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Imafem 12 – Sete dias de “O Cruzeiro”

2. A condição da imagem

2.2 Da Revista e de suas páginas

2.2.1 Um mundo de papel impresso

Páginas, imagens e textos. Papel, tinta e prensa. Seis palavras que elucidam o presente trabalho e suas fontes. Meu objeto de pesquisa – a coluna Garotas – circulou em meio a tantas outras páginas periódicas editadas no Brasil. Estas páginas tiveram o cotidiano como pano de fundo e como meio. As imagens que analiso não foram pintadas a óleo sobre tela, nem sequer foram esculpidas em mármore carrara. Foram sim gravadas com tinta em papel imprensa. Minhas fontes são revistas – pontualmente, o periódico de circulação semanal e nacional, O Cruzeiro. Em especial, uma coluna de humor e comportamento, Garotas.

O objeto selecionado, a coluna Garotas, não alcançava o público circulando em páginas soltas. Este era integrante da revista O Cruzeiro. Para iniciar meu trabalho sobre a coluna selecionada, opto por primeiro escrever algumas páginas sobre aquela grande revista ilustrada de outrora. As páginas da revista não se apresentam dissociadas das páginas da coluna Garotas.

39 MARTINS, Maria Luiza. Revistas em revista: Imprensa e práticas

culturais em tempos republicanos, São Paulo (1890-1922). São Paulo: EDUSP, 2001.

40 SOBRAL, Julieta Costa. J. Carlos, designer. In: CARDOSO, Rafael (0rg).

O design brasileiro antes do design. Aspectos da história gráfica, 1870- 1960. São Paulo: Cosacnaify, 2005.

[...] Chateaubriand se preparava, no final de 1928, para a mais estrondosa promoção realizada por suas empresas até então: o lançamento de Cruzeiro. No final da tarde de 5 de dezembro, quando a Avenida Rio Branco fervilhava de gente que deixava o trabalho ou saía às ruas para as primeiras compras de Natal, 4 milhões de folhetos – três vezes o número total de habitantes do Rio – foram atirados do alto dos prédios sobre a cabeça dos passantes. Os volantes anunciavam o breve aparecimento de uma revista “contemporânea dos arranha-céus”, uma revista semanal colorida que “tudo sabe, tudo vê”. Muitos dos panfletos traziam reproduzidos, nos versos, anúncios que seriam veiculados na nova publicação.41

Quatro milhões de folhetos picados. O lançamento da revista O

Cruzeiro fora minuciosamente arranjado e planejado. Foram incontáveis

os historiadores, os jornalistas e biógrafos que escreveram acerca deste lançamento, que ocorreu na tarde do dia 5 de dezembro de 1928. Às 17 horas, horário de encerramento das repartições públicas e um pouco antes da finalização das atividades do comércio, uma chuva de papel picado tomou conta da Avenida Rio Branco, na cidade do Rio de Janeiro. Do alto de um edifício, foram atirados quatro milhões de pedacinhos de papel impresso picado, dando a impressão de estar nevando, a um calor de 40 graus. Por alguns instantes, em uma das mais movimentadas avenidas do Rio, “Ônibus e automóveis estancaram. Uma sintonia de buzinas encheu o ar. E milhares de transeuntes, suspensos, começaram a apanhar no ar, nas calçadas e sobre o asfalto escaldante pedacinhos de papel”.42

Mas a “neve” nada mais era do que uma chuva de papel impresso picado, e em cada pedacinho de papel estava estampado o anúncio de uma revista “contemporânea dos arranha-céus” e muitos dos folhetos também traziam anúncios publicitários que seriam publicados na revista.

Cinco dias antes da revista O Cruzeiro circular nas bancas de todo o país, ela fora promovida de uma forma jamais vista antes. No lançamento promocional, a revista, já se pretendia um divisor de águas

41

MORAIS, Fernando. Chatô: O rei do Brasil, vida de Assis Chateaubriand. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p.187.

42

NETTO, Alccioly. O Império de Papel- Os bastidores de O Cruzeiro. Porto alegre: Editora Sulina, 1998. p.36.

na imprensa periódica nacional. Os quatro milhões de papéis picados que foram jogados do alto de edifícios da Avenida Rio Branco continham uma frase impressa. O slogan – “A revista contemporânea dos arranha-céus”, acompanhou a famosa revista O Cruzeiro durante os seus mais de 40 anos de publicação. Revista cujas tiragens eram surpreendentes para o Brasil de outrora, 750.00043 exemplares por edição semanal em meados da década de 1950, época em que a população brasileira não ultrapassava os 50 milhões de habitantes44. Foi um dos mais importantes meios de comunicação de meados do século XX no Brasil.

A publicidade era marcante na revista. Desde seu lançamento na Avenida Rio Branco, era notória a presença de anúncio; no verso dos papéis picados, eles já estavam lá. Na primeira edição também, encontravam-se anúncios vendendo de tudo, quase metade das 64 páginas estavam repletas de publicidades. Eram anúncios de automóveis, hotéis, manicures, cabeleireiros, filmes, remédios. Os inúmeros anúncios publicitários revertiam em dinheiro para a revista. De maneira geral uma revista se sustenta de duas formas, pelas suas vendas – em bancas ou por assinaturas – e pelos seus anúncios publicitários45

. Quanto mais vendida, maior o número de anunciantes interessados em divulgar seus produtos e serviços em suas páginas. Assim, inicialmente, a revista fez um verdadeiro sucesso. Em 1929, a tiragem semanal do periódico chegou a 80 mil.

No dia 10 de dezembro de 1928 chegou às bancas Cruzeiro. O primeiro número da revista tem seus 50 mil exemplares esgotados já no primeiro dia de circulação. A revista fora vendida nas principais cidades brasileiras, de norte a sul do país, graças a caminhões, barcos, trens e até a um bimotor. Em sua primeira edição a revista já fora comercializada do Rio Grande do Sul até a Amazônia.

E a revista inicia-se assim: “Depomos na mão do leitor a mais moderna revista brasileira. Nossas irmãs mais velhas nasceram por entre demolições do Rio colonial, através de cujos escombros a civilização travou a recta da Avenida Rio Branco: uma recta entre o passado e o futuro”.46

Segue-se o texto do editorial colocando a revista Cruzeiro

43

NETTO, Alccioly. Op.cit. p. 36

44

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora UNESP, 2004.

45

COELHO, Andrea e RODRIGUES, Denise dos Santos. Cadernos da Comunicação Série Memória. O Cruzeiro: A maior e melhor revista da América Latina. Rio de Janeiro: Imprinta Gráfica e Editora, 2002. p.25.

46

como partidária de um novo, então, mundo moderno. O país e a sua capital modernizaram-se ganharam arranha-céus, radiotelefonia, correio aéreo. Era o esboço de um novo mundo. Novo mundo, novo país que conhecia sua mais nova e moderna revista semanal.

No editorial, a revista era colocada como vinculadora de cultura e educação. Diferentemente de um jornal, ela não estaria atrelada a um partido ou uma facção. A revista traria virtudes, mostraria versão educativa e estética da vida. O jornal, de modo contrário, atrelaria uma versão realista da mesma. O impresso revista fora colocado entre o jornal e o livro, em um estágio intermediário. Torna-se interessante também destacar que ela era referenciada, neste primeiro editorial, como moderna. A revista se posiciona como moderna em grande parte de suas circulações. Tem uma qualidade gráfica ímpar para época, jamais vista no Brasil, mesmo porque inicialmente era impressa na Argentina, em Buenos Aires.

“Seu nome é da constelação que, há milhões incontáveis de anos, no céu astral, e na nova moeda em que ressuscitará a circulação de ouro. Nome de luz e de opulência, idealista e realístico, sinônimo de Brasil na linguagem da poesia e dos signos”.47

O nome selecionado para o periódico é explicado na página do editorial. Nome atrelado a constelação do Cruzeiro do Sul que estrelara céus brasileiros por incontáveis anos. Atrela-se também ao nome, a moeda corrente que percorrera transações comerciais das mais simples as mais complexas cotidianamente. À moeda e a constelação, e agora também a revista ligava-se ao termo cruzeiro. Vale salientar que de início a revista chamava-se apenas Cruzeiro, sem o artigo o. O artigo só é anexado ao título no ano seguinte da publicação, especificamente no número trinta e um.48

Cruzeiro foi pensado para ser uma revista grandiosa, no formato

tabloide (26 x 33 cm) impressa em 4 cores em papel de alta qualidade. Qualidade gráfica tal que não foi possível a impressão em parque brasileiro. Toda impressa em papel couché e repleta de fotografias, marcava avanços gráficos que vinha ao longo do XX acompanhando o cenário periódico nacional. Na transição do século XIX para o século XX a produção artesanal de impressos aos poucos cederam lugar aos processos de caráter industrial. Com avanços técnicos ocorre uma

47

Idem

48

ABULQUERQUE, Juliana e OUROFINO, Carolina. O Cruzeiro – o primeiro ano de um projeto moderno – 1928-1929. XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Rio de Janeiro, RJ, 05-09 de setembro, 2005.

segmentação e uma especialização dos trabalhos desenvolvidos nas antigas oficinas. “Máquinas modernas de composição mecânica, clichês de zinco, rotativas cada vez mais velozes, enfim um equipamento que exigia considerável inversão de capital e alterava o processo de compor e reproduzir textos e imagens passou a ser utilizado [...]”.49

Imagem 1 – Capa de Cruzeiro. Edição de 10 de dezembro de 1928, ano I, nº 1, capa. Acervo: BPESC

Imagem 2 – Primeira página de Cruzeiro. Edição de 10 de dezembro de 1928, ano I, nº 1, p.1. Acervo: BPESC

49

O rosto de uma linda mulher num fundo azul, era a capa vistosa que abria a primeira edição. O título impresso acima do periódico em vermelho Cruzeiro, e abaixo dele “Revista Semanal Ilustrada”, do lado direito o preço, um cruzeiro. A primeira capa, imagem 1, inaugura praticamente uma tradição na revista: capas com imagens femininas. De 1928 até 1975, quando a revista cessa sua circulação, são muito poucas as capas não estampadas por mulher. Ilustrações de rostos femininos, depois fotografias femininas, era sempre esse tipo de imagens que apresentavam o impresso. A segunda imagem traz a primeira página da primeira edição da revista. Esta era composta pelos endereços, direção, informações e valores das assinaturas, número de tiragem, editorial e informação sobre o a próxima edição.

A revista ilustrada inovava também no conteúdo editorial. O

Cruzeiro contava com colaboradores de porte, ótimos ilustradores, uma

farta documentação fotográfica, além de constarem em seu sumário excelentes colunistas fixos. “O Cruzeiro seria uma revista híbrida, entre literatura e fait-divers, que apresentava os primeiros sinais de um texto jornalístico. Muito influente na imprensa escrita, a revista inovou na linha editorial, possuindo práticas de leituras diversificadas”.50

Dirigida pelo jornalista português que a idealizou, Carlos Malheiro Dias, pode-se dizer que ela inaugura um novo estilo de revista semanal ilustrada, inauguração que abala suas então concorrentes: Fon-

Fon, Careta, O Malho e Maça. Era uma revista que contemplava vários

públicos, pois abordava diversos assuntos, tais como política, esporte, moda e sociedade. O impresso contou com colaboradores de porte, escreviam na revista nomes como Mario de Andrade e Humberto Campos, suas ilustrações eram assinadas por Emilio Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Oswaldo Teixeira entre outros. Seu conteúdo abrangia de política internacional a secções de cinema, rádio, teatro e moda. Em pouquíssimo tempo, meses após o inicio de sua circulação, se firmou como a mais expressiva revista nacional.

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