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Imafem 12 – Sete dias de “O Cruzeiro”

2. A condição da imagem

2.2 Da Revista e de suas páginas

2.2.3 Uma revista, muitas páginas

Nos primeiros anos de publicação, a revista alcança grande sucesso de vendas. Se coloca entre as mais compradas e lidas do país. Entretanto os primeiros anos se passam e de uma revista nova nas bancas transforma-se em mais uma entre tanta. Ana Luiza Martins problematiza que são inúmeros os títulos de revistas que não ultrapassam o segundo ano de publicação. A revista estudada vai, sim, ultrapassar este segundo ano, não obstante as dificuldades e os obstáculos que foram muitos. De um sucesso editorial, a revista apresenta encalhes de uma edição já bastante diminuta. A tiragem da revista caiu drasticamente chegando a menos de 20 mil exemplares por edição no inicio de 1930.

Naquele iniciar de década a revista atravessara constantes modificações. Parque gráfico transladado, colunas e matérias modificadas e redação alterada. De início houve a mudança da sede da revista. Um edifício construído especificamente para abrigar os Diários

Associados fora construído na Rua 13 de maio, no Rio de Janeiro. Com

8 andares mais 2 subterrâneos, o edifício abrigava O Cruzeiro e os então demais integrantes dos Diários Associados como: O Jornal e o Diário

da Noite. No edifício se localizaria a redação, a sede administrativa e o

parque gráfico daqueles veículos de comunicação.

A redação da revista era composta por um número ínfimo de funcionários além de contar com baixíssimos recursos financeiros. A

falta de publicidade acarretada da pouca vendagem fizera a redação entrar em decadência. O Cruzeiro em 1931 modifica consideravelmente suas reportagens e seus editoriais. Começara a explorar atualidades políticas, sociais e artísticas, reportagens elaboradas com as “sobras” fotográficas e com matérias dos jornais dos Diários Associados. A revista foi tornando-se, aos poucos, mais atraente ao público feminino. Eram desfiles de moda, em festas da alta sociedade, no banho de sol e mar nas praias cariocas. Além do mais, fotos de famosas atrizes norte- americanas eram fornecidas gratuitamente pela agência de publicidade de Hollywood. A essas fotos eram anexadas crônicas, traduzidas ou mesmo escritas pelos redatores. O Carnaval passou a ser um tema bastante presente no impresso.

A revista O Cruzeiro tinha uma característica que a permitiu explorar variada gama de informações, colunas, reportagens. Ela era uma chamada revista de variedades, segundo seus editoriais, um periódico que buscava atender toda a família. A publicação agregava a suas páginas de noticiários políticos, receitas de bolo, fotorreportagens sobre os índios da Amazônia até a cobertura completa da coroação da Rainha Elizabeth ou de um evento social, ou seja, era uma revista para agradar a diferentes tipos, gostos e estilos de vida. Aparentemente conseguiu atingir esta meta, pois sua singularidade era particular.

Dentro da reformulação sofrida pela revista no início da década de 1930 é notório o aparecimento de um nome. Accioly Netto iniciara sua extensa participação no periódico no ano de 1931. Naquele ano, o antigo redator de O Jornal entrara para a redação da revista. Accioly Netto escreveu um livro sobre os bastidores daquela que fora a grande revista nacional, que é quase autobiográfico. Nele, o jornalista relata e comenta as modificações ocorridas na revista e sua atuação nela, que se amplia no ano de 1933, quando se torna diretor d’O Cruzeiro.

Ao longo da década de 1930, a revista fora revertendo o baixo número de edições e de vendas. As páginas e as matérias foram sendo remodeladas. As atualidades políticas, tanto nacionais quanto internacionais, apresentavam-se constantes. Grandes reportagens repletas de fotografias traziam ao leitor lugares exóticos e desconhecidos. Os textos em forma de novela faziam-se sequenciais e chegavam a durar dezenas de edições. As colunas abordavam assuntos femininos e humor. Enfim, a revista fora se reerguendo.

As fotorreportagens configuraram-se como uma marca da revista brasileira. Fotorreportagens ao estilo gráfico das publicadas pela Life e

Paris Match. Inúmeros foram os jornalistas que assinaram as grandiosas

paraibano Assis Chateaubriand. Contudo, um merece destaque especial, David Nasser que começou como repórter de plantões noturnos e se tornou um dos mais importantes jornalistas da rede Diário Associados, onde chegou até a ocupar um importante cargo de chefia. Juntamente com o fotografo francês Manzon, produziu fotorreportagens marcantes para o periódico, como a do suposto disco voador no Rio de Janeiro. Em 1942, o fotógrafo francês Jean Manzon inicia seus trabalhos para os

Associados. A ele soma-se o jornalista David Nasser e nascia a dupla

das grandes fotorreportagens de O Cruzeiro. A marca acompanharia as páginas da revista até o cessar de sua circulação.

Dentre tantas modificações sugeridas e aplicadas por Accioly Netto destaca-se também o volume de páginas voltadas para assuntos relacionados à mulher. A historiadora Leoni Serpa coloca que aproximadamente 30% das páginas da revistas eram referentes ao imaginário feminino. Não obstante, este imaginário feminino não compunha apenas um perfil feminino, mas vários perfis.

“A revista foi uma das primeiras a se preocupar em mostrar o universo feminino de uma forma glamorosa e em dar à mulher espaços antes pouco vistos na imprensa brasileira. Esses espaços eram ocupados com belas faces, com moda e novas ideias [...]”.51

Nos 47 anos em que

O Cruzeiro circulou em território nacional e também no exterior,

constava em seu sumário um sem-número de colunas voltadas para a mulher. No sumário continha, inclusive, uma secção intitulada: Para a

mulher. Dentre as páginas sempre relacionadas a assuntos femininos

destacam-se as colunas Da mulher para a mulher, Elegância e Beleza, as exclusivamente de moda, entre outras. Por tratar de variedades, a revista abrangia vários públicos femininos: donas de casa, moças casadoiras, jovens modernas. Por tal motivo, nas páginas da revista O

Cruzeiro não estava estabelecido apenas um padrão de mulher, e sim

vários.

Da mulher para a mulher consistia em uma seção de cartas e

conselhos. Segundo Carla Bassanezi52, estava sob a responsabilidade de Maria Teresa. Todavia, Alccioly Netto, relata que Maria Teresa era apenas um pseudônimo, que ele mesmo utilizou para assinar a coluna quando aquela passou a circular. Tratava-se de um “consultório sentimental”, pois ali eram respondidas perguntas acerca de

51

SERPA, Leoní. A máscara da modernidade: A mulher na revista O Cruzeiro (1928-1945).Passo Fundo: Editora UPF, 2003. p.26.

52

BASSANEZI, Carla e URSINI, Lesley Bombanatto. O Cruzeiro e as Garotas. In: Cadernos Pagu (4) 1995. p. 245.

comportamento, postura e principalmente de questões amorosas. A coluna Elegância e Beleza, trazia conselhos sobre elegância e tinha a assinatura de Elza Marzullo. As páginas vinculavam conselhos de beleza para a mulher, que variavam de dietas e exercícios para tonificar o corpo a conselhos de maquiagens e vestimentas. Mara Rúbia Sant’Anna coloca que a beleza seria uma qualificadora de status social “[...] constituída como status, numa sociedade regida pelo mito da imagem [...] pelo belo que expunha, enalteceu pessoas e obras, exclusivamente, por serem belas”53

.Assinada por Helena B. Sangirardi coluna Lar doce lar, semanalmente trazia receitas de doces e salgados, sugestões do que servir em cada situação e para cada convidado, além de dicas sobre economia doméstica, cuidados com as crianças e educação de filhos. As famosas colunas de moda de Alceu Penna e os contos de famosos escritores da época também alcançaram grande sucesso.

As ilustrações que se caracterizam por traços de humor apresentam-se constantes no mundo do periódico impresso desde a litografia até os tempos da computação gráfica.54 O oposto não poderia ocorrer com O Cruzeiro que tivera cerca de 50% das páginas dedicadas ao humor. “Em matéria de humor, era difícil dizer quem era o melhor. Tanto que o recorde de vendas nos anos 50 teve um dos fatores a inclusão de páginas que satirizavam e acompanhavam o dia-a-dia da cidade e do país, acompanhado de perto a parte editorial”.55

Muitos foram os desenhistas e os ilustradores que durante décadas fizeram rir os leitores do periódico. “Como exemplo, podemos citar J. Carlos (1884- 1950), com ilustrações e capa; Guevara (?-1965) com caricaturas; Appe (1920-1980), com caricaturas políticas; Alceu Penna (1923-1980), em páginas duplas com a série As Garotas; Millôr (1923), com a série Pif-

Paf e Ziraldo (1932) [...]”.56

53

SANT’ANNA, Mara Rúbia. Aparência e Poder: Novas sociabilidades urbanas em Florianópolis, de 1950 a 1970. Tese de doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005. p.446.

54

PINTO, Luís Pimentel. Entre sem bater. O humor na imprensa: do Barão de Itacaré ao Pasquim 21. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.

55

COELHO, Andrea e RODRIGUES, Denise dos Santos. Op.cit. p.55.

56

GAWRYSZEMSKI, Alberto. Ilustradores da revista O Cruzeiro. In: GAWRYSZEMSKI, Alberto (org). O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada. Londrina: Universidade Estadual de Londrina/LEDI, 2008. p.36

Um dos personagens mais famoso da revista foi O amigo da

onça57 o assinado por Péricles de Andrade Maranhão. O homenzinho de cabeça ovóide, vestido elegantemente, era muitas vezes cruel, preconceituoso e muito conservador. O personagem apareceu pela primeira vez na revista O Cruzeiro, em 23 de outubro de 1943. O desenho do ilustrador Péricles Maranhão dava vida à ideia de Leão Gondim de Oliveiras, diretor do periódico na época. Segundo Marcos Antônio da Silva58, Gondim criou a personalidade e a estrutura psicológica do personagem e pediu para vários artistas ilustrarem o mesmo. O personagem satírico, irônico e crítico fez tanto sucesso, que passou a circular semanalmente na revista.

O Pif-Paf também foi uma das colunas humorísticas mais famosas de O Cruzeiro. Inicialmente era ilustrado por Péricles e tinha texto de Milllôr Fernandes, ou melhor Vão Gôgo, como ele assinava nas colunas. Após 13 anos, em 1958, a coluna passa à responsabilidade de Vão Gogô que parou de colaborar no periódico no ano de 1963, depois de 25 anos de redação. Millôr trabalhou na redação da revista desde 1938, naquele tempo ele apenas colava letras, em 1945, ele começa assinar a coluna Pif-Paf, com pouco mais de 14 anos de idade.

Todas estas transformações editoriais e gráficas ocorridas na revista de fato surtiram efeitos na tiragem, vendas e anúncios.

A receita era aparentemente simples: uma resenha de noticiário nacional e internacional da semana com farto material fotográfico, textos literários, reportagens sobre lugares exóticos e aspectos pouco conhecidos da fauna e flora brasileira, colunas que abarcavam um leque variado de assuntos.59

Suas seções de humor, fotorreportagens, contos ilustrados, páginas dedicadas à mulher transformaram O Cruzeiro na grande revista nacional de meados do século XX. O periódico tornou-se “[...] ao longo

57

Ver mais em: CARVALHO, Luiz Maklouf. Op cit. e PIMENTEL, Luís. Op.cit. e ZAMMATARO, Ana Flávia Dias e GAWRYSZEWSKI, Alberto. Entre o humor e a critica: a abordagem de O Amigo da Onça (1943-1974). http://www2.uel.br/eventos/sepech/arqtxt/resumos-anais/AnaFDZammataro.pdf acessado em 24 de setembro de 2009.

58

SILVA, Marcos Antônio da. Prazer e poder do amigo da onça. Rio de Janeiro, 1989.

59

da década de 40 a maior revista de toda a América Latina, até viver seu apogeu absoluto no início dos anos 50”60

. Na década de 1950, o impresso destacava-se como um dos meios de comunicação mais importantes no âmbito nacional. Considerada uma revista de variedade de grande circulação nacional, fazia-se presente em inúmeros lares da classe média urbana e era direcionada à leitura de toda a família.

O Cruzeiro na década de 1940 começou a destacar-se por sua

tiragem nas edições semanais, a população brasileira não ultrapassava os 41, 2 milhões de habitantes, sendo que 56,8% dessa população era analfabeta e apenas 31,3%, urbana61. Foram muitos leitores. Foram, sem sombra de dúvidas, muitas páginas. Páginas que se dedicaram a quase tudo. Foram políticas, presidentes, partidos, rainhas. Foram economias, moedas crises e a Segunda Guerra Mundial. Pelas páginas daquela revista, leitores e leitoras de todo o país acompanharam as notícias daqueles tempos em que o alcance da televisão ainda era irrisório. Naquelas páginas homens e mulheres também puderam dedicar-se a uma leitura tranquila e amena. Eram, em sua grande maioria, páginas dedicadas a colunas de assuntos femininos e a colunas de humor. Dentre esta porção de páginas, sempre duas, em cada edição, dedicaram-se as

Garotas do Alceu.

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