ... 49 - Belgas ... 22 - Holandeses ... 07 - Diversas ... 1.018

Quanto à divisão por sexo, idade, estado civil, religião e profissão foram assim classificados:

SEXO

Masculino ... 61.071 Feminino ... 38.479

IDADE

Maiores de 12 anos ... 66.905 Menores ... 32.645

ESTADO CIVIL

Casados ... 37.214 Solteiros ... 60.744 Viúvos ... 1.592 Desconhecidos ... 30

RELIGIÃO

Católica ... 98.087 Acatólica ... 1.592 Ignorada ... 422

PROFISSÃO

Agricultores ... 93.339 Artistas ... 1.850 Desconhecida ... 4.361

Podemos observar que o número de pessoas solteiras que entraram neste ano superou os de casados, muito embora, a preferência fosse dada às famílias, tendo em vista, que o interesse da grande lavoura era o de assegurar o trabalho da família colona no trato do cafezal. Nesse sentido, o recrutamento buscava trazer para o Brasil indivíduos que tivessem experiência no uso da terra. Dos imigrantes que chegaram 90% constam nos registros como agricultores. Dentre os critérios utilizados pelos serviços de imigração constava:

“O imigrante deve ser agricultor, técnico ou operário especializado. Devem ser recusados os imigrantes de quaisquer outras profissões. O imigrante que vier sob falsa profissão ou que mudar de atividade (a não ser que se faça essa mudança entre as profissões

permitidas para a imigração) deve ser ecambiado”.92

92 Boletim Geográfico. Informações, Notícias, Bibliografia e Legislação. Esboço de planejamento sobre imigração. DENYS, Renato. IBGE. 1951 Nº 94.p.1160

93 DAVATS, Thomas. Memórias de um Colono no Brasil (1850). Tradução e prefácio de Sérgio Buarque de Holanda. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo. p. 18

94 GRAZIA, Dore. La Democrazia Italiana e L’Emigrazione in América. 1964 in MARTINS, José de Souza.

A Imigração e a Crise do Brasil Agrário. São Paulo : Ed. Pioneira. 1973, p. 78

Consideremos que, ao se instalarem na fazenda, o trabalho desses imigrantes tornava-se difícil, por desconhecerem a cultura do café e as técnicas de plantio existentes no Brasil. Fazendo a referência ao recrutamento de agricultores encontramos no Prefácio de Sérgio Buarque de Holanda.

Cabe perguntar, em todo o caso, se dada à distância enorme que separava os métodos agrícolas europeus dos nossos, seria efetivamente indispensável que o recrutamento se fizesse apenas entre agricultores”.93

Quanto à procedência dos italianos neste ano, 43.202 vieram de Gênova e 10.907 de Nápoles, os dois mais importantes portos de embarque para a América. Normalmente, quem embarcava em Gênova tinha como destino Brasil, Uruguai ou Argentina. Em Nápoles, embarcavam para os Estados Unidos da América.94 Sobre essa divisão nos portos de embarque não conseguimos nos nossos estudos, obter informações completas que pudessem explicar tal fato. No entanto jogamos com a hipótese de que do norte provinham italianos ligados ao campo e do sul aqueles de origem urbana. A explicação deve ser encontrada em outros estudos.

Referindo-se as partidas de Gênova, certa vez Martinho Prado Jr discursou na Assembléia Legislativa paulista:

‘Entre os imigrantes, nos dias de partida para São Paulo, reinava sempre uma alegria pouco comum, verdadeiro entusiasmo, que contrastava singularmente com o abandono da pátria, o rompimento de todos os

laços que prendem naturalmente o homem ao seu torrão natal, a quebra brusca de todas as suas relações, e ainda mais, partindo para uma região longínqua que denominaram – A América – sem o menor conhecimento de nenhuma de suas partes, confundindo-as entre si’.95

Não resta dúvida que o discurso é altamente ideológico. Ressaltamos que, uma vez recrutados pelos agenciadores, o emigrante não escolhia seu destino, estava nas mãos daqueles que os desejavam como força de trabalho, restando apenas o conformismo com o que lhes era estabelecido. A grande maioria chegava aos portos de embarque três ou mais dias, antes da travessia ao Atlântico. Tinham ainda, que arcar com os custos da estadia, pois, até 1897 não existiam hospedarias nos principais portos da Itália. Percebe-se, portanto, que desde o embarque até achegada em terras estranhas, o imigrante viveu sob total submissão e exploração. Muitos deles, que tinham como destino os EUA, equivocadamente ou intencionalmente enganados pelos recrutadores, acabavam desembarcando no Brasil.

Com relação ao desprendimento à terra natal, temos que considerar que a noção de pátria para aqueles que foram expelidos de sua terra é questionável. Pátria seria aquela que lhes trouxesse melhores possibilidades de sobrevivência, aquela que lhes possibilitassem o acesso a terra. É sabido que o último quartel do século XIX foi catastrófico para as populações camponesas da Europa Ocidental, ocasionando uma verdadeira diáspora. O abandono da pátria é sempre condicionado a condições de existência difíceis de suportar. Nesse sentido, dizemos, que nenhuma emigração é espontânea.

95 Martinho Prado. 1888 in BEIGUELMAN, Paula. A Formação do Povo no Complexo Cafeeiro: Aspectos Políticos. São Paulo: Pioneira 1976

Daí a expressão de revolta manifestada por um migrante em resposta a um Ministro italiano naquele final de século.

Que coisa entendeis por uma nação senhor Ministro?

É a massa dos infelizes? Plantamos e ceifamos o trigo, mas nunca provamos pão branco. Cultivamos a videira, mas não bebemos o vinho. Criamos animais, mas não comemos a carne. Apesar disso, vós nos aconselhais a não abandonarmos a nossa pátria? Mas é uma pátria a terra em que não se consegue viver do próprio trabalho?”96

Considerando a divisão de terras na Itália, verifica-se que a maior parte das terras pertencia a pessoas de posse. Os lavradores ocupavam pequenos lotes, e normalmente pagavam uma taxa anual ao proprietário pelo uso dessas terras. Tiravam para si a produção, mas, muitas vezes, esta produção não bastava para sustentar as famílias. Outro fator a considerar, foi o injusto sistema tributário que vigorou após a Unificação da Itália em 1871. Segundo Thales de Azevedo, a ganância fiscal depois da Unificação era tal que entre 1873 e 1881, nada menos de 61.831 pequenas propriedades foram tomadas pelo fisco por falta de pagamento de impostos, se elevando a 215.759 o número de propriedades perdidas até 1901.97 Percebe-se, portanto, que o pequeno proprietário, o lavrador independente acabava perdendo suas terras para o grande proprietário. Nesse sentido, além dos que não tinham terras, emigravam também os pequenos proprietários, que de certa forma foram expulsos de sua terras. Ianni atribui ao Estado, a miséria em que se encontrava a maioria da população italiana. Dizia ele:

96 Rede Mundial de Computadores. Site. www.mj.gov.br/an

97 AZEVEDO, Thales de. Italianos e Gaúchos: Os anos pioneiros da colonização no Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Ed. Cátedra. 1982. p. 68

“Bastariam esses fatos para demonstrar a grande responsabilidade de ação estatal no criar e agravar os fatores da grande emigração italiana que, depois, é retoricamente atribuída à pobreza do país ou à exuberância demográfica. O regime de propriedade da terra e a política econômica e financeira dos governos italianos de 1860 em diante atuaram de vários modos como processo social, econômico e político de fabricação de emigrantes”.98

Sem dúvida, a causa imediata da emigração não foi à superpopulação.

Sabe-se que uma população numerosa torna-se empecilho para o desenvolvimento econômico de um país se investimentos não forem realizados pelo Estado, seja na educação e saúde, seja através do acesso a terra e ao trabalho. Percebe-se que as causas da emigração estavam ligadas ao atraso e a miséria em que viviam inúmeros italianos. O quadro de pobreza foi tão relevante que a Itália viveu uma epidemia de doença denominada pelagra, originária da deficiência do consumo de proteínas e vitaminas. O camponês só comia carne de quatro a cinco vezes ao ano, especialmente em dias de festas.

Seu alimento no cotidiano era baseado no trigo e no milho, pães e polentas. O número de doentes em 1879 foi de 97.855, chegando ainda em 1909 com 41.768 vítimas.99

Indiscutivelmente, o camponês italiano não via outra saída que não fosse emigrar. Alimentava o sonho de uma vida melhor, sem se quer, questionar o lugar de destino. Não faltavam incentivos por parte dos governos, fazendeiros e até mesmo dos parentes já emigrados, como evidencia o discurso propagandístico de um representante do poder político e social de São Paulo.

98 IANNI, Constantino. Homens sem paz. Os conflitos e os bastidores da emigração italiana. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira. 1972. pgs.53 e 75

99 AZEVEDO, Thales de. Op. Cit. p.70

Documentos relacionados