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Apresentação dos capítulos

2. O TERROR DOS MARES

2.3 Um novo horizonte

A ideia de que o cinema traz um novo modo de percepção por parte do espectador se inicia já nas palavras do cineasta russo Dziga Vertov (1896-1954) ao discorrer sobre a profissão de cameraman surgida com a sétima arte, a qual define um novo olhar sobre o mundo: Eu me libero, doravante, para sempre da imobilidade humana. Eu estou em constante movimento... é porque eu decodifico de uma nova maneira que vos é des o he ida (apud PICON, informação verbal)10. Partindo dessa máxima, o século XX passará para a história como o século do movimento e o teatro terá que buscar novas formas para dar a ilusão de movimento constante e não perder espaço na competição com o cinema.

Essas mudanças dos conceitos teatrais em detrimento da tecnologia já eram apontadas e buscadas por dois grandes nomes do teatro do início do século XX, Erwin Piscator e Vsevold Meyerhold. Segundo Piscator (apud PICON-VALLIN, 2010) a tecnologia deveria ser pensada não como uma finalidade em si, mas como algo que viria a transformar o teatro e a maneira de representar do ator ao contracenar com as imagens virtuais em cena. Nesta mesma linha, Meyerhold propõe o conceito de cineficação, que passaria a tomar conta dos palcos, dividido em dois tipos: 1) cineficação interna: técnicas desenvolvidas no palco tentando uma maior aproximação com a linguagem do cinema, por exemplo, o sentido de close conseguido com o foco de luz e a relação de corte conseguido com o blackout; 2) cineficação externa: as imagens são projetadas em cena.

É a partir do desdobramento do pensamento desses dois diretores que a teórica Picon-Vallin propõe uma nova divisão para a análise da tecnologia da imagem usada em cena após o invento da internet. Segundo ela existem dois tipos de tipologias da tecnologia: 1) Tecnologias da cena, ou seja, aquelas que introduzem o movimento oriundo do cinema nas técnicas do teatro: projeção de imagens fixas; projeção de imagens animadas (cinema mudo e cinema sonoro); radiodifusão; vídeo (analógico e digital); software: (som, imagem, luz); 2) Tecnologias nômades, onde não é mais o movimento na cena que importa, mas entre cenas,

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as quais podem ligar diversos lugares fazendo com que o mundo seja o teatro: celular, GPS, internet (informação verbal)11.

Como exemplo do primeiro grupo, a companhia 4D Art criou uma adaptação de A Tempestade em 2005 focada na tecnologia da imagem, porém mantendo a semântica e a linearidade narrativa do texto original. Dirigida por Michel Lemieux, Victor Pilon e Denise Guilbault, La Tempête rompe as fronteiras de linguagem e apresenta os elementos físicos e virtuais misturados a tal ponto que se perde a referência da diferença de tempo-espaço entre eles. A companhia se utiliza de ilusões óticas e hologramas para criar personagens virtuais que contracenam com os atores de carne e osso ou contracenam entre si deixando que o virtual se coloque no patamar de presença. O espetáculo cria um universo duplo evidenciando uma dicotomia entre o real e o imaginário através do jogo dos dois tempos e dos dois espaços diferentes das imagens pré-gravadas e das imagens ao vivo. O mesmo jogo feito entre as personagens aparece no cenário que em alguns momentos é físico e em outros virtual, através da utilização de recursos técnicos de projeção que criam objetos tanto bidimensionais quanto tridimensionais que envolvem o ator de carne o osso e o ator virtual.

Fig. 39 Mistura entre atores reais e virtuais, espetáculo La Tempête

Fig. 40 Mistura de imagens físicas com imagens virtuais no cenário gerando uma multifocalidade de percepção, espetáculo La Tempête

No segundo grupo um exemplo é o espetáculo PERCH: uma celebração de vôos e quedas de 2014 do grupo LUME Teatro. O espetáculo é o resultado das aulas ministradas pelos atores do grupo em Campinas e em Glasgow (Escócia) e de uma parceria entre os grupos Conflux da Escócia, Legs On The Wall da Austrália e do compositor irlandês Stephen Deazley. A intenção da ação é criar uma ponte entre o que acontece nos dois países para mostrar aos alunos e ao público em geral. Dessa forma, toda a ação ocorrida no Brasil, no Largo do Rosário no centro de Campinas, é filmada e transmitida ao vivo para a Escócia. Ao mesmo tempo, tudo o que acontece na Escócia, no Rottenrow Gardens no centro da cidade, é filmado e transmitido para o Brasil. Envolto por várias cenas aéreas e terrestres, uma das personagens salta de um país para o outro virtualmente contando uma história que vai sendo amarrada conforme o trânsito pelos dois lugares.

Outro exemplo pode ser observado no uso da internet como construção de linguagem cênica da série de espetáculos Play on Earth do grupo paulista GAG Phila7, coordenado por Rubens Velloso. O primeiro espetáculo da série criado em 2006, com nome homônimo, é composto por três audiências em três cidades distintas (São Paulo, New Castle e Singapura) que acompanham uma atuação ao vivo no seu respectivo palco e as demais transmitidas

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simultaneamente em um telão. A problemática do fuso-horário diferente em cada uma das três cidades é incorporada à narrativa de tal forma que os atores realizam suas ações conforme o horário e ambiente local, ou seja, enquanto uma personagem está indo dormir a outra está acordando e vice-versa. Em 2008, o grupo estréia What’s Wrong With the World, segundo espetáculo da série no qual atores no palco do Rio de Janeiro contracenam com atores no palco de Londres com as imagens transmitidas em tempo real via internet, apresentando apenas um pequeno delay do sistema.

Fig. 41 Mistura de atores reais e virtuais, espetáculo What’s Wrong With the World