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1 ESTADO DO CONHECIMENTO SOBRE A FORMAÇÃO INICIAL DE

4.2 Potencialidades e limitações apontadas pelos acadêmicos ao avaliar o curso de

4.3.2 Um olhar sobre a trajetória do sistema educacional brasileiro

O povo brasileiro é constituído por diferentes matrizes e culturas. Nesta mistura de raças e de fusão de culturas não foram dadas iguais condições para que a população se desenvolvesse (RIBEIRO, 1995). Sabe-se que, desde os primórdios da convivência das três matrizes que constituíram o país – indígena, africana e luso-açoriana – a educação foi concebida como um privilégio e uma forma de dominação. Ou seja, é preciso considerar que os problemas educacionais estão enraizados com as questões históricas da nação.

A sociedade brasileira é, de certa maneira, deformada e carrega dentro de si as cicatrizes e malformações históricas que sofremos, por tais motivos temos dificuldades em reconhecer, denunciar e superar nossas limitações. O ideário social de que pobres são burros se estabeleceu como verdade, além de uma política educacional socialmente irresponsável. A própria “educação brasileira ensina a ver o passado com os olhos dos senhores de escravos” (RIBEIRO, 1984, p. 45).

O Brasil foi o último país do mundo a revogar com a escravidão. Conforme Ribeiro (1995), podemos considerar o país como uma terra de escravos e senhores de escravos, pois o pensamento da elite dominante foi de privar do desenvolvimento intelectual à grande massa, para assim continuar dominando e exercendo poder sobre os subalternos que continuariam passivamente desenvolvendo os trabalhos braçais.

A realidade é que vivemos em um país que historicamente não cumpre com a tarefa de ofertar educação de qualidade para toda população. O sistema educacional brasileiro é incompleto e tardio, cuja expansão e configuração acompanha a industrialização do Brasil, ou seja, a oferta de ensino público no país no início do século XX foi elaborada para atender as demandas do mercado de trabalho (TEIXEIRA, 2007).

122 Frente a este descalabro para com a educação no país, em 1932 foi elaborada por grandes intelectuais, tais como: Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Júlio de Mesquita Filho, Cecília Meireles e outros, uma declaração intitulada “O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” que formula bases e diretrizes para provocar o povo e o governo para a ação, em defesa de uma educação para todos e não apenas para a elite como acontecia. Esse manifesto não surgiu apenas com intuito de apontar a situação da educação no Brasil, mas de sugerir pontos necessários para uma melhoria.

A principal ideia defendida era a criação de uma escola única, pública e gratuita, ou seja, uma nova política educacional foi proposta, com sentido unitário e de bases científicas e humanas. Os signatários do Manifesto atribuem à educação o papel de transformar a sociedade e que isso ocorre em meio a diversidade e pluralidade de forças sociais, ou seja, acreditam que seu objetivo seja proporcionar o pleno desenvolvimento do ser humano (MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA, 1932).

Neste sentido, é preciso que toda população tenha as mesmas oportunidades para que a educação deixe de servir aos interesses de classe para servir aos interesses e necessidades dos indivíduos, que são sujeitos de direito e, acima de tudo, seres humanos. É preciso haver formação que respeite a integridade e características particulares de cada pessoa, mas que proporcione o desenvolvimento de suas faculdades: intelectual, psicológica, afetiva, política, cultural e social.

Segundo Teixeira (1996), só existirá democracia no Brasil se a escola for pública, universal e gratuita, e inserir todos na sociedade. A educação precisa ser pensada como a capacidade de inserir as pessoas no mundo e não como instrumento de responder a testes e/ou demandas do interesse de classes.

No Manifesto de 1932 são apontados alguns problemas do sistema educacional brasileiro, mesmo sendo apresentados naquela época, muitos deles ainda não foram solucionados. Vale a pena mencionar o diagnóstico que fizeram: as reformas econômicas e educacionais estão dissociadas, assim como as entidades que mantém o ensino; a escola está isolada do ambiente e não prepara para vida; a formação é meramente literária, artificial e verbalista; ocorre falta de continuidade e articulação entre as etapas de escolarização; não se tem uma cultura universitária e de pesquisa científica (MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA, 1932).

Outro aspecto a ser considerado é que nas últimas décadas do século passado, segundo Ribeiro (1984), ocorreu um crescimento desmesurado da máquina educacional,

123 meramente quantitativo, o que teria tornado impossível alcançar as condições mínimas de qualidades para que a escola pudesse atender a população. O autor afirma que tratamos todos os estudantes como se fossem iguais, com as mesmas condições. Isso mostra que a escola não é só celetista, mas continua sendo elitista. Também menciona que os índices de rendimento da educação brasileira não mostram os agravantes que precisam ser considerados para que encontremos soluções para tais problemas.

Nas palavras de Ribeiro (1984, p. 65):

Só a partir da observação da realidade de cada escola, – do nível de formação de seus professores, das características da maioria de seus alunos, das condições de existência da comunidade a que servem – só a partir dessa base concreta, com o conhecimento mais exaustivo e mais objetivo dela, é que se pode diagnosticar os problemas que impedem a elevação do nível de ensino, para buscar soluções realistas e realizáveis.

Por este motivo, temos primeiro que reestabelecer o verdadeiro conceito de educação, retirando-lhe o aspecto formal e dual que prevaleceu por muito tempo em nossa sociedade, afim de caracterizá-la como um processo democrático, de cultivo e amadurecimento individual do ser humano em sua totalidade (TEIXEIRA, 1996).

“A educação comum, para todos, já não pode ficar circunscrita à alfabetização ou à transmissão mecânica de ler, escrever e contar. É preciso formar hábitos e competência de sociabilidade, de pensamento e reflexão, de sensibilidade e de consciência” (TEIXEIRA, 2007, p. 125). O autor defende que as técnicas de ler, escrever e contar devem ser desenvolvidas em um contexto real, como prática social, pelas quais se desenvolvam habilidades sem as quais não se pode viver na atualidade.

Considerando a função essencialmente política da educação, defendida pelos signatários, algumas ações foram sugeridas na época e são plenamente cabíveis para o contexto educacional atual: reestabelecer a confiança e estreitar as relações entre escola e família; articular-se com outras instituições sociais; recorrer a técnicas científicas e instigar a atividade criadora dos estudantes; favorecer os impulsos interiores de observar, experimentar e criar; reorganizar-se em um mundo natural e social; considerar o trabalho não como algo para produzir resultados e sim como elemento formador (MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA, 1932).

Segundo Nóvoa (2009), a contemporaneidade exige dos professores a capacidade de contextualizar suas práticas para que a escola assuma seu papel social, e assim valorize o que é de sua competência: a formação integral do ser humano. O autor afirma que é

124 necessário envolver outras instâncias nas muitas atividades e responsabilidades que não são de sua competência, mas que hoje equivocadamente são confiadas à escola.

Conforme consta na Cartas das Cidades Educadoras (AICE, 2000), os grandes desafios da sociedade contemporânea são: investimento efetivo na educação, para que todos possam, por meio dela, desenvolver seu potencial humano, bem como a sua singularidade, a sua capacidade criativa e assumir sua responsabilidade social; garantir plenas condições de igualdade, para que todos se sintam respeitados e respeitem por meio do diálogo; conceber a cidade como um grande espaço formativo, espaço em que se constitui uma verdadeira sociedade do conhecimento em que todos estão incluídos.

Desta maneira, entende-se que a escola vai se organizar pela própria vida da comunidade, considerando o trabalho, as tradições, as características e peculiaridades locais. É preciso superar o pensamento grego que dividiu a educação em intelectual e humanística, aqui no país destinada para a elite, e para a ação ou utilitária, destinada aos pobres para desempenharem os serviços braçais (TEIXEIRA, 1996). Sua defesa é por uma formação de hábitos de vida, que seja mais prática do que intelectualizada.

A proposta de Teixeira (2007) é oferecer as melhores escolas possíveis, que permitam as pessoas terem vida digna, principalmente àqueles que ficaram excluídos do processo educativo ou em condições desfavorecidas para acesso e permanência, seja de ordem econômica, cultural ou social.

Para o autor, a cara da escola é a cara da pátria, ou seja, enquanto a educação não for a prioridade da nação, não teremos de fato desenvolvimento humano, social, científico, cultural, político e econômico. Neste sentido, sua luta foi por uma escola agradável para se estar, que oportunize o amplo acesso à cultura, que proporcione, além da formação básica, experiências com teatro, biblioteca, artes, oficinas, laboratórios, lazer e esportes, porém sempre buscando pontos de conexão e visando à formação integral.

Segundo Cavaliere (2002), a escola pública brasileira precisa recuperar sua identidade cultural e pedagógica, para isso, é preciso reconsiderar as experiências históricas e comunicativas no desenvolvimento do homem integral e assim instaurar no Brasil uma verdadeira sociedade democrática.

Neste sentido, Chagas, Silva e Souza (2012) apontam a necessidade da retomada dos ideais de Anísio Teixeira e de Darcy Ribeiro, pois lutar pelo direito à educação de qualidade para todos e proporcionar a formação humana integral continuam sendo fundamentos elementares para a qualidade social da educação pública.

125 A educação brasileira por muito tempo esteve atrelada às políticas educacionais que visavam somente à formação das pessoas para o mercado de trabalho e alfabetização de eleitores. Atualmente busca-se a formação humana integral para superar os entraves e resquícios desta herança da classe dominante, que concebe educação como privilégio. Neste sentido, é preciso promover uma formação efetiva dos professores, baseada na interação social e na autonomia defendida por Freire (1996), até mesmo para que as teorias estudadas durante este processo formativo não sejam apenas um amontoado de palavras e que as práticas docentes um mero ativismo.