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O direito internacional dos direitos humanos e o acesso do indivíduo ao sistema interamericano de direitos humanos

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GRANDE DO SUL

VITÓRIA PAUSE CAZALLI

O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS E O ACESSO DO INDIVÍDUO AO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS

Ijuí (RS) 2016

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VITÓRIA PAUSE CAZALLI

O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS E O ACESSO DO INDIVÍDUO AO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: Dr. Gilmar Antônio Bedin

Ijuí (RS) 2016

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Dedico este trabalho à minha querida família pelo incentivo ao estudo que me foi dado, bem assim por ter tornado possível a realização de toda minha trajetória acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, sobretudo, à minha família, por ter me ensinado a relevância do estudo desde os meus primeiros anos de vida e por não ter medido esforços para colaborar de todas as formas com meu crescimento intelectual.

Ao meu gentil, generoso e sábio orientador Gilmar Antônio Bedin, por comigo compartilhar seu vasto conhecimento e pelo auxílio e dedicação a mim dispendidos neste momento relevante e singular de minha jornada acadêmica.

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“o direito deve ser um ativo promotor de mudança social tanto no domínio material como no da cultura e das mentalidades.”

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O presente trabalho resgata a trajetória histórica do processo de internacionalização dos direitos humanos, destaca alguns eventos propulsores deste acontecimento e analisa a sua materialização mais específica nos subsistemas regionais de proteção e garantia. Neste contexto, é dado destaque para o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, seus principais documentos legais e seus órgãos administrativos e judiciais. Por fim, a pesquisa analisa o funcionamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a possibilidade dos indivíduos ingressarem na mesma. Ao final, é analisado o caso que envolve a brasileira Maria da Penha Fernandes e as repercussões que as suas demandas geraram. O objetivo é demonstrar que, na atualidade, o indivíduo pode buscar proteger ou garantir os direitos para além das fronteiras nacionais. O método utilizado na pesquisa foi o método hipotético-dedutivo e a técnica de pesquisa utilizada foi a da pesquisa bibliográfica.

Palavras-Chave: Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Direitos humanos. Internacionalização dos direitos humanos. Sistemas Regionais de Direitos Humanos.

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This paper recalls the historical trajectory of the internationalization of human rights process, highlights some thrusters events of this occurrence and analyzes its most specific embodiment in regional subsystems of protection and security. In this context, emphasis is given to the Inter-American Human Rights System, its main legal documents and their administrative and judicial bodies. Finally, the research analyzes the operation of the Inter-American Commission on Human Rights and the possibility of individuals to join them. Finally, the case involving the brazilian Maria da Penha Fernandes and the repercussions that her demands generated is analyzed. The goal is to demonstrate that, nowadays, the individual may seek to protect or guarantee the rights beyond national borders. The method used in the research was the hypothetical-deductive method and the research technique used was the bibliographical research

Keywords: Inter-American Commission on Human Rights. Human Rights. Human Rights Internationalization. Regional Systems of Human Rights.

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INTRODUÇÃO ... 8

1 PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ... 10

1.1 Os primeiros movimentos do processo de internacionalização ... 12

1.2 A II Guerra Mundial e a Declaração Universal dos Direitos do Homem ... 14

1.3 Os dois grandes pactos da Declaração Universal ... 16

1.4 A Declaração de Viena de 1993...17

2 OS SISTEMAS REGIONAIS E O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS ... ...20

2.1 A formação dos sistemas regionais de direitos humanos ... 21

2.2 O Sistema Interamericano de Direitos Humanos ... 23

2.3 Os órgãos componentes do Sistema Interamericano de Direitos Humanos...25

3. A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS E O ACESSO DO INDIVÍDUO ...29

3.1 A Comissão Interamericana e suas funções...30

3.2 As condições de admissibilidade de uma ação individual...32

3.3 Um exemplo: o caso Maria da Penha Fernandes...34

CONCLUSÃO ... 37

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INTRODUÇÃO

A luta pelo reconhecimento dos direitos humanos já possui uma longa caminhada histórica. Este processo se concentra, incialmente, nas relações nacionais e, posteriormente, avança para as relações internacionais. O marco de início deste deslocamento pode ser localizado na Segunda Guerra Mundial e suas consequências.

De fato, a preocupação com a proteção internacional dos direitos humanos adquiriu, desde então, uma crescente relevância política, jurídica e social e se tornou uma verdadeira nova instância de proteção e de garantia dos direitos humanos em todas as regiões do planeta.

O presente trabalho tem como preocupação central analisar este processo e seus desdobramentos. Por isso, se estrutura em três capítulos. O primeiro capítulo apresenta propriamente o movimento de internacionalização dos direitos humanos, pontuando os grandes marcos deste processo. Neste contexto, discorre sobre o papel desempenhado pela II Guerra Mundial e pela posterior Declaração Universal dos Direitos do Homem no referido processo. Destaca, ainda, os obstáculos ocasionados pelas diferenças culturais existentes para o estabelecimento de uma concepção universal de direito humanos num debate entravado por universalistas e relativistas e, por fim, menciona a contribuição da Declaração de Viena de 1993 para a discussão.

O segundo capítulo trata dos sistemas regionais de proteção aos direitos humanos, quais são os principais hodiernamente e os instrumentos dos quais se valem para atuarem. Posteriormente, adentra no Sistema Interamericano de Direitos

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Humanos e seu vínculo com a Organização dos Estados Americanos para finalizar esclarecendo quais são seus órgãos componentes, detalhando a função da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

O terceiro capítulo do estudo se volta mais precisamente à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, suas funções e composição para então assinalar que, por intermédio dela, pode o indivíduo recorrer ao auxílio internacional quando se achar em situação de lesão a algum direito. Por fim, expõe as condições de admissibilidade de uma petição individual e faz a abordagem do tão falado caso Maria da Penha.

O objetivo do trabalho foi o de demonstrar como o processo de internacionalização dos direitos humanos criou novos níveis de proteção dos direitos humanos e como o indivíduo hoje pode buscar proteger os seus direitos para além das fronteiras nacionais e a escolha do tema deve-se a constatação da crescente presença das questões envolvidas no debate jurídico atual. O método de pesquisa utilizado foi o hipotético-dedutivo e a técnica de pesquisa utilizada foi o da pesquisa bibliográfica.

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1 PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Atualmente, é possível dizer que já está consolidado o novo ramo do Direito Internacional que estuda a proteção dos direitos humanos no âmbito internacional. Este novo ramo de conhecimento jurídico denomina-se de Direito Internacional dos Direitos Humanos. O seu objeto é, como nos ajuda a compreender André de Carvalho Ramos (2012, p. 25), o “[...] conjunto de direitos e faculdades que protege a dignidade do ser humano e se beneficia de garantias internacionais institucionalizadadas”.

Dito de outra forma, o objeto deste ramo especializado do direito é o “conjunto de normas jurídicas internacionais que cria e processa obrigações do Estado em respeitar e garantir certos direitos a todos os seres humanos sob sua jurisdição, sejam eles nacionais ou não” (SIMMA apud RAMOS, 2012, p. 25). Sendo assim, é um direito que tem como desiderato a proteção de direitos dos sujeitos e não dos Estados.

Não é diverso o pensamento de Virginia Leary, referenciada por Piovesan (2013, p. 64-65):

Embora estes tratados sejam elaborados com o fim de importar em obrigações aos Estados que os ratificam, os seus verdadeiros beneficiários são os indivíduos que estão sob a jurisdição do Estado. A incorporação efetiva das normas destes tratados no plano nacional é de crucial importância para que os seus propósitos sejam alcançados. A comunidade internacional tenta, atualmente, através do uso de tratados — o maior instrumento em seu aparato legal — obrigar os Estados a melhorar a condição dos indivíduos e a garantir a eles direitos fundamentais.

Quanto às particularidades apresentadas pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, Ramos (2012, p. 25-26) destaca:

1) trata de direitos de todos, não importando a nacionalidade, credo, opção política, entre outras singularidades; 2) os Estados assumem deveres em prol dos indivíduos, sem a lógica da reciprocidade dos tratados tradicionais; 3) os indivíduos têm aceso a instâncias internacionais de supervisão e controle das

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obrigações dos Estados, sendo criado um conjunto de sofisticados processos internacionais de direitos humanos.

Em outras palavras, o aparato internacional de proteção dos Direitos Humanos conta com normas, procedimentos e instituições internacionais que buscam efetivar cada vez mais o entendimento de que, independentemente de qualquer condição, todos devem ser sujeitos de direitos, diferentemente do legado nazista que sujeitou tão somente a raça ariana tal titularidade. Nessa trilha,

Embora a ideia de que os seres humanos tenham direitos e liberdades fundamentais, que lhes são inerentes, há muito tempo tenha surgido no pensamento humano, a concepção de que os direitos humanos constituem objeto próprio de uma regulação internacional, por sua vez, é bastante recente. (...) Muitos dos direitos que hoje constam do ‘Direito Internacional dos Direitos Humanos’ emergiram apenas em 1945, quando, com as implicações do holocausto e de outras violações de direitos humanos cometidas pelo Nazismo, as nações do mundo decidiram que a promoção de direitos humanos e liberdades fundamentais deveria ser um dos principais propósitos da Organização das Nações Unidas (BILDER apud PIOVESAN, 2013, p. 66).

No tocante às diferenças culturais existentes, Lucas (2009, p. 39-40) afirma:

Sem dúvida os vínculos de pertença desempenham um papel fundamental na conformação da identidade e das visões de mundo que dão sentido à vida dos integrantes de uma dada comunidade política, religiosa ou cultural. O fechamento das comunidades em torno de suas particularidades tradicionais, no entanto, e dos Estados em torno de suas soberanias, além de reforçar suas especificidades e aumentar o isolamento, dificulta a definição de pontos de convergência, de leituras interculturais que permitem as aproximações indispensáveis ao encontro das similitudes entre os “eus” diferentes, entre as distintas maneiras de manifestação de uma mesma humanidade.

Com efeito, ao passo em que os direitos humanos se estabelecem como uma questão de importância internacional, não mais se restringem a competência nacional exclusiva, de modo que surgem padrões universais no que se refere ao agir estatal na consecução ao respeito destes direitos. Estabelece-se, então, o movimento denominado Direito Internacional dos Direitos Humanos.

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1.1 Os primeiros movimentos do processo de internacionalização

O Direito Internacional dos Direitos Humanos se origina na intenção de proteger a significativa dignidade humana, eis que concebida como fundamento destes direitos. Para tanto, fora preciso atribuir nova definição àquilo que se entendia por soberania estatal, fragilizando a ideia de soberania nacional absoluta, permitindo interferências no âmbito estatal, em benefício do resguardo dos direitos humanos, haja vista que só assim os direitos humanos se tornariam uma questão de alcance internacional.

O processo de internacionalização dos direitos humanos teve como eventos propulsores o Direito Humanitário, a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho. Por Direito Humanitário entende-se ser aquele direito utilizado em situações de guerra, que objetiva delimitar o agir estatal e garantir o cuidado aos direitos fundamentais. A proteção humanitária possui intenção de abrigar militares retirados do combate, seja por motivo de ferimento, doença, em caso de naufrágio, bem como prisioneiros e também se volta a proteção dos civis. Trata-se da normatização do uso da violência em nível internacional, que surge como primeira expressão da imposição de restrições ao uso da liberdade dos Estados. Já a Liga das Nações, também com o objetivo flexibilizar a soberania estatal, teve seu surgimento depois da Primeira Guerra Mundial. Almejava, outrossim, incentivar a paz, cooperação e segurança internacional, ao passo em que penalizava agressões externas que abalavam a integridade territorial, bem como a independência política de seus membros.

Nesse passo, elucida Piovesan (2013, p. 189):

A Convenção da Liga das Nações, de 1920, continha previsões genéricas relativas aos direitos humanos, destacando-se as voltadas ao mandate system of the League, ao sistema das minorias e aos parâmetros internacionais do direito ao trabalho — pelo qual os Estados se comprometiam a assegurar condições justas e dignas de trabalho para homens, mulheres e crianças. Esses dispositivos representavam um limite à concepção de soberania estatal absoluta, na medida em que a Convenção da Liga estabelecia sanções econômicas e militares a serem impostas pela comunidade internacional contra os Estados que violassem suas obrigações. Redefinia-se, desse modo, a noção de soberania absoluta do Estado,

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que passava a incorporar em seu conceito compromissos e obrigações de alcance internacional no que diz respeito aos direitos humanos.

Contribuindo no processo de internacionalização dos direitos humanos, a Organização Internacional do Trabalho, que objetivava a promoção de um ideal internacional de condições de labor e também bem estar, foi criada após a I Guerra Mundial. Passados sessenta anos de sua criação já possuía uma centena de Convenções internacionais promulgadas, às quais os Estados-membros passavam a aderir, comprometendo-se assegurar um padrão justo e digno nas condições de trabalho (PIOVESAN, 2013, p. 189).

Relativamente aos três marcos iniciais do processo de internacionalização dos direitos humanos, Piovesan (2013, p. 190) ressalta:

Vale dizer, o advento da Organização Internacional do Trabalho, da Liga das Nações e do Direito Humanitário registra o fim de uma época em que o Direito Internacional era, salvo raras exceções, confinado a regular relações entre Estados, no âmbito estritamente governamental. Por meio desses institutos, não mais se visava proteger arranjos e concessões recíprocas entre os Estados; visava-se, sim, o alcance de obrigações internacionais a serem garantidas ou implementadas coletivamente, que, por sua natureza, transcendiam os interesses exclusivos dos Estados contratantes. Essas obrigações internacionais voltavam-se à salvaguarda dos direitos do ser humano e não das prerrogativas dos Estados. Tais institutos rompem, assim, com o conceito tradicional que situava o Direito Internacional apenas como a lei da comunidade internacional dos Estados e que sustentava ser o Estado o único sujeito de Direito Internacional. Rompem ainda com a noção de soberania nacional absoluta, na medida em que admitem intervenções no plano nacional, em prol da proteção dos direitos humanos.

É neste cenário que se percebe a nítida transição da forma pela qual o Estado cuidava de sua população, pois não mais se delimitava ao seu domínio, que por sua vez emergia da própria soberania, autonomia e liberdade que detinha. Passa-se, então, ao entendimento de que as pessoas figuram como sujeitos de direito internacional. Inicia-se, em marcha lenta, a capacidade processual internacional dos indivíduos e a concepção de que os direitos humanos passou a não mais ser restrita à jurisdição doméstica.

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1.2 A II Guerra Mundial e a Declaração Universal dos Direitos do Homem

Em que pese já existentes movimentos que deram início ao debate e inseriram os direitos humanos como assunto de pauta global, sua materialização ocorreu de fato devido às atrocidades realizadas durante a Segunda Guerra Mundial, que aniquilou direitos fundamentais. O período nazista relacionava como detentores de direitos tão somente aqueles pertencentes à raça ariana, ou seja, ignorava o respeito aos demais indivíduos. Quanto a esse ponto, leciona Piovesan (2013, p. 191):

No momento em que os seres humanos se tornam supérfluos e descartáveis, no momento em que vige a lógica da destruição, em que cruelmente se abole o valor da pessoa humana, torna-se necessária a reconstrução dos direitos humanos, como paradigma ético capaz de restaurar a lógica do razoável. A barbárie do totalitarismo significou a ruptura do paradigma dos direitos humanos, por meio da negação do valor da pessoa humana como valor fonte do direito. Diante dessa ruptura, emerge a necessidade de reconstruir os direitos humanos, como referencial e paradigma ético que aproxime o direito da moral. Nesse cenário, o maior direito passa a ser, adotando a terminologia de Hannah Arendt, o direito a ter direitos, ou seja, o direito a ser sujeito de direitos.

No intento de superar essa era de inobservância, buscou-se a reconstrução desses direitos “como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional contemporânea. Se a Segunda Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o pós-guerra deveria significar sua reconstrução” (PIOVESAN, 2013, p. 192).

Considerando que o entendimento passou a ser de que os direitos humanos interessavam à comunidade global, de modo a ser superada a ideia de que se restringiam aos Estados, emanou-se a carência de normas que pudessem dar efetividade à proteção destes direitos, haja vista que somente assim seria possível a responsabilização dos Estados internacionalmente quando apurado que teriam eles agido de modo a permitir a violação dos direitos humanos. Nessa trilha, foi incitado o processo de internacionalização dos direitos humanos de modo mais concreto do que a forma rudimentar inicialmente debatida com o advento do Direito Humanitário da Liga das Nações e da Organização Internacional do Trabalho.

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Outro grande marco histórico que se destaca nessa árdua busca por um sistema internacional de proteção aos direitos humanos consubstancia-se na Declaração Universal dos Direitos do Homem do ano de 1948, que

Compreende um conjunto de direitos e faculdades sem as quais um ser humano não pode desenvolver sua personalidade física, moral e intelectual. Sua segunda característica é a universalidade: é aplicável a todas as pessoas de todos os países, raças, religiões e sexos, seja qual for o regime político dos territórios nos quais incide. [...] a comunidade internacional reconheceu que o indivíduo é membro direto da sociedade humana, na condição de sujeito direto do Direito das Gentes. Naturalmente, é cidadão de seu país, mas também é cidadão do mundo, pelo fato mesmo da proteção internacional que lhe é assegurada. [...] os povos começaram a ter consciência de que o conjunto da comunidade humana se interessava pelo seu destino. (CASSIN apud PIOVESAN, 2013, p. 204-205).

A Declaração visa estabelecer um entendimento mundial no que toca aos valores básicos do indivíduo, em outras palavras, o reconhecimento dos direitos humanos e das liberdades fundamentais internacionalmente. Assim, verifica-se que o indivíduo já é compreendido como possuidor de direitos iguais e inalienáveis, independente de quaisquer condições, como raça, por exemplo.

Os direitos elencados na Declaração de 1948 foram divididos em direitos civis e políticos e direitos econômicos, sociais e culturais. Vale ressaltar que a Declaração Universal dos Direitos do Homem não se classifica como um tratado, mas sim como uma resolução que não possui força de lei. Todavia, quanto a esse quesito, há bastante discussão, prevalecendo o entendimento de que

[...] ainda que não assuma a forma de tratado internacional, apresenta força jurídica obrigatória e vinculante, na medida em que constitui a interpretação autorizada da expressão “direitos humanos” constante dos arts. 1º e 55 da Carta das Nações Unidas. Ressalte-se que, à luz da Carta, os Estados assumem o compromisso de assegurar o respeito universal e efetivo aos direitos humanos. Ademais, a natureza jurídica vinculante da Declaração Universal é reforçada pelo fato de — na qualidade de um dos mais influentes instrumentos jurídicos e políticos do século XX — ter-se transformado, ao longo dos mais de cinquenta anos de sua adoção, em direito costumeiro internacional e princípio geral do Direito Internacional. Com efeito, a Declaração se impõe como um código de atuação e de conduta para os Estados integrantes da comunidade internacional (PIOVESAN, 2013, p. 210).

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Com efeito, é notória a influência da Declaração Universal dos Direitos do Homem, uma vez que seus fundamentos são adotados pelas Constituições nacionais, bem assim para balizar decisões judiciais restritas ao âmbito estatal. Outrossim, tem sido de grande valia internacionalmente na medida em que orienta a formulação de instrumentos que se destinam à salvaguarda dos direitos humanos e que direcionam as resoluções das Nações Unidas.

1.3 Os dois grandes pactos complementares da Declaração Universal

Consagrar direitos universais implica superar as barreiras delineadas pela diversidade cultural existente, a fim de precisar o alcance das normas de direitos humanos. Tal questão é objeto de debate entre os seguidores do movimento do relativismo cultural e os do movimento universalista, pois relativiza a concepção de soberania estatal e jurisdição doméstica na medida em que traça um paradigma internacional básico no que diz respeito à guarida dos direitos humanos, cabendo aos Estados promover sua adequação. Nesse ponto, questiona-se a abrangência das normas atinentes aos direitos humanos, ou seja, se possuem elas alcance universal ou se são relativizadas pelas respectivas culturas.

Entendem os relativistas que o direito se relaciona de forma estrita com o sistema político, econômico, cultural, social e moral vigente em determinada sociedade. Dessa forma, acrescenta Piovesan (2013, p. 211) que

[...] cada cultura possui seu próprio discurso acerca dos direitos fundamentais, que está relacionado às específicas circunstâncias culturais e históricas de cada sociedade. Nesse sentido, acreditam os relativistas, o pluralismo cultural impede a formação de uma moral universal, tornando-se necessário que se respeitem as diferenças culturais apresentadas por cada sociedade, bem como seu peculiar sistema moral. A título de exemplo, bastaria citar as diferenças de padrões orais e culturais entre o islamismo e o hinduísmo e o mundo ocidental, no que tange ao movimento de direitos humanos. Como ilustração, caberia mencionar a adoção da prática da clitorectomia e da mutilação feminina por muitas sociedades da cultura não ocidental.

Para os relativistas vige a ideia do coletivo, sendo o indivíduo parte de um todo, uma coletividade; que a concepção de moral é relativa para cada grupo social,

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de modo a inexistir uma moral comum a todos, haja vista que ela se adequa ao contexto social no qual o indivíduo está inserido.

Por outro lado, os adeptos à teoria universalista entendem que existem direitos mínimos que devem ser respeitados, que são inerentes aos indivíduos, sendo valores que advém da condição humana. Por esse motivo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem é absolutamente abrangente na medida em que se vale de expressões como “todas as pessoas” e “ninguém”, não fazendo distinções de qualquer natureza.

Nessa linha, defende Piovesan (2013, p. 212):

[...] ainda que a prerrogativa de exercer a própria cultura seja um direito fundamental (inclusive previsto na Declaração Universal), nenhuma concessão é feita às “peculiaridades culturais” quando houver risco de violação a direitos humanos fundamentais. Isto é, para os universalistas o fundamento dos direitos humanos é a dignidade humana, como valor intrínseco à própria condição humana. Nesse sentido, qualquer afronta ao chamado “mínimo ético irredutível” que comprometa a dignidade humana, ainda que em nome da cultura, importará em violação a direitos humanos.

Ante o acima exposto, resta evidente que a Declaração Universal dos Direitos do Homem possui natureza universalista, pois entendem que a cultura, muito embora consista em um direito fundamental, não pode se sobrepor irracionalmente ao direito que seu nacional possui à dignidade, devendo o Estado responder por eventuais afrontas cometidas.

1.4 A Declaração de Viena de 1993

O debate existente entre os universalistas e os relativistas também foi alvo de análise da Declaração de Viena no ano de 1993, na oportunidade em que asseverou em seu § 5º:

Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente, de maneira justa e equânime, com os mesmos parâmetros e com a mesma ênfase. As particularidades nacionais e regionais e bases históricas, culturais e

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religiosas devem ser consideradas, mas é obrigação dos Estados, independentemente de seu sistema político, econômico e cultural, promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais.

Entende-se que a pluralidade de culturas existentes no mundo contribui positivamente para a universalidade e que dela não se pode usar para desrespeitar qualquer direito humano, posto que superior aos particularismos. Ademais, a Declaração foi objeto de votação, para além de ser consensual, adotada pelos Estados por livre iniciativa.

Para Boaventura de Souza Santos, citado por Piovesan (2013, p. 214):

Os direitos humanos têm que ser reconceptualizados como multiculturais. O multiculturalismo, tal como eu o entendo, é precondição de uma relação equilibrada e mutuamente potenciadora entre a competência global e a legitimidade local, que constituem os dois atributos de uma política contra-hegemônica de direitos humanos no nosso tempo.

A fervorosa discussão atinente ao universalismo e relativismo cultural pode ser vencida por intermédio da transformação cosmopolita dos direitos humanos, pois, considerando que cada cultura carrega uma interpretação de dignidade humana, sendo incompletas, pertinente é que sejam compreendidas tais lacunas como pressuposto para um diálogo intercultural, que contribuiria para a concepção multicultural dos direitos humanos.

Na mesma linha de pensamento, Bhikhu Parekh, referenciado por Piovesan (2013, p. 215), aposta em um universalismo pluralista, não etnocêntrico, consubstanciado na conversação entre as culturas, almejando “um catálogo de valores que tenha a concordância de todos os participantes. A preocupação não deve ser descobrir valores, eis que os mesmos não têm fundamento objetivo, mas sim buscar um consenso em torno deles”.

Também nesse sentindo, depreende-se que a existência do debate saudável entre as diversas culturas, pautado no respeito e reconhecimento daquilo que é alheio à cultura doméstica, atende ao que fora anteriormente referido e observa ao

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mínimo ético irredutível, bem como se estabelece como único modo de legitimar uma concepção interestatal de direitos humanos.

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2. OS SISTEMAS REGIONAIS E O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (que traça os direitos humanos básicos), adotada pela ONU, estabeleceu uma nova consciência mundial sobre a relevância dos direitos humanos de modo a fazer prosperar cada vez mais o Direito Internacional dos Direitos Humanos por intermédio da inclusão de tratados internacionais direcionados à salvaguarda desses direitos fundamentais.

Institui-se, a partir de então, o sistema normativo global de proteção aos direitos humanos no domínio das Nações Unidas. Tal sistema forma-se por instrumentos de abrangência geral, bem como específicos. Daqueles, compreendem-se os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, os quais são direcionados a todos sem quaisquer distinções. Para Piovesan (2013, p. 261) “[...] no âmbito do sistema geral de Proteção [...] o endereçado é toda e qualquer pessoa, genericamente concebida. No âmbito do sistema geral, o sujeito de direito é visto em sua abstração e generalidade.” Os instrumentos específicos, por sua vez, abrangem as Convenções Internacionais que fazem frente às determinadas transgressões de direitos humanos, tais como a discriminação racial, cultural e de gênero, desrespeito aos direitos das crianças, tortura, etc. Logo, dessume-se que estão voltados a grupos delimitados. Quanto ao sistema especial de proteção dos direitos humanos, Piovesan (2013, p. 261) destaca que ele

[...] realça o processo de especificação do sujeito de direito, em que este é visto em sua especificidade e concretude. Isto é, as Convenções que integram esse sistema são endereçadas a determinado sujeito de direito, ou seja, buscam responder a uma específica violação de direito.

Relativamente às diversidades e a necessidade da existência um aparato protetivo, Piovesan (2013, p. 261) complementa:

Na esfera internacional, se uma primeira vertente de instrumentos internacionais nasce com a vocação de proporcionar uma proteção geral, genérica e abstrata, refletindo o próprio temor da diferença (que na era Hitler foi justificativa para o extermínio e a destruição), percebe-se, posteriormente, a necessidade de conferir a

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determinados grupos uma tutela especial e particularizada, em face de sua própria vulnerabilidade. Isso significa que a diferença não mais seria utilizada para a aniquilação de direitos, mas, ao revés, para a promoção de direitos.

Dessa forma, verifica-se que o sistema global se vale da existência de dois sistemas simultâneos que se somam, de modo que um complementa o outro. No presente capítulo, busca-se um aprofundamento da temática dos sistemas regionais de direitos humanos, mormente o Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

2.1 A formação dos sistemas regionais de direitos humanos

Paralelamente ao sistema normativo global de proteção aos direitos humanos, emerge o chamado sistema normativo regional de proteção aos direitos humanos, em especial na Europa, América e África, posto que os principais hodiernamente. Importa frisar que, de acordo com Steiner (1977), citado por Piovesan (2013, p. 339-340) em que pese o Capítulo VIII da Carta da ONU disserte a respeito de acordos regionais que busquem a paz e a segurança internacional, nada menciona com relação a necessária cooperação que os Estados devem possuir para a promoção dos direitos humanos. E segue mencionando que:

Todavia, o Conselho da Europa, já em 1950, adotava a Convenção Europeia de Direitos Humanos. Em 1969, a Convenção Americana era adotada. (...) Em 1977, as Nações Unidas formalmente endossaram uma nova concepção, encorajando ‘os Estados, em áreas em que acordos regionais de direitos humanos ainda não existissem, a considerar a possibilidade de firmar tais acordos, com vista a estabelecer em sua respectiva região um sólido aparato regional para a promoção e proteção dos direitos humanos

Com efeito, passam a coexistir os sistemas global e regional, sendo o primeiro integrado pelos instrumentos das Nações Unidas, ao passo em que o segundo é constituído pelos sistemas americano, europeu e africano, como anteriormente asseverado. Christof Heyns e Frans Viljoen, citados por Piovesan (2013, p. 340), refletem:

Enquanto o sistema global de proteção dos direitos humanos geralmente sofre com a ausência de uma capacidade sancionatória que têm os sistemas nacionais, os sistemas regionais de proteção dos direitos humanos apresentam vantagens comparativamente ao

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sistema da ONU: podem refletir com maior autenticidade as peculiaridades e os valores históricos de povos de uma determinada região, resultando em uma aceitação mais espontânea e, devido à aproximação geográfica dos Estados envolvidos, os sistemas regionais têm a potencialidade de exercer fortes pressões em face de Estados vizinhos, em casos de violações. (...) Um efetivo sistema regional pode consequentemente complementar o sistema global em diversas formas

Da mesma forma em que se constitui o sistema global, os sistemas regionais também possuem seus aparatos jurídicos particulares, a saber: o sistema americano conta com a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), a qual instaurou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, bem assim a Corte Interamericana de Direitos Humanos; o Sistema Europeu, por sua vez, possui a Comissão Europeia de Direitos Humanos (1950), que instituiu a Corte Europeia de Direitos Humanos, ao passo em que o Sistema Africano se vale da Carta Africana de Direitos Humanos do ano de 1981, a partir da qual foi erigida a Comissão Africana de Direitos Humanos.

Assevera Piovesan (2013, p. 341):

Note-se que, dos três sistemas regionais, o europeu é o mais antigo e o mais avançado. Ele estabeleceu mecanismo judicial compulsório para apreciar as comunicações individuais, por meio da jurisdição da Corte Europeia de Direitos Humanos (com o Protocolo n. 11, em vigor desde novembro de 1998), que tem apresentado grande êxito na implementação de suas decisões. O sistema mais incipiente é o africano, já que a África revela ainda uma história recente de regimes opressivos e de graves violações aos direitos humanos.

Os sistemas regionais possuem grande relevância devido à percepção da diferença cultural existente, bem assim a disparidade de direitos. Verificam no próprio local a real situação vivenciada e as necessidades dela decorrentes de modo a buscar solução mais apropriada e consequentemente mais efetiva, pois atenta com exclusividade para as particularidades inerentes de cada região, o que é impraticável mediante os instrumentos de abrangência geral utilizados pela ONU.

A existência de sistemas regionais de proteção aos direitos humanos é, ainda, de extrema conveniência, pois:

na medida em que um número menor de Estados está envolvido, o consenso político se torna mais facilitado, seja com relação aos

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textos convencionais, seja quanto aos mecanismos de monitoramento. Muitas regiões são ainda relativamente homogêneas, com respeito à cultura, à língua e às tradições, o que oferece vantagens. (SMITH apud PIOVESAN, 2013, p. 340)

No tocante à coexistência de ambos os sistemas, a nível global e regional, Piovesan transcreve um trecho do parecer emitido pela Comission to Study the Organization of Peace (2000, p. 23-24):

Pode ser afirmado que o sistema global e o sistema regional para a promoção e proteção dos direitos humanos não são necessariamente incompatíveis; pelo contrário, são ambos úteis e complementares. As duas sistemáticas podem ser reconciliáveis em uma base funcional: o conteúdo normativo de ambos os instrumentos internacionais, tanto o global como o regional, devem ser similares em princípio, refletindo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que é proclamada por um código comum a ser alcançado por todos os povos e as Nações enquanto que o instrumento regional deve ir além, adicionando novos direitos, aperfeiçoando outros, levando em consideração as diferenças peculiares em uma mesma região ou entre uma região e outra.

Assim, vê-se claramente que a coexistência dos sistemas é bastante benéfica porquanto são suplementares, tornando mais forte o aparato internacional de proteção aos direitos humanos, cabendo ao indivíduo que teve seu direito maculado a busca do instrumento que entenda que melhor lhe favorece, haja vista que ambos podem tratar das mesmas matérias e que são orientados pela Declaração Universal. Esse, aliás, é o intento da existência de forma simultânea de dois aparatos que promovam a mesma proteção, ou seja, maximizar o benefício dos indivíduos.

2.2 O Sistema Interamericano de Direitos Humanos

O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos é um dos sistemas regionais de proteção a direitos, ao lado do Sistema Europeu e Africano, coexistindo, outrossim, com o sistema global ou universal de direitos humanos da Organização das Nações Unidas, como já explanado.

Importante ressaltar que o Sistema Interamericano está vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA), porquanto por ele desenvolvido. Assim sendo, necessário se faz uma breve abordagem acerca da OEA.

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Com efeito, o cenário de destruição consolidado no período pós-guerra implicou nos Estados intensificação do anseio por fortalecimento, que seria alcançado mediante reestruturação e desenvolvimento destes países afetados. A consciência vigente à época era de que tal objetivo poderia ser mais facilmente alcançado se enrijecidas as relações entre Estados que possuíssem semelhanças políticas, culturais e econômicas, sobretudo necessidades afins.

Assim, as Organizações Internacionais passaram a ser vistas como o meio adequado para a persecução e alcance dos interesses partilhados por determinados Estados, pois, por intermédio dela, os Estados cooperam entrei si em questões econômicas, políticas e culturais, promovendo seu desenvolvimento. Nesse contexto, originou-se a OEA no ano de 1948 em Bogotá, na Colômbia, com a proposta inicial de promover a pacificação e a segurança dos americanos, bem como a busca de resoluções diplomáticas dos conflitos e agir de forma unida em situações de ataques.

Arrighi (2004) ensina que os objetivos da OEA são bastante amplos, pois encobrem aspectos políticos, jurídicos, sociais, econômicos e culturais, a respeito da segurança, proteção do indivíduo e desenvolvimento. Nessa trilha, a carta constitutiva da OEA, Carta das Nações Unidas, em seu o art. 2º, enumera os princípios que seguem:

1. A Organização é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros;

2. Os membros da Organização, a fim de assegurarem a todos em geral os direitos e vantagens resultantes da sua qualidade de membros, deverão cumprir de boa fé as obrigações por eles assumidas em conformidade com a presente Carta;

3. Os membros da Organização deverão resolver as suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo a que a paz e a segurança internacionais, bem como a justiça, não sejam ameaçadas;

4. Os membros deverão abster-se nas suas relações internacionais de recorrer à ameaça ou ao uso da força, quer seja contra a integridade territorial ou a independência política de um Estado, quer seja de qualquer outro modo incompatível com os objectivos das Nações Unidas;

5. Os membros da Organização dar-lhe-ão toda a assistência em qualquer acção que ela empreender em conformidade com a presente Carta e abster-se-ão de dar assistência a qualquer Estado contra o qual ela agir de modo preventivo ou coercitivo;

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6. A Organização fará com que os Estados que não são membros das Nações Unidas ajam de acordo com esses princípios em tudo quanto for necessário à manutenção da paz e da segurança internacionais;

7. Nenhuma disposição da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervir em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição interna de qualquer Estado, ou obrigará os membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas constantes do capítulo VII.

Com o transcorrer do tempo, os Estados Americanos passaram a desenvolver o Sistema Interamericano mediante a ratificação de declarações, resoluções e modificações em seus estatutos. Assim, no ano de 1948 foi aderida a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Transcorrida mais de uma década, criou-se a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que em 1970 passou a ser um dos órgãos mais relevantes da OEA, afinal, no ano antecedente, os Estados Americanos teriam, em São José, capital da Costa Rica, legitimado a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que produziu a Corte Interamericana de Direitos Humanos, sendo estas últimas as instituições assecuratórias dos direitos humanos no âmbito do Sistema Interamericano.

2.3 Os órgãos componentes do Sistema Interamericano de Direitos Humanos

O sistema interamericano de direitos humanos se vale da Convenção Americana de Direitos Humanos, também chamada de Pacto de San José da Costa Rica, haja vista que lá foi firmada no ano de 1969. Cuida-se de um tratado internacional que apenas pode ser aderido por aqueles países integrantes da Organização dos Estados Americanos, sendo que o Brasil passou a aderi-la apenas em 1992. Importante ressaltar que hodiernamente todos os países do continente Americano fazem parte da OEA, todavia, nem todos são signatários da Convenção Americana de Direitos Humanos. De acordo com as informações disponibilizadas pelo site oficial da CIDH, os únicos países que não reconhecem a Convenção são: Antígua e Barbuda, Bahamas, Belize, Canadá, Estados Unidos, Guiana, Saint Kitts e Nevis, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas.

Quanto ao Brasil, o site salienta que: “os artigos 43 e 48, d, não incluem o direito automático de visitas e investigações in loco da Comissão Interamericana de

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Direitos Humanos, que dependerão da anuência expressa do Estado.” E segue ao mencionar que

O Governo da República Federativa do Brasil declara que reconhece, por tempo indeterminado, como obrigatória e de pleno direito a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em todos os casos relacionados com a interpretação ou aplicação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em conformidade com o artigo 62, sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a esta declaração.

A Convenção estabeleceu uma gama de direitos civis e políticos, dentre os quais, o direito à personalidade jurídica, o direito à vida, o direito à integridade pessoal, a proibição da escravidão e da servidão, direito à liberdade pessoal, garantias judiciais, direito à indenização, proteção da honra e dignidade, direitos da criança, direito à propriedade privada, direitos políticos, igualdade perante à lei. No tocante aos direitos econômicos, sociais e culturais, a Convenção estabeleceu que devem os Estados promovê-los por intermédio das providências que se revelarem aptas, não se restringindo à criação legislativa. Anos mais tarde, a Assembleia Geral da OEA aderiu ao Protocolo de San Salvador, que deliberou a respeito dos direitos econômicos, sociais e culturais não enunciados notadamente na Convenção.

A Convenção Americana de Direitos Humanos, outrossim, possui instrumentos para fiscalização e realização dos direitos nela contidos, quais sejam: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. No presente capítulo, abordar-se-á com maior detalhamento a CIDH, uma vez que o capítulo subsequente se refere à Comissão.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos é um órgão jurisdicional formado por sete juízes nacionais dos Estados-membros da OEA, ou seja, não é necessário que façam parte da Convenção. O art. 52 da Convenção acrescenta ainda que os sete juízes são eleitos a título pessoal dentre os juristas da mais alta autoridade moral, de reconhecida competência em matéria de direitos humanos e que devem reunir as condições exigidas para exercer uma das mais elevadas funções judiciais, em consonância à lei do Estado do qual sejam nacionais ou daquele que os propuser como candidatos. Registre-se, outrossim, que não se permite mais de dois

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juízes da mesma nacionalidade compondo a Corte e que a duração dos mandatos é de seis anos, havendo previsão de tão somente uma reeleição.

No tocante à competência e às funções desempenhadas pela Corte, apresenta-se tanto como órgão de resolução de contendas e como um órgão consultivo. Quiroga e Rojas (2007, p. 52), mencionando que a Corte possui funções distintas, explicam que uma das funções “es la de resolver los casos contenciosos sobre una presunta violación a la Convención por parte de un Estado parte, y la otra, la de emitir opiniones consultivas en los casos señalados em el artículo 64 de la Convención.”

Consultiva nas questões abarcadas pela Convenção Americana e demais tratados voltados à proteção dos direitos humanos no âmbito das américas. Quanto à atribuição jurisdicional “para resolver las controversias que se le planteen respecto a la interpretación o aplicación de la própria Convención Americana. ” (FIX-ZAMUDIO apud PIOVESAN, 2000, p. 43).

Importante salientar que todos os Estados-parte da OEA, em que pese não sejam parte da Convenção, têm prerrogativa de postular o parecer da Corte no que se refere às questões de compreensão da Convenção ou de tratado diverso que verse a respeito da salvaguarda dos direitos humanos no território americano. De acordo com Piovesan, “a Corte ainda pode opinar sobre a compatibilidade de preceitos da legislação doméstica em face dos instrumentos internacionais. ” (2000, p. 44).

Estabelece o art. 61 da Convenção que somente os Estados Partes que reconheçam manifestamente e a Comissão Interamericana têm direito de submeter qualquer caso que seja à decisão da Corte. Em outras palavras, a submissão é limitada, não podendo o indivíduo buscar a Corte de modo particular, por ausência de legitimidade para tanto.

A decisão da Corte, por sua vez, possui força jurídica e obrigatória, devendo o Estado cumpri-la de imediato, isto, como já explicitado, se o Estado em comento houver reconhecido a jurisdição da Corte, pois, de acordo com Piovesan (2000, p. 45):

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“tal jurisdição é apresentada sob a forma de cláusula facultativa. ” O Brasil passou a reconhecer a jurisdição da Corte no ano de 1998.

Verifica-se, portanto, que o Sistema Interamericano de Direitos Humanos está cada vez mais forte e influente, haja vista que possui meios adequados e eficazes para promover e proteger os direitos humanos quando os Estados, mediante suas instituições, não o fizerem ou desempenharem a função de forma insuficiente.

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3 A COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS E O ACESSO DO INDIVÍDUO

O entendimento global a respeito dos direitos humanos se modificou nesses anos de tal forma que passaram a ser entendidos como universais. Diante disso, Trindade (2006, p. 111) manifesta que:

Já não se sustentam o monopólio estatal da titularidade de direitos nem os excessos de um positivismo jurídico degenerado, que excluíram do ordenamento jurídico internacional o destinatário final das normas jurídicas: o ser humano. Reconhece-se hoje a necessidade de restituir a este último a posição central – como

sujeito do direito tanto interno como internacional – de onde foi

indevidamente alijado [...].

Acrescenta ainda, sobre a consciência de direitos humanos universais e a evolução do direito internacional:

As sucessivas atrocidades e abusos que nas últimas décadas têm vitimado milhões de seres humanos em todas partes têm em definitivo despertado a consciência jurídica universal (como fonte material última de todo o Direito) para a premente necessidade de reconceitualizar as próprias bases do direito internacional. Este último não se reduz, em absoluto, a um instrumental a serviço do poder; seu destinatário final é o ser humano, devendo atender a suas necessidades básicas, entre as quais se destaca a realização da justiça. A emancipação da pessoa humana vis-à-vis o próprio Estado avança lentamente, mas avança. Os avanços do ordenamento jurídico internacional correspondem à ascensão da consciência humana orientada à necessidade da realização do bem comum e da justiça. (TRINDADE 2006, p. 27).

Relativamente ao reconhecimento dos direitos humanos “deve corresponder a capacidade processual de vindicá-los ou exercê-los, igualmente no plano internacional” (TRINDADE, 2006, p. 116).

Como visto no capítulo anterior, a Corte Interamericana, órgão jurisdicional do Sistema Interamericano, não pode ser acessada pelo indivíduo, somente os Estados-partes que tenham reconhecido de maneira expressa a Comissão Interamericana.

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No presente capítulo, objetiva-se a enumeração das funções desemprenhadas pela Comissão, mormente no que se refere ao recebimento de petições individuais, suas condições de admissibilidade, processamento e caso concreto.

3.1 A Comissão Interamericana e suas funções

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, inserida no sistema da OEA como órgão principal em 1967, abrange “todos os Estados-partes da Convenção Americana, em relação aos direitos humanos nela consagrados”, bem como encobre os “[...] Estados membros da Organização dos Estados Americanos, em relação aos direitos consagrados na Declaração Americana de 1948” (PIOVESAN, 2013, p. 345).

No tocante à estrutura da Comissão, Quiroga e Rojas destacam:

La Comisión Interamericana de Derechos Humanos se compone de siete miembros, que deberán ser “personas de alta autoridad moral y reconocida versación en materia de derechos humanos”. Los miembros de la Comisión son elegidos por la Asamblea General de la OEA de una lista de candidatos propuesta por los gobiernos de todos los Estados miembros. Cada gobierno puede proponer hasta tres candidatos que pueden ser nacionales de cualquier Estado miembro de la OEA. En esta terna, por lo menos un candidato debe ser nacional de un Estado que no sea el que lo propone. No pueden ser membros de la Comisión dos personas de la misma nacionalidad durante el mismo mandato. Los miembros de la Comisión son elegidos por un período de cuatro años y pueden ser reelectos sólo una vez. (2007, p. 48)

Almejando a manutenção da imparcialidade, Ramos (2012, p. 197) ressalta que aos membros da Comissão é vedada a participação na discussão, investigação, deliberação ou decisão de caso submetido à análise da Comissão, quando cidadãos do Estado alvo da análise, ou se estiverem credenciados ou cumprindo missão como diplomatas frente a este Estado e que tal providência é fundamental para resguardar a imagem da Comissão, haja vista que não deixa margem para desconfianças acerca das razões do voto do Comissário nas situações em que seu país está envolvido.

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A Comissão tem como objetivo zelar, pelo prisma jurídico, pela promoção e garantia dos direitos humanos na América (RAMOS, 2012, p.197). Para que este desiderato seja alcançado pode a Comissão proporcionar capacitação técnica aos Estados-membros, bem assim visitas in loco e acolher petições pessoais ou de grupos de indivíduos que revelem, em tese, transgressões de direitos humanos constantes na Convenção. Ademais, nos dizeres de Piovesan (2000, p. 34):

[...] cabe à Comissão: fazer recomendações aos governos dos Estados-partes, prevendo a adoção de medidas adequadas à proteção destes direitos; preparar estudos e relatórios que se mostrem necessários; requisitar aos governos informações relativas às medidas por eles adotadas concernentes à efetiva aplicação da Convenção; submeter um relatório anual à Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos.

Na mesma senda, acrescentam Salazar e Cerqueira (2015, p.159):

La consolidación de los enfoques especializados ha permitido a la CIDH identificar, estudiar y emitir recomendaciones en los principales temas que conforman la agenda regional de derechos humanos. Los enfoques temáticos de sus Relatorías también han sido de gran importancia para impulsar temas que si bien permanecían invisibles en las políticas públicas de los países de la región, afectaban a una variedad de derechos fundamentales de millones de americanos y americanas.

Com efeito, as funções da Comissão são amplas e não se restringem às anteriormente mencionadas. Pode a Comissão agir como conciliadora na relação entre um Governo e grupos sociais que tenham os direitos de seus membros desrespeitados; pode exercer assessoria aos Governos, aconselhando-os a assumir posturas/colocar em prática medidas que promovam os direitos humanos; possui, outrossim, a prerrogativa de ser crítica, uma vez que pode informar um caso referente aos direitos humanos em um Estado membro da OEA, após saber sobre os argumentos e observações do Governo interessado, nas situações em que as violações perpetuarem; atua como legitimadora, em situações em que o um Governo, devido ao resultado do informe da Comissão acerca de uma visita ou de um exame, entende pertinente a reparação das falhas de seus processos internos e reparar as violações; também assume a função promotora, quando realiza estudos acerca de conteúdos que versem sobre direitos humanos objetivando estimular o respeito e, por fim, assume a característica protetora nos casos em que solicita a

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um Governo, em face do qual exista uma queixa, a suspenção dos atos e esclarecimento dos mesmos (PIOVESAN, 2013 p. 345-346).

Uma das atuações de maior relevância da Comissão reside em sua capacidade de averiguar as comunicações feitas por indivíduos ou grupo de indivíduos, bem como por entidades não governamentais, que revelem transgressões de qualquer direito contido na Convenção cometido por algum de seus Estados membros. Calha relembrar que, a partir do momento em que um Estado se torna membro da Convenção anui “automática e obrigatoriamente a competência da Comissão para examinar essas comunicações, não sendo necessário elaborar declaração expressa e específica para tal fim” (PIOVESAN, 2013, p. 346).

O acesso à justiça, de acordo com Bedin (2004, p. 202), é reconhecido pelas Organizações Internacionais de forma unânime como um dos direitos humanos mais importantes, sendo, outrossim, um dos instrumentos vitais das sociedades democráticas. Daí por que a importância de todo o aparato até então mencionado de garantia dos direitos.

3.2 As condições de admissibilidade de uma ação individual

A submissão de um caso ao apreço da Comissão não depende unicamente da representação por parte de um Estado, indivíduo ou grupos de indivíduos. Devem, contudo, preencher alguns requisitos, tal como também ocorre no ordenamento jurídico interno brasileiro.

Para que uma ação seja admitida pela Comissão, faz-se necessário que tenham sido esgotados todos os recursos internos, com exceção dos casos em que a demora processual não for justificável ou quando a legislação do Estado não prover o devido processo legal (PIOVESAN, 2013, p. 346). Sobre a dispensa do prévio esgotamento dos recursos internos, Ramos (2012, p.210) transcreve seis situações estipuladas de forma expressa na Convenção, quais sejam: 1) inexistência do devido processo legal para a proteção do direito desrespeitado; 2) não ter sido possibilitado à vítima o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou, ainda, se a vítima tiver sido impedida de esgotá-los; 3) houver demora injustificada na decisão

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sobre os recursos mencionados; 4) se o recurso disponível for inidôneo; 5) se o recurso não for útil; 6) na falta de defensores ou quando existirem obstáculos ao acesso à justiça.

No tocante à exceção de litispendência, Ramos (2012, p. 211) explica que se refere à limitação do uso concomitante de mais de vários sistemas coletivos de proteção internacional de direitos humanos. Podem os indivíduos submetidos à jurisdição dos países americanos apresentar petições em face dos países diante do sistema universal da ONU ou perante o sistema regional, no caso, o americano. Todavia, é vedado o acesso a ambos os sistemas de modo simultâneo, de acordo com o art. 46, “c” da Convenção Americana de Direitos Humanos. Isso porque promove a segurança jurídica e a coerência entre todas as decisões tidas pelos vários órgãos internacionais voltados à proteção dos direitos humanos.

Na trilha das exigências postas para o conhecimento de uma petição, Trindade, citado por Piovesan, expõe que:

[...] estamos diante da regra de Direito Internacional em virtude da qual se deve dar ao Estado a oportunidade de reparar um suposto dano no âmbito de seu próprio ordenamento jurídico interno, antes de que se possa invocar sua responsabilidade internacional; trata-se de uma das questões que, com maior frequência, é suscitada no contencioso internacional, concernente tanto à proteção diplomática de nacionais no exterior, como à proteção internacional dos direitos humanos (2013. p. 346).

Nesse mesmo sentido, Ramos (2012, p. 199) assevera:

Iniciado o procedimento de apuração de violação dos direitos humanos, estabelece-se o contraditório e a ampla defesa do Estado. O esgotamento dos recursos internos é considerado condição processual desse procedimento e a Comissão tem o poder de solicitar que os Estados informem sobre todas as medidas que adotaram quanto ao caso concreto. Assim, busca-se, antes de mais nada, a conciliação e incita-se o Estado violador a realizar medidas de reparação do fato internacionalmente ilícito.

Mencionando a possibilidade de os Estados valerem-se das comunicações interestatais com cunho político e objetivos intervencionistas, Piovesan (2013, p. 349) assegura que o risco é menor quando se trata das comunicações privadas e

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que, embora exista esta possibilidade, a disponibilidade do direito de petição individual assegura efetividade ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos e acrescenta que esta prerrogativa faz com que a efetividade dos direitos humanos não seja tão dependente de considerações políticas diversas, que motivem um agir ou não do Governo.

Em se tratando de ocasiões de gravidade e urgência, ou sempre que necessário, Piovesan (2013, p. 349-350) explica que a Comissão pode agir de ofício ou a requerimento da parte, solicitando ao Estado em comento que adote medidas cautelares no intento de não ocorrem danos que não possam ser reparados, podendo também requerer à Corte a adoção de medidas provisórias, em se tratando de matéria ainda não submetida à apreciação da Corte.

3.3 Um exemplo: o caso Maria da Penha Fernandes

Um caso que se amolda à situação tratada no presente estudo é o da brasileira, do Estado do Ceará, Maria da Penha Maia Fernandes, que, não tendo sido juridicamente amparada pelo seu país, teve de solicitar auxílio internacionalmente.

Maria da Penha, farmacêutica, era vítima de violência doméstica que partia de seu esposo Marco Antonio Heredia Viveiros, professor universitário à época dos fatos. A primeira agressão física perpetrada por Marco Antonio em face de Maria da Penha ocorreu no ano de 1983 e tratou-se de uma tentativa de homicídio. Na oportunidade, Marco Antonio desferiu um tiro de espingarda contra a então esposa, culminando na paraplegia de Maria da Penha. Não tendo alcançado seu objetivo, decorridos poucos dias, Marco Antonio tentou eletrocutar Maria da Penha enquanto ela estava no banho. Após o ocorrido, Maria da Penha separou-se de Marco Antonio e buscou auxílio junto ao judiciário brasileiro. Assim, no ano seguinte ao das agressões, o Ministério Público ofereceu a denúncia em face de Marco Antônio por suas tentativas de homicídio. Pronunciado, no ano de 1991, Marco Antonio foi submetido ao plenário do júri, ocasião em que foi condenado à pena privativa de liberdade pelo período de 10 anos. A defesa apresentou recurso e com isso conseguiu a anulação da decisão dos jurados. Devido ao julgamento do recurso,

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novo júri ocorreu em 1996, cuja decisão foi a da condenação de Marco Antonio a 10 e seis meses de prisão. A defesa outra vez apresentou recurso que possibilitou que o réu respondesse aos crimes em liberdade. A prisão do agressor acorreu somente após decorridos 19 anos do cometimento dos crimes, tendo sido cumprida apenas 02 anos da pena imposta.

Frente a todo descaso com sua situação, Maria da Penha entendeu ser pertinente buscar auxílio a nível internacional. Foi então que em 2001 revelou o ocorrido ao Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional, bem como ao Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher, órgãos que repassaram o caso à Comissão Internacional de Direitos Humanos.

De acordo com Bedin e Schineider (2012, p. 86):

A denúncia culminou no relatório 54/01, o qual concluiu ter sido o Brasil omisso de uma forma geral em relação à violência doméstica contra as mulheres, e especificamente no que diz respeito a repressões que deveriam ter sido tomadas contra o agressor no caso Maria da Penha. Recomendou que fossem tomadas medidas que garantissem a efetividade dos direitos já reconhecidos na Convenção Americana e na Convenção de Belém do Pará.

Ainda, o relatório produzido pela CIDH manifestou que o Brasil não observou os direitos dos cidadãos ao descumprir seus deveres dispostos no art. 7º da Convenção de Belém do Pará, que busca a prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher. Referiu também a afronta aos seguintes artigos elencados na Convenção Americana de Direitos Humanos: art. 8º, relativo às garantias judiciais; ao art. 25, que trata da proteção judicial e, por óbvio, a violação ao art. 1º, que prevê que os Estados-membros têm o dever de respeitar todos os direitos previstos na Convenção Americana.

Quanto à indenização cabível à Maria da Penha, a Comissão entendeu pertinente a condenação do Ceará ao pagamento de R$ 20.000,00 devido à demora processual, que quase implicou a prescrição dos crimes.

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A repercussão do caso foi tamanha que, em 2006, o executivo sancionou a Lei 11.340, também chamada de Lei Maria da Penha, prevendo punições mais rigorosas aos crimes cometidos contra as mulheres. Souza (apud BEDIN; SCHINEIDER, 2012, p. 87) refere que:

Referida lei, em seu artigo 1° define que cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8° do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de todos os tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Verifica-se, portanto, que, embora o Brasil já tivesse ratificado a Convenção para a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher em 1984 e, posteriormente, em 1995, a Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher (Convenção de Belém do Pará), agiu de modo falho, afrontando a legislação nacional e internacional.

Desse modo, resta evidente a necessidade de uma supervisão internacional para proteção dos direitos dos seres humanos, freando os abusos estatais e contribuindo para o avanço da consciência jurídica universal, assim como da carência da promoção do bem comum e da justiça.

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CONCLUSÃO

O ponto de partida do presente trabalho foi o processo de internacionalização dos direitos humanos. Este processo tem como marco fundamental a violência da II Guerra Mundial. De fato, os acontecimentos daquele duro período histórico ampliaram significativamente a percepção que era necessária à construção de novos mecanismos internacionais de proteção dos seres humanos e de novas estratégias para o enfrentamento do que foi denominado por Hanna Arendt de banalização do mal.

Assim, deu-se início a um longo período de reconstrução dos direitos humanos, que perpassou por diversos movimentos que almejavam, em suma, o estabelecimento de um padrão universal de direitos humanos mínimos, que teriam importância internacional, não mais se restringindo ao domínio dos Estados de forma absoluta.

Por certo, para que a dignidade humana não fosse mais uma questão restrita à jurisdição doméstica, foi necessário que a soberania estatal fosse flexibilizada e que os Estados ratificassem Convenções que versassem sobre o tema. Os Estados passaram a assumir obrigações voltadas ao bem de seus nacionais, ou seja, a lógica que começou a ser construída era a do indivíduo como elemento principal, mudando o foco tradicional das negociações que objetivavam trocas de benefícios entre Estados.

Um marco na história mundial no que tange aos direitos humanos foi a criação da Declaração Universal dos Direitos do Homem no âmbito da Organização das Nações Unidas, que estabelece uma compreensão mundial acerca de direitos

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humanos básicos. A partir de então surgiram duas correntes de pensamento, a saber: universalista e relativista. Sobre o debate entravado, a Declaração de Viena discorreu que as diversidades culturais não podem servir de pretexto para a violação de qualquer direito humano, pois são superiores a qualquer particularismo.

Nessa trilha, foi instituído o sistema global de proteção dos direitos humanos no domínio das Nações Unidas e posteriormente criados os sistemas regionais de proteção aos direitos humanos.

Os sistemas regionais, por serem restritos, conseguem garantir de forma mais eficiente as particularidades culturais de cada região. O Brasil integra o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, que conta com dois órgãos de atuação: a Corte e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

Diante do estudo efetuado, verifica-se que o indivíduo que vê um direito seu ser violado pelo país do qual é nacional pode recorrer ao aparato de proteção internacional, seja o sistema global ou regional. Os americanos podem solicitar auxílio junto à CIDH, de forma individual ou coletiva e, tendo superados os requisitos de admissibilidade de sua petição, será o caso analisado. A partir disso, a Comissão adota medidas que deixam evidente que os Estados não mais podem agir de forma discricionária, pois o ordenamento jurídico internacional não mais tolera o desrespeito ao ser humano, que é a razão de existir do Estado.

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