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4. Entendendo a fotografia autorrepresentativa

4.3 Um mundo de comentários

Essa natureza imagética envolta nesse ambiente de privacidades, riscos e exposições que nos envolve, leva-nos a distinguir diversas formas de leituras visuais a partir da área que emerge e de quem somos ao lê-las. Retomamos em Samain (1998, p.56), que a visualização de suportes diferentes geram ações diferentes: “Assiste-se” a um filme, “mergulha-se” numa fotografia”. A troca dialógica entre quem posta uma foto e quem a visualiza possibilita a criação de várias outras significações que envolve descobrir o studium, punctum, legendas163, comentários e atravessar diversas fronteiras, geográficas, íntimas, entre outras, onde o atual e o virtual se tangenciam carregadas das potências positivas e negativas que se dão justamente no atual, que permeiam aquele momento, mas que será amplificada no meio virtual.

Torres (2009, p. 113), retoma a discussão de Rüdiger (2012) sobre a imersão vivencial que sentimos com o uso das redes sociais online a partir do depoimento de um estudante em uma comunidade no Rio de Janeiro, onde foi instalada uma rede sem fio com acesso livre: “Na rua ninguém mais te cumprimenta. Aqui na Internet todo mundo se conhece”. Essas configurações trazem nossas subjetividades para lidar com as múltiplas e diversas questões que surgem nesses códigos de ser e estar circundado ou imerso no campo virtual.

Essa aglutinação de pessoas no universo on line, que produzem, consomem, atualizam, criam e mantém relações absorve também potenciais problemas: invasões de privacidade; roubo de perfil; furto de identidade; uso indevido de informações; vazamento de informações; espionagem; acesso a conteúdos impróprios; contato com pessoas mal-intencionadas etc164.

Canevacci (1990, p.23) nos alerta do poder e diversidade da ‘comunicação visual reprodutível’. As imagens, dentro dessa ‘paisagem visual-cultural’, visual-scape, de nosso tempo, denotam a força e implicações em inúmeros aspectos na vida de cada um. Para o autor, um efeito claro disso está na aproximação do espaço dialógico entre a metrópole e a aldeia tomando como exemplificação a utilização de vídeos e fotografias pelos próprios índios, tanto a utilização como o domínio da linguagem dos meios digitais na autorrepresentação, que também aludem à tecnologia. Ou seja, hoje temos mais facilidade de expor nossos pensamentos, reflexões, críticas, comentários sobre os mais diversos assuntos, temas e questões. Mais que isso, é demandado, ou pelo menos oferecido, a cada usuário a possibilidade de uma linha direta de comunicação.

A necessidade de ‘metamorfose contínua’ é também uma forma de encontrar caminhos dentro das complexidades da ‘metrópole comunicacional’ composta de áreas ‘metropolitanas e comunicacionais’ envolvidas em “cultura-consumo-comunicação”165

cada vez mais inserida no mundo digital e que prescinde de transformações em todos os campos que a acompanhe. Essas novas formas de se relacionar podem ser percebidas pelas múltiplas formas de ser e agir no campo virtual. E aqui o fio condutor é através desse ato voluntário de se autorrepresentar fotograficamente, indicando alguma transformação no ato de lidar com a imagem de si mesmo e com as metamorfoses contínuas em todos os campos.

No Facebook, recebi uma postagem sobre uma publicação do jornal O estadão, do fotógrafo J. Duran, intitulada Selfie, na qual relata a ‘foto bracinho’ do piloto Afonso Alonso no Pódio do Grande Prêmio de Monza.

Figura 62 - Matéria do jornal O Estadão compartilhada no Facebook sobre a popularização do termo e da prática selfie.

164Referências da Cartilha de Segurança para Internet, fascículo Redes sociais. Disponível em:

http://cartilha.cert.br/fasciculos/redes -sociais/fasciculo-redes-sociais.pdf. Acesso em: 04 de abril de 2013.

Fonte: Print Screen elaborado pelo autor do Site do jornal O Estadão.166

Figura 63 - Foto de Stefano Relladini para Reuters, registrando a foto bracinho (selfie) de Fernando Alonso no Grande Prêmio de Monza, na Itália, em 2013.

Fonte: Estadão.167

O interessante na matéria do Estadão compartilhada no Facebook foi analisar a quantidade e teor dos comentários realizados no site do jornal. No dia do meu acesso

166 Em: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,selfie,1099841,0.htm. Acesso em : 25/11/ 2013. 167 Disponível em: http://blogs.estadao.com.br/link/selfie-e-eleita-a-palavra-do-ano/. Acesso: 27/11/2013.

1.902 pessoas haviam curtido a publicação e havia 731 compartilhamentos. Embora houvesse muitas críticas, e estas também parecem fazer parte também do universo de satirizações cômicas (ver anexo 1), os comentários na postagem oscilavam entre confrontos positivos e negativos com a prática selfie, como:

“Azar de Narciso que não tinha smartphone nem espelho” “A pior de todas é o traste tirar fotos no banheiro...phoda” “Eu sou um desses, da vanguarda”

“Acho que todos temos liberdade o suficiente para fazermos o que quisermos de nossas vidas. Quem paga minhas contas sou eu, se tenho celular com câmera o problema é meu, e tiro foto, envio para meus amigos, e faço o que quiser. Se falarem, problema de vocês. Faço o que me der vontade, a vida é minha e de mais ninguém. Já basta de tantos falatórios, do que é certo ou errado, se expõe ou não, se fulano ou cicrano vai falar ou deixar de falar, acho que todos tem que viver suas vidas e não dar palpites na vida do outro. É a melhor coisa que devem fazer. E se tivessem o que fazer para ocupar o tempo, não estariam postando tantas idiotices e se metendo nas pessoas que tem seus gostos, suas distrações, etc...”

“A que ponto chega a imbecilidade humana!!!”

“Eu acho que o que incomodou o Duran foi ver o Alonso tirar uma foto com o próprio celular substituindo os fotógrafos profissionais como ele.”

“Tenho horror.”

É possível perceber através dos comentários todas as questões relativas a consumo, posse e domínio da tecnologia, a agência, performance, a valores, aos novos meios de acesso a informação, a disseminação da imagem, ao viral etc e fundamentalmente a lógica do ‘eu existo’. Outra questão interessante foi a ênfase tanto no ataque como na defesa da prática selfie. São esses aspectos ressaltados nos comentários que nos levam a pensar, em poder e resistência (ORTNER, 2007c). Esses aspectos expõem a inexistência de uma totalidade no “pacto autobiográfico” (LEJEUNE, 2008) uma vez que nem sempre há a leitura do texto de acordo com o que o autor propôs, fato que pressupõe liberdade, ação e amplia a própria resistência.

Cada usuário, ao postar nas redes sociais online uma fotografia, expõe e se expõem também aos valores interpretativos dados pelo outro no comentário, na defesa, no endosso, na discordância, na edição, na exclusão ou mesmo, no ato de ser ignorado. Faz parte das regras do jogo da sociabilidade.

Durante toda a pesquisa de campo percebi que várias postagens de fotografias autorrepresentativas de meus interlocutores ansiavam à espera de uma repercussão, ou seja, de comentários que validassem (à princípio) a própria imagem postada e que foi endossado pelas conversas com eles da necessidade, ou da apreciação, dos comentários.

Ao perguntar ao interlocutor que trabalha como modelo se sentia-se incomodado com a ausência de comentários em uma foto sua postada, ele foi enfático: “Me importo,

na minha opinião é tipo uma foto que o público não aprovou e isso me incomoda sim.”

Novamente, Igor, explica a importância dessa interação ao invés de uma simples curtida: “...prefiro comentários que são neles que eu vejo o que cada um achou

realmente da foto!” Aryanne percebe uma frustração na ausência de comentários: “acho q dá uma frustração sim! Rssss...vejo q tem pessoas q postam e ninguém curte. Aff..Pq p mim curtir significa gostar!” Já Giulia explica: “...é bom quando a fotografia incita comentários e/ou discussões, gosto de saber a opinião das pessoas. Também fico muito feliz quando elogiam a qualidade da fotografia, pois prezo muito por isso.” Essa

prerrogativa foi ratificada por praticamente todos os interlocutores reforçando o que Máximo (2006, p.16) identificava no estudo dos blogs, a relação de dinâmicas expressivas entre os usuários, como atores sociais, e suas audiências – plateias, ou seja, a autora considera os blogueiros e suas plateias como participantes tanto de uma prática onde a vida cotidiana é construída quanto a se transformar numa experiência a ser vivida, ambas nessa fronteira do on e off line, compondo a “cena social contemporânea”.

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