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3. A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS E O ACESSO DO

3.3 Um exemplo: o caso Maria da Penha Fernandes

Um caso que se amolda à situação tratada no presente estudo é o da brasileira, do Estado do Ceará, Maria da Penha Maia Fernandes, que, não tendo sido juridicamente amparada pelo seu país, teve de solicitar auxílio internacionalmente.

Maria da Penha, farmacêutica, era vítima de violência doméstica que partia de seu esposo Marco Antonio Heredia Viveiros, professor universitário à época dos fatos. A primeira agressão física perpetrada por Marco Antonio em face de Maria da Penha ocorreu no ano de 1983 e tratou-se de uma tentativa de homicídio. Na oportunidade, Marco Antonio desferiu um tiro de espingarda contra a então esposa, culminando na paraplegia de Maria da Penha. Não tendo alcançado seu objetivo, decorridos poucos dias, Marco Antonio tentou eletrocutar Maria da Penha enquanto ela estava no banho. Após o ocorrido, Maria da Penha separou-se de Marco Antonio e buscou auxílio junto ao judiciário brasileiro. Assim, no ano seguinte ao das agressões, o Ministério Público ofereceu a denúncia em face de Marco Antônio por suas tentativas de homicídio. Pronunciado, no ano de 1991, Marco Antonio foi submetido ao plenário do júri, ocasião em que foi condenado à pena privativa de liberdade pelo período de 10 anos. A defesa apresentou recurso e com isso conseguiu a anulação da decisão dos jurados. Devido ao julgamento do recurso,

novo júri ocorreu em 1996, cuja decisão foi a da condenação de Marco Antonio a 10 e seis meses de prisão. A defesa outra vez apresentou recurso que possibilitou que o réu respondesse aos crimes em liberdade. A prisão do agressor acorreu somente após decorridos 19 anos do cometimento dos crimes, tendo sido cumprida apenas 02 anos da pena imposta.

Frente a todo descaso com sua situação, Maria da Penha entendeu ser pertinente buscar auxílio a nível internacional. Foi então que em 2001 revelou o ocorrido ao Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional, bem como ao Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher, órgãos que repassaram o caso à Comissão Internacional de Direitos Humanos.

De acordo com Bedin e Schineider (2012, p. 86):

A denúncia culminou no relatório 54/01, o qual concluiu ter sido o Brasil omisso de uma forma geral em relação à violência doméstica contra as mulheres, e especificamente no que diz respeito a repressões que deveriam ter sido tomadas contra o agressor no caso Maria da Penha. Recomendou que fossem tomadas medidas que garantissem a efetividade dos direitos já reconhecidos na Convenção Americana e na Convenção de Belém do Pará.

Ainda, o relatório produzido pela CIDH manifestou que o Brasil não observou os direitos dos cidadãos ao descumprir seus deveres dispostos no art. 7º da Convenção de Belém do Pará, que busca a prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher. Referiu também a afronta aos seguintes artigos elencados na Convenção Americana de Direitos Humanos: art. 8º, relativo às garantias judiciais; ao art. 25, que trata da proteção judicial e, por óbvio, a violação ao art. 1º, que prevê que os Estados-membros têm o dever de respeitar todos os direitos previstos na Convenção Americana.

Quanto à indenização cabível à Maria da Penha, a Comissão entendeu pertinente a condenação do Ceará ao pagamento de R$ 20.000,00 devido à demora processual, que quase implicou a prescrição dos crimes.

A repercussão do caso foi tamanha que, em 2006, o executivo sancionou a Lei 11.340, também chamada de Lei Maria da Penha, prevendo punições mais rigorosas aos crimes cometidos contra as mulheres. Souza (apud BEDIN; SCHINEIDER, 2012, p. 87) refere que:

Referida lei, em seu artigo 1° define que cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8° do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de todos os tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Verifica-se, portanto, que, embora o Brasil já tivesse ratificado a Convenção para a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher em 1984 e, posteriormente, em 1995, a Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher (Convenção de Belém do Pará), agiu de modo falho, afrontando a legislação nacional e internacional.

Desse modo, resta evidente a necessidade de uma supervisão internacional para proteção dos direitos dos seres humanos, freando os abusos estatais e contribuindo para o avanço da consciência jurídica universal, assim como da carência da promoção do bem comum e da justiça.

CONCLUSÃO

O ponto de partida do presente trabalho foi o processo de internacionalização dos direitos humanos. Este processo tem como marco fundamental a violência da II Guerra Mundial. De fato, os acontecimentos daquele duro período histórico ampliaram significativamente a percepção que era necessária à construção de novos mecanismos internacionais de proteção dos seres humanos e de novas estratégias para o enfrentamento do que foi denominado por Hanna Arendt de banalização do mal.

Assim, deu-se início a um longo período de reconstrução dos direitos humanos, que perpassou por diversos movimentos que almejavam, em suma, o estabelecimento de um padrão universal de direitos humanos mínimos, que teriam importância internacional, não mais se restringindo ao domínio dos Estados de forma absoluta.

Por certo, para que a dignidade humana não fosse mais uma questão restrita à jurisdição doméstica, foi necessário que a soberania estatal fosse flexibilizada e que os Estados ratificassem Convenções que versassem sobre o tema. Os Estados passaram a assumir obrigações voltadas ao bem de seus nacionais, ou seja, a lógica que começou a ser construída era a do indivíduo como elemento principal, mudando o foco tradicional das negociações que objetivavam trocas de benefícios entre Estados.

Um marco na história mundial no que tange aos direitos humanos foi a criação da Declaração Universal dos Direitos do Homem no âmbito da Organização das Nações Unidas, que estabelece uma compreensão mundial acerca de direitos

humanos básicos. A partir de então surgiram duas correntes de pensamento, a saber: universalista e relativista. Sobre o debate entravado, a Declaração de Viena discorreu que as diversidades culturais não podem servir de pretexto para a violação de qualquer direito humano, pois são superiores a qualquer particularismo.

Nessa trilha, foi instituído o sistema global de proteção dos direitos humanos no domínio das Nações Unidas e posteriormente criados os sistemas regionais de proteção aos direitos humanos.

Os sistemas regionais, por serem restritos, conseguem garantir de forma mais eficiente as particularidades culturais de cada região. O Brasil integra o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, que conta com dois órgãos de atuação: a Corte e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

Diante do estudo efetuado, verifica-se que o indivíduo que vê um direito seu ser violado pelo país do qual é nacional pode recorrer ao aparato de proteção internacional, seja o sistema global ou regional. Os americanos podem solicitar auxílio junto à CIDH, de forma individual ou coletiva e, tendo superados os requisitos de admissibilidade de sua petição, será o caso analisado. A partir disso, a Comissão adota medidas que deixam evidente que os Estados não mais podem agir de forma discricionária, pois o ordenamento jurídico internacional não mais tolera o desrespeito ao ser humano, que é a razão de existir do Estado.

REFERÊNCIAS

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