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4. MATEMÁTICOS EDUCADORES: O BLOG

4.2. Matemáticos Educadores – aspectos da existência humana, material e virtual

4.2.1. Um grupo cultural bem identificado e sua Comunidade de prática

[...] Ao longo da existência de cada um de nós pode-se aprender matemática, mas não se pode perder o conhecimento de si próprio e criar barreiras entre indivíduos e os outros, entre indivíduos e a sociedade, e gerar hábitos de desconfiança do outro, de descrença na sociedade, de desrespeito e de ignorância pela humanidade, que é uma só, pela natureza que é comum a todos e pelo universo como um todo. (D‟AMBROSIO, 2007, p. 13).

O Matemáticos Educadores representou, num determinado período, um caminho de busca de uma concepção de Educação Matemática para a prática de estágio, por estudantes de um curso presencial de Licenciatura em Matemática. No entanto, tem uma característica peculiar que nos chamou atenção: é um blog criado e alimentado coletivamente, coadministrado, na época da pesquisa, por dezesseis estagiários e sua professora.

[...] as redes de comunicações trazem novas e diferenciadas possibilidades para que as pessoas possam se relacionar com os conhecimentos e aprender. [...] uma verdadeira transformação, que transcende até mesmo os espaços físicos em que ocorre a educação. A dinâmica e a infinita capacidade de estruturação das redes colocam todos os participantes de um momento educacional em conexão, aprendendo juntos, discutindo em igualdade de condições, e isso é revolucionário. (KENSKI, 2008, p. 47).

Sobre o número de autores, lembramos que, em blogs, há “normalmente apenas um, algumas vezes dois ou três, raramente mais de três”. (HEWITT, 2007, p. 9), mas, por outro lado, o blog tem um perfil “de criação, de partilha, de colaboração. É uma ferramenta que promove esse ambiente de confiança e apoio.” (GUEDES, 2009, p. 47). Nessas circunstâncias, a manifestação blogueira seria a forma mais viável à geração de uma tempestade de ideias na busca de uma concepção de Educação Matemática, porque “quando ocorre, modifica completamente a visão que o público em geral tem de uma pessoa, um lugar, um produto ou um fenômeno. (HEWITT, 2007, p. 30)

Concordamos plenamente com Hewiit, mas, no Matemáticos Educadores, a proposta não se resumiu a discutir um tema específico, mas diversos temas e subtemas da Educação Matemática, a partir da reunião de referenciais teórico-práticos à ação docente, em apenas um

semestre letivo. Um lugar único de discussões e usufruto, onde todos contrataram os mesmos direitos: uma tempestade de ideias, sim, num único blog, o que não se caracteriza, portanto, como uma infestação blogueira. (HEWITT, 2007).

No entanto, é a própria manutenção da existência do blog e alguns dados apresentados logo adiante que nos permitem afirmar que o ambiente de confiança e apoio foi instituído, dados os limites da nossa pesquisa, e até o presente momento, já que todos os dezesseis estagiários- coautores, oriundos de EDCA-82, mais os que se somaram a eles, em EDCA-83, mais a professora de ambas as disciplinas, continuam com pleno direito à edição do blog, o que representa também a liberdade até de apagá-lo.

Várias postagens também indicam cautela nas interações, levando-nos a interpretar, superficialmente, já que não buscamos elementos para isso, como uma ética essencial, neste blog, para manter o bom relacionamento quando as opiniões não convergem ou quando se precisa de um esforço coletivo na busca de um objetivo comum. Não há, no Matemáticos

Educadores, palavras que representem quaisquer tipos de desrespeito, mesmo em situações

delicadas.

Como foi dito, esse não foi o foco deste trabalho, mas o fato do ambiente virtual Matemáticos

Educadores ter mantido uma ética nas participações, provavelmente é um dos sinais que

colocou o produto dos estudos acadêmicos de uma turma à disposição de outros educandos e educadores matemáticos, inclusive a esta pesquisa, que o tomou como objeto empírico para o reconhecimento de uma concepção de Educação Matemática, numa perspectiva holística.

Essa peculiaridade - a coexistência dos vários coautores no Matemáticos Educadores – foi muito relevante a se escolher esse blog como centro de nossas atenções, sob uma análise do valor contributivo da participação dos seus construtores e coadministrados em uma comunidade cognitiva, à luz da analogia entre os estudos das Comunidades de Prática e da Etnomatemática, especialmente quando se refere aos grupos culturais bem identificados.

Uma Comunidade de prática porque “over time, this collective learning results in practices

that reflect both the pursuit of our enterprises and the attendant social relations”20

20 Ao longo do tempo, essa aprendizagem coletiva resulta em práticas que refletem ambos, a busca de nossos

(WENGER, 1998, p. 45) e Etnomatemática porque tem por essência “a abordagem a distintas formas de conhecer” (D‟AMBROSIO, 2007, p. 111), como também porque o Matemáticos

Educadores representa um grupo cultural bem identificado que buscou o “entendimiento, explicación, aprendizaje sobre, contención y manejo del medio ambiente natural, social, y político”21 (D‟AMBROSIO, 1988). Assim, uma comunidade cognitiva, de aprendizagem coletiva, onde foram consideradas as distintas formas de conhecer a Educação Matemática, a partir das vivências pessoais dos indivíduos que dela fizeram parte, buscando juntos compreendê-la e explicá-la, e aprender sobre gestão e lida com um ambiente sociopolítico específico, o ambiente escolar.

Aliás, as reflexões do compreender e explicar a Educação Matemática, no sentido de orientação à prática pedagógica, remetem-nos a outras reflexões acerca do compreender e explicar no que se refere ao gerir e lidar com o conhecimento matemático, na prática pedagógica. Sobre isso, limitamo-nos a socializar a seguinte reflexão:

[...] situa-se um impasse a ser refletido por educadores matemáticos: as bases divergentes entre o compreender e explicar. Se por um lado, a compreensão viajaria pelos caminhos da psicologia, o da explicação estabelece relações diretas com a objetividade, com o raciocínio hipotético-dedutivo, com critérios lógicos de verdade e erro. [...] a oposição no sentido de que se compreende o homem, explica-se a natureza, e, conseqüentemente, o dualismo ontológico e epistemológico. No campo da Educação Matemática, parece-me que este sofrimento de idéias, de sentidos se faz presente, resultante da distinção que persiste entre os objetos das ciências humanas e naturais. Prestando-se duplamente a ambas, a Matemática, dentro do processo de ensino e aprendizagem escolar, apresenta-se no contexto de um impasse de concepções, que ora passeia pelo seu aspecto de ciência, assumidas até os nossos tempos, como exata, e, do mesmo modo como construção cultural, o que se poderia colocá-la no campo das ciências humanas. (SOUSA, 2009).

Inicialmente, segundo a professora, a proposta partiu da necessidade sentida de ampliação da discussão para além dos momentos presenciais, atendendo à própria distribuição da carga horária e à ementa da disciplina que prevê “a incorporação das inovações contemporâneas que inserem a educação no processo de desenvolvimento sócio-histórico e humano”.

O fluxo de interações nas redes e a construção, a troca e o uso colaborativos de informações mostram a necessidade de construção de novas estruturas educacionais que não sejam apenas a formação fechada, hierárquica e em

massa como a que está estabelecida nos sistemas educacionais. (KENSKI, 2008, p. 48).

No caso específico de um blog:

Para ser uma importante fonte de (in)formação acadêmica, o blog deve lançar mão de referenciais conhecidos e seguros. Como recurso pedagógico, estudantes e professor(es) podem dividir a função de administrador, dando a todos o direito de postar e comentar, socializando e tendo acessos a documentos e/ou outras informações relacionadas aos conteúdos em estudo. (PINTO, RODRIGUES e SOUSA, 2008, p. 308).

A construção e utilização do blog foram colocadas à turma como um convite à criação de um ambiente que permitisse encontros extraclasse acessíveis a todos para o aprofundamento das discussões acerca dos temas sugeridos e selecionados coletivamente para o curso. O aceite foi imediato, como também a iniciativa de um dos estudantes para criá-lo e batizá-lo de

Matemáticos Educadores, nome que foi bem aceito por todos. Foi o próprio criador, Felipe

Carlo de Freitas Pinto, que fez a primeira postagem, sem nenhum acordo específico para o seu conteúdo, percebendo e concebendo, desde o início, o que se tornou este ambiente virtual, conforme veremos, para o processo pedagógico do estágio e para as pesquisas teóricas e práticas, e ações, na Educação Matemática.

A primeira postagem representou, conforme visto, mais que uma informação, um convite e um comprometimento com a participação no XI Encontro de Matemática da UFBA. Estava estabelecido um contrato de interação acerca de diversos aspectos que abordam direta e indiretamente a Matemática e o seu processo de ensino-aprendizagem.

Uma oficina sobre blog foi realizada em um dos laboratórios de informática da Faculdade de Educação - FACED, a informação de identificação de acesso (login) e senha foram socializados com todos da turma e um acordo ético foi discutido e firmado: ninguém poderia editar postagem alheia, apenas comentar e valorizar. Após algumas postagens estratégicas, segundo a professora, e tendo em vista nosso estudo de sua participação no blog, teve início uma ação docente contínua de comentar e postar, ainda segundo a professora, buscando provocar reflexões mais profundas, tanto dos temas discutidos nas aulas presenciais como de outros tantos que são pertinentes à Educação Matemática. Além disso, desde o início, começaram a aparecer, no blog, curiosidades e sugestões de recursos pedagógicos envolvendo a Matemática, evidenciando que “a curiosidade pelo que é publicado/comentado motiva-nos

às visitas diárias, tornando-nos leitores e autores ávidos, comprometidos com atualização constante e construção do espaço.” (PINTO; RODRIGUES e SOUSA, 2008, p. 314).

Numa análise global de sua construção, o Matemáticos Educadores serviu de estratégia curricular ao processo pedagógico da disciplina Estágio Supervisionado II – EDCA-82, no segundo semestre de 2008, estendendo-se, durante todo o ano letivo de 2009, nas disciplinas subsequentes: Estágio Supervisionado III – EDCA-83, ainda como estratégia curricular; e como acervo de referenciais teórico-práticos para a prática docente, em Estágio Supervisionado IV – EDCA-84. Desde as primeiras postagens, os blogueiros do Matemáticos

Educadores perceberam também o potencial contributivo deste acervo ao exercício

profissional docente futuro, fato que provavelmente levou a um esmero maior na qualidade do seu processo de construção.

O recurso do blog pode ser enriquecedor à formação da docência, tendo em vista o leque de possibilidades de entrelaçamento de discussões acerca da Didática, da História, da Filosofia da Matemática e da própria Matemática, bem como de outras áreas de conhecimentos, no contexto da Educação Matemática. (PINTO, RODRIGUES, SOUSA, 2008, pp. 309-310).

Vale salientar que chamamos de coadministração, neste trabalho, o direito coletivo da senha de acesso a postagens e edições. Essa decisão também foi coletiva e, segundo a professora, colocada em aula presencial, onde as opiniões convergiam para que todos tivessem direitos iguais e compromisso com a construção do ambiente virtual, tendo em vista, primeiro, o seu valor como recurso de estudo para todos.

Alguns contratos simples foram feitos: ética nas postagens e comentários, como respeito às opiniões e qualidade das interações; utilidade dos conteúdos da postagem, que tinham que ter relação com a Educação Matemática que queriam aprender, também conceber; respeito à norma culta da língua portuguesa, nas postagens, podendo haver deslizes nos comentários, já que esses não se limitariam ao grupo de coautores, além de terem uma característica informal.

Como relevante, destaco o contrato essencialmente ético que foi firmado oral e coletivamente, desde o nascimento do blog: ninguém poderia editar postagem alheia, respeitando a autoria; o nosso papel limitar-se-ia estritamente aos comentários, gerando um debate sobre a questão. Quaisquer embates teóricos ou outras discordâncias deveriam ser levados aos momentos presenciais, como ocorreram. Somente o próprio autor poderia rever a postagem para edição,

mesmo que todos tecnicamente pudessem fazê-lo, tendo liberdade para aceitar ou não as críticas.

Estava criado o blog Matemáticos Educadores, sob nosso olhar investigativo, uma comunidade cognitiva, motivada pela busca de referenciais teórico-práticos que orientassem a prática pedagógica da Educação Matemática, utilizado como meio alternativo de construção de conhecimentos – pesquisa e estudo, comunicação e expressão – através da participação espontânea de educandos matemáticos, livre de quaisquer valores quantitativos.

Seguindo a concepção holística de Educação Matemática da professora da disciplina EDCA- 82, na qual se criou o blog, é nessa perspectiva que buscamos parâmetros às conclusões desta pesquisa, cujos pontos relevantes estudados passarão por uma análise concomitante à apresentação dos seus dados, no intuito de uma maior interação teórico-prática e de um caminhar contínuo à compreensão da medida de contribuição de um blog como o

Matemáticos Educadores à construção de uma concepção de Educação Matemática.