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Um olhar sobre a resistência cultural associativa

Luís Filipe Maçarico

Da génese à diversidade associativa actual

ma das práticas, onde a fórmula “a dificuldade aguça o engenho”, se aplica, com peculiar eficácia, é o empenho, inerente às diversas configurações de Associativismo, cujos primórdios se alicerçaram na filiação religiosa das Misericórdias e Confrarias, onde os abastados consumavam, através da beneficência, um devir moral. Francisco Barbosa da Costa situa o aparecimento das Misericórdias em 1498, durante a regência da rainha Dona Leonor (Costa, 2005: 67), sendo a instituição de Lisboa replicada em muitas vilas e cidades. No caso das Confrarias e Irmandades, Francisco Costa atesta a segunda metade do século XVI, para o seu advento, “em torno de festas e celebrações religiosas”, tendo como principais finalidades prestar “assistência material e espiritual, sobretudo aos seus membros” (Ibidem:23)

Procissão da Senhora das Neves, na Serra de Montejunto, em Agosto de 2012 Fotografia do autor

O desenvolvimento das associações, perseguiu a transformação político-social do país, acompanhando, tanto os momentos de bem-estar e liberdade, como as crises económicas e respectivas restrições.

No século XIX, com a evolução das mentalidades, o Associativismo autonomizou-se da matriz paroquial, abrangendo as camadas populares, procurando protegê-las das aflições, resultantes da pobreza e da ausência de protecção na doença.

Foi nesse contexto, que Costa Goodolphim preconizou o surgimento das

Sociedades de Temperança, para alfabetizar, tornando a leitura mais abrangente,

originando as primeiras associações, livres da influência da Igreja, ancoradas no Mutualismo, que Vasco Rosendo enquadra numa “economia não especulativa e não lucrativa”, que conduz à “emancipação do “homem trabalhador” (Rosendo, 1990:26). Sabemos que em França, a meio do século XIX, existiam já 2.500 sociedades com 300 mil associados (Ibidem:32), enquanto em Portugal, em 1889 existiriam 392, correspondendo a 138.870 associados (Ibidem:35).

Nesta primeira fase do nascimento de associações em Portugal, democratizou- se a fruição musical, com a fundação de bandas filarmónicas, que integraram elementos do povo, constituindo o seu funcionamento modelo de civismo e aprendizagem, escorado em escolas de música, que ainda hoje fornecem executantes de gabarito para as mais conceituadas orquestras portuguesas.

Filarmónica da Ericeira, Dezembro de 2013 Fotografia do autor

Entretanto, surgiram Cooperativas, Sociedades Científicas (Geografia de Lisboa, Ciências Médicas) e de Instrução, como é o caso da Sociedade de Instrução e

Beneficência “A Voz do Operário” ou da Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul, e foram fundadas associações empresariais, como a AIP (1837). João Freire garante que “o surgimento das associações de empregadores é interpretado como reacção à acção sindical” (Freire, 2014:123).

É contudo em algumas bandas, que encontramos o mito de serem “uma das mais antigas colectividades do país”, assegura Helena Lourosa, na sua dissertação sobre a Filarmónica de Santiago de Riba-Ul (filarmónica, que algumas publicações recentes, acerca do associativismo, sinalizam como a mais antiga, incorrendo na repetição de um erro, por falta de consulta adequada das fontes). Acerca do grupo que estudou, a investigadora explica que “Na origem da reivindicação do título de ancestralidade (…) encontra-se uma partitura (…) equivocadamente datada de 1722” (Lourosa, 2012:27). Contudo, esta autora esclarece:

“Com o conhecimento que hoje temos sobre a história da música em Portugal, e também com o cruzamento de dados (…) torna-se evidente que a data de 1722 não poderia nunca corresponder à data do manuscrito (…) Em primeiro lugar porque [o compositor] António da Silva Leite nasceu em 1759 (…) e a princesa [Carlota Joaquina] a quem é dedicada a obra nasceu em 1755” (Lourosa, 2012:149)

Com a aproximação do estertor da Monarquia, um segundo fôlego associativo emergiu e, a par dos Escoteiros, surgiram escolas associativas, dentro dos clubes de bairro, como foi o caso do Grupo Dramático e Escolar “Os Combatentes”, que a partir de 1906 inscreveu o combate ao álcool e ao analfabetismo, promovendo o teatro, nos objectivos vitais da sua actividade, concretizando a escola, apenas nos anos 20, acabando por expandir, nas primeiras décadas, a sua acção ao ciclismo, voleibol, e mais recentemente ao taekwondo, desabrochando no seu palco estrelas como Maria Clara, Aida Baptista e Arthur Duarte.

Exibição de Taekwondo, do Grupo Dramático e Escolar “Os Combatentes”, Praça do Comércio, 2007. Fotografia do autor

Maria Alice Samara, que estudou o movimento republicano, informa que “contava (…) com grupos de teatro, com algumas colectividades e suas valências culturais, como bandas de música”. (Samara, 2010:37) A historiadora relembra que “os centros republicanos eram instituições multifacetadas e uma das suas valências mais importantes era a escola (…) a luta pela instrução”, (Ibidem:130), pois um cidadão alfabetizado poderá ser um potencial eleitor. Alice Samara acrescenta que “os grémios excursionistas são um exemplo de como se pode fazer política passeando” (Ibidem:206).

Durante o Estado Novo, apareceram ranchos folclóricos, Casas do Povo, Ligas de Amigos, Comissões de Melhoramentos, Cineclubes, Clubes de Campismo, Clubes de empresa, casas regionais, representando a cultura e as tradições dos migrantes do Minho ao Algarve e vários grupos desportivos.

Porém, o crivo da censura e a perseguição política embargaram muitas das instituições associativas. O tempo livre dos trabalhadores era ferreamente controlado (Melo, 2001; Valente, 1999). Para Dulce Simões “A actividade teatral estava presente em quase todas as colectividades, como estratégia de consciencialização cívica e de resistência política ao regime.” (Simões, 2013:243)

“Histórias para Serem Contadas”, de Oswaldo Dragún, encenação de Ildefonso Valério, Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul, 1979

Fotografia do autor

Graças ao 25 de Abril e restaurada, sem limites, a liberdade de associação, Sindicatos, Associações Autárquicas, Comissões de Moradores, Associações de Estudantes e de Pais, ou de Amizade e Solidariedade com outros povos, ombrearam com uma nova avalanche de novos clubes desportivos, que se formaram em torno do movimento Desporto para Todos.

Num segundo momento, a preservação do Ambiente e a salvaguarda do Património, as Comissões de utentes da saúde e dos transportes, e o associativismo de consumidores e utentes, de que são exemplo a DECO ou a Associação de Portuguesa de Espectadores de Televisão (Freire, 2014) são a possibilidade colectiva de responder às questões que emergem, após o saneamento e a realização das necessidades básicas.

As Associações de Desenvolvimento Local, como é o caso da IN LOCO e da ANIMAR e as IPSS, que se afirmam nos anos oitenta do séc. XX, tornam-se entidades empregadoras e formadoras, com técnicos de animação e de serviço social, distanciando-se do modelo tradicional, assente no trabalho voluntário em prol da Comunidade, mas contribuindo ainda assim para a chamada economia social, alternativa aos organismos estatais.

Passados 40 anos e segundo Augusto Flor, na conta satélite do INE, das 55 mil associações existentes, cerca de 30 mil são colectividades, havendo 450 mil dirigentes que contribuem, com o seu trabalho voluntário, para a criação de 2% do PIB1.

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Artur Martins, Coordenador do Gabinete de Estudos do Movimento Associativo Popular (GEMAP), informou-me, em conversa muito elucidativa, a propósito dos números “arredondados”, que efectivamente, a Conta Satélite referente a 2010, on line, publicada em 2013, aponta para 26.779

Os constrangimentos nas diversas fases da evolução histórico-social e a resposta do movimento associativo

Em termos internos, o Associativismo teve de enfrentar o Analfabetismo, a falta de formação, como ainda hoje tem de arcar com o ónus da perpetuação nos corpos sociais dos chamados “carolas”, o dirigismo que impede a entrada de jovens e até a incapacidade para apresentar contas que não ponham em causa, por inépcia ou incúria, o bom nome das instituições. João Freire teme que embora “particularmente propícias à aprendizagem democrática (…) ao mesmo tempo tendem, como qualquer organização, à burocratização com o seu crescimento” (Freire, 2014:188).

No plano externo, Costa Goodolphim em “A Associação” adverte, que até meados do século XIX:

“As classes operárias (…) ou estavam sem associação e, por consequência, sem recursos alguns quando a doença as impossibilitasse de trabalhar, ou então existiam agremiadas as irmandades (…) É evidente, pois que graves dificuldades se levantariam para formar a associação livre da sacristia” (Goodolphim, 1876:70)

Diz ainda este autor, que:

“O desprezo que o povo mostra para a vida política acompanha-o n’estes actos da sua existência social. Quantas associações não precisam fazer duas e três convocações para reunir a assembléa geral?” (Goodolphim, 1876:159)

A propósito das cooperativas e da resistência cultural durante o Estado Novo, Alice Samara recorda que elas eram “um local de luta (…) possibilitavam uma experiência na qual eram centrais os princípios democráticos, onde se experimentava o que era interdito” (Samara, 2014:330)

O Professor Luís Capucha, durante a apresentação da obra Alves Redol e o

Olhar das Ciências Sociais, em 28-2-2015, no Museu do Neo-Realismo, narrou que

num clube fundado por vilafranquenses, agentes da PIDE levaram inúmeros livros associações, num quadro de 55.383 unidades consideradas no âmbito da Economia Social, em 2010, tendo os cinco elementos do movimento associativo, que frequentaram um curso, no ISPA, apurado, sobre a liderança comunitária, que seria 30.122 o número correcto de colectividades então existentes. Fonte: Conta Satélite da Economia Social, edição INE/CASES; 2010.

considerados subversores, deixando porém na biblioteca assaltada, obras de Vladimir Ilitch (Lénine) provocando o riso dos dirigentes e associados do clube.

A interdição de elementos suspeitos nas direcções, o encerramento de colectividades, as peças de teatro proibidas, a mudança do nome da Associação Protectora dos Diabéticos Pobres para Diabéticos de Portugal, integram a memória colectiva.

Nos tempos actuais, a legislação restritiva é produzida quase diariamente, tratando os bares das colectividades como qualquer café, sabendo-se que estão reservados aos associados, sendo um dos alicerces que sustentam as actividades culturais e desportivas. O facto do IVA, cobrado às bandas, que precisam de fardamentos e instrumentos novos, ter de ser primeiro pago, como artigo de luxo e só depois pedida a restituição do valor cobrado a mais. Ainda há bem pouco tempo, não havia sequer lugar a essa devolução.

Há décadas que a Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto (CPCCRD) e a sua antecessora, se têm batido pelo reconhecimento do estatuto do Dirigente Associativo Voluntário, ao ponto de dois dirigentes desta última estrutura terem feito uma greve de fome frente à Assembleia da República.

Pequenas grandes conquistas são a representação oficial da CPCCRD nos Conselhos Nacionais do Desporto e da Economia Social.

Num artigo incluído no nº 11 do Boletim Digital da Associação das Colectividades do Concelho de Lisboa, Albano Ginja, do Clube de Sargentos da Armada, afirma:

“Todos os dias nos deparamos com medidas que em nada contribuem para fortalecer o Movimento Associativo (…) Os aumentos constantes de água, electricidade, gás, IVA, o elevadíssimo aumento das rendas imposto pelo novo Plano de Arrendamento e a mexida no IMI” (Ginja, 2015:3)

Em entrevista concedida em 25-2-2015, Augusto Flor, o Antropólogo que preside à Direcção da CPCCRD comentou que:

“Embora a Lei 84/2003 reconheça o papel de parceiro social ao Movimento Associativo, nunca indicaram o parceiro. A parceria da Confederação com Universidades deu visibilidade

ao Movimento Associativo Popular. Estamos a viver uma fase muito semelhante à dos anos 60-70, quando eu fui para a direcção do Grupo das Torcatas, porque o director foi mobilizado para a Guerra Colonial, isso levou muitos dirigentes. Outra fase difícil foi compensada por estarmos em Revolução, foi a saída de muitos dirigentes para tarefas autárquicas, sindicais e políticas.”

Perante as dificuldades, alguns dirigentes associativos cederam. No espaço de duas décadas, foram vendidas as sedes de duas colectividades emblemáticas de Alcântara.

Uma delas, a “Sociedade Filarmónica Alunos Esperança”, teve continuidade noutro local, mas a maior parte dos antigos associados deixou de a frequentar, por não se reconhecer no novo espaço. Na Rua Gilberto Rola, foi extinto o “Centro Republicano de Alcântara”, desconhecendo-se o paradeiro do seu património. Quer os dirigentes de uma, quer de outra, foram acusados de delapidação da memória colectiva e da identidade associativa alcantarense.

Ao invés, o “Grupo Cinco Reis” da Graça, que esteve em vias de fechar, a seguir à imposição de uma renda incomportável, obteve por parte da Câmara Municipal de Lisboa, o reconhecimento de colectividade de interesse público municipal, o que lhe permitiu manter-se, apesar das incógnitas que o futuro coloca.

A resistência cultural: o caso da Aldraba, associação do espaço e património popular

Ano após ano surgem novas associações. Recentemente, foi fundada uma associação, para defender os interesses das pessoas amputadas.

Cada associação surge, consoante a necessidade de uma parte da sociedade. Todavia, o nosso enfoque é sobre as entidades, que fazem da resistência cultural uma opção, para ocupação proveitosa dos tempos livres, que beneficia a comunidade.

É o caso da FADE IN, de Leiria, dirigida apenas por voluntários, responsável pela organização de eventos com qualidade. O seu lema é: “Há uma cultura que não se vende em prateleiras de hipermercado”…

Felizmente este não é caso único, havendo muitos militantes destas causas, que não são subsidiadas por qualquer instituição ou entidade.

Porém, ao longo das últimas décadas, algumas das associações nascidas, serviram tão-somente de trampolim, para os mais inconfessados objectivos pessoais, sob o signo da defesa do património.

Não obstante essa realidade, em 2004, cerca de duas dezenas de amigos realizaram um primeiro encontro, em Montemor-o-Novo, votando-se nessa altura a constituição de uma Comissão Promotora da futura Associação do Espaço e Património Popular “Aldraba”.

Essa comissão reuniu semanalmente, em Benfica, na casa de dois dos seus membros. Cinco meses depois, em 25 de Abril de 2005, a associação nasceu no Ateneu Comercial de Lisboa, com oitenta fundadores. Do seu manifesto evoco esta passagem:

“Como disse Walt Whitman, vamos pela estrada larga, vamos desbravar o futuro desconhecido, o duro futuro do futuro, vamos semear futuro e alimentar-nos das surpresas desse futuro. Vamos criar algo de novo com aqueles que têm coragem de dar a cara, de discordar, de dizer não, de lutar.”

Ao longo de uma década e sem ter sede em edifício próprio, a Aldraba promoveu encontros temáticos, em 26 localidades do país, entre os distritos de Castelo Branco e de Faro.

Encontro da Aldraba no Alqueva Fotografia do autor

Os jantares-tertúlia aproximaram-nos de Casas regionais e colectividades, como as Casas do Alentejo, das Beiras, da Comarca de Arganil, de Trás-os-Montes, os Cinco Reis, a SFUCO, Xuventud da Galícia.

Foram publicadas dezasseis edições da revista Aldraba, que têm abordado uma diversidade temática sobre o património identitário (adufe, associativismo, bacalhau, barbeiros, cataventos, contrabando, chaminés, claraboias, fontes de Querença, fornos de cal, espantalhos, grafitti, hortas, moinhos, morabitos) evocando ainda resistentes culturais e políticos, como Adeodato Barreto, Alves Redol, Ildefonso Valério, Jaime Gralheiro, João de Araújo Correia, João Honrado, José Figueiras, Leite de Vasconcelos e Rocha Peixoto.

João Honrado, Fevereiro de 2006 Fotografia do autor

As revistas foram apresentadas, entre outros, pelos antropólogos Joaquim Pais de Brito, Paula Godinho, Augusto Flor, Paulo Lima, pelos historiadores Santiago Macias, Luísa Tiago Oliveira, António Cardoso, pelo músico António Prata e pelo arqueólogo Marco Valente. Em locais tão diferentes, como a Casa Museu Anastácio Gonçalves, o Campo Arqueológico de Mértola, a Voz do Operário, a Biblioteca de Beja e o Restaurante Alcantaro.

A associação editou um caderno temático, sobre o património imperceptível. Possui uma página no Facebook e um blogue.

Actualmente, dos 15 elementos dos corpos sociais, apenas seis são fundadores. Os outros nove, foram-se inscrevendo, ao longo das actividades desenvolvidas, que procuraram sempre a interacção com as comunidades visitadas.

O programa da última lista, eleita, no início deste ano, propôs-se “Continuar a Promover as Memórias e as Identidades”. Destaco o texto da introdução do referido documento:

“Dez anos de existência conferem-nos o direito de nos considerarmos também um garante da salvaguarda do património popular português, sem subserviências nem expetativa de contrapartidas de nenhuma espécie. A nossa caminhada foi, desde sempre, orientada de forma solidária e fraterna, em parceria com todo o associativismo popular, que é expoente do melhor que o povo português consegue realizar. Esse enriquecimento coletivo apoia-se no voluntariado e em valores à escala humana, que o trajeto da Aldraba bem documenta.” (Programa da lista “A” Candidata às Eleições para os Órgãos Sociais da Associação Aldraba para o Biénio 2015/2016)

Um olhar sobre o movimento associativo contemporâneo: a crise global, problemas, propostas e soluções

Pertinente, é o olhar de Augusto Flor, antropólogo e dirigente associativo, acerca da crise, que está instalada na sociedade, reflectindo-se na vida associativa:

“Se tivermos em conta que, dos cerca de 450.000 dirigentes associativos voluntários e benévolos, 89% são trabalhadores no activo e por conta de outrem, verificamos que as alterações ao Código de Trabalho, nos últimos 20 anos, vieram provocar profundas alterações nas relações laborais, desfavoráveis aos trabalhadores. A precaridade, os baixos salários, a desregulação de horários, a deslocalização dos locais de trabalho (…) tiveram e têm profundos e nefastos reflexos no associativismo.” (Flor, 2014:19)

João Freire sublinha “o papel político das organizações da sociedade civil”, promovendo a “inclusão social dos cidadãos que, através do envolvimento nestas organizações, deixam de ficar isolados e criam oportunidade de socialização.” (Freire, 2014:187)

Na obra Liderança Comunitária, chama-se a atenção para o facto da motivação dos dirigentes associativos voluntários se traduzir num “forte sentimento de comunidade e sentido de responsabilidade cívica” estando “empenhados em contribuir para o desenvolvimento das suas comunidades” (Ornelas, 2013:175)

Na sua investigação, sobre a Marcha Infantil da “Voz do Operário”, Ana Isabel Carvalho considera que aquela colectividade

“(…) continua a ser promovida através dos jovens (com o apoio de uma equipa de adultos voluntários), promove-se a escola que a instituição continua a manter 129 anos depois. O desempenho e a performance conseguida pelas crianças, nas exibições públicas, poderá ser entendida (…) como uma garantia de continuidade (…) [A Marcha Infantil da Voz do Operário] tenta evitar o definhamento associativo [e além de integrar, destacar e ensinar dezenas de crianças] potencia futuras participações de dirigentes, marchantes ou ensaiadores de amanhã, como foi o caso de Sofia Cruz (antiga marchante) [hoje] uma das co- responsáveis pela Marcha Infantil.” (Carvalho, 2012)

Marcha Infantil da Voz do Operário, Noite de Santo António, Junho de 2011 Fotografia do autor

Vasco Fernandes, também antropólogo, ao estudar o Centro Cultural Magalhães Lima, a colectividade organizadora da Marcha de Alfama, apurou que “Quando a construção da marcha se inicia o Centro renasce” (Fernandes, 2002:95) ampliando esse espírito, pois “Deixa de ser palco dum grupo específico de pessoas, para condensar a esperança dum todo.” (Ibidem:97). Para este investigador, um dos perigos que espreita o associativismo é o “imperturbável avanço do individualismo” (Ibidem:108). Num breve inquérito complementar, apurámos algumas opiniões de dirigentes de colectividades. Joaqui, Silva, presidente da direcção da Sociedade Filármónica União e Capricho Olivalense, adiantou, em 22-2-2015:

“Ando há trinta e tal anos seguidos nisto. As pessoas mais antigas, todas elas já se foram. Nos dias de hoje, aquilo que fazíamos há 30 anos atrás é impossível de fazer… A falta de emprego certo, eu até acredito que haja moços que pudessem fazer parte da direcção, mas é muito difícil para alguns jovens, mesmo que queiram….Muitas vezes me interrogo: Não sei qual vai ser o futuro destas casas. Na direcção, a pessoa mais nova tem quase sessenta.” 2

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Em 27 de Fevereiro deste ano, Tiago Mendes, jovem dirigente de 29 anos, membro da direcção do Grupo Dramático e Escolar “Os Combatentes” assegurou que uma

“colectividade/associação consegue coexistir num mundo em mutação constante se reunir pelo menos uma de duas condições: Apoio local que tenha por base referências ou símbolos de pertença; Popularidade ou visibilidade, para lá da sua área de proximidade, quiçá algo diferenciador ou atractivo.”3

Defendendo que “é complicado aliciar muitas pessoas para perderem tempo de trabalho e pessoal, em prol dos outros,” Tiago considera que “Toda a associação tem de fazer-se valer de mecanismos de comunicação eficazes. A formação contínua dos seus agentes é importante para o dinamismo da mesma.”4

Laurinda Figueiras, natural da Meadela (Viana do Castelo), Professora, Vice- Presidente da Mesa do Congresso da Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto e Presidente da Direcção da Ronda Típica da Meadela, enviou em 4-3-15 a seguinte perspectiva acerca deste assunto:

“Em tempos de alguma fragilidade no que concerne à nossa identidade cultural, o Associativismo Popular consegue ser o mais arreigado dos movimentos de defesa e de construção da pertença de uma herança secular.

Cada vez mais, nos vamos apercebendo das dificuldades em manter gerações heterogéneas